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A mulher como referência simbólica e da resistência política

No documento ELZA HAURESKO (páginas 48-53)

2. XOSÉ LOIS GARCÍA E SUA DRAMATURGIA NO CONTEXTO DA

2.4. Temáticas telúricas, femininas, lusófonas e eróticas como resistência

2.4.4. A mulher como referência simbólica e da resistência política

O tema mulher é mais um signo que se alicerça na liberdade explorada no teatro de García, com postura de um intelectual que tem observado, denunciado e combatido os excessos da ditadura. Em seu âmbito criativo García entrega-se artisticamente, proclamando às mulheres a liberdade nos espaços ficcionais.

Em 1998, na África, Xosé Lois García, publica Antologia da poesia feminina

dos Países Africanos de Língua Oficial Portuguesa PALOP. Este trabalho trata das

trinta e nove vozes femininas de Angola, Cabo-Verde, Guiné-Bissau, Moçambique e São Tomé e Príncipe, dos apontamentos biográficos de cada autora e apresenta um glossário de termos Kimbundos locais, incorporados ao português de Angola.

Essa publicação assegura que os elementos que singularizam o universo narrativo e poético de García a respeito das mulheres é herança da civilização celta, que reservava à mulher grande importância social. Nesse sentido, entende-se que García, ao inserir a mulher no contexto literário, é também para abrasar nas mulheres o desejo de lutar contra as privações e os dogmas impostos secularmente pela sociedade.

García representou as mulheres africanas em sua poesia e também nas Artes Plásticas, nas quais ele registra o modo de viver, retrata o trabalho, o andar, as suas lutas e a dominação do masculino, conforme as telas apresentadas a seguir nas figuras de 1 a 4 nomeadas, aqui nesse trabalho, de “mulheres africanas I, II, III e IV”.

Figura 1 – Mulheres Africanas I Figura 2 – Mulheres Africanas II

Fonte: GARCÍA (2005) Fonte: GARCÍA (2005)

Figura 3 – Mulheres Africanas III Figura 4 – Mulheres Africanas IV

Fonte: GARCÍA (2005) Fonte: GARCÍA (2005).

A primeira imagem tornou-se capa do livro África em sintonia solar (2005), seu quarto caderno publicado com doze poemas curtos, no qual García, ao

representar em cada imagem a vida dura da mulher africana, rende para cada uma das telas um poema:

As mulheres leves e vigorosas escutam a aflição do mundo quando um relâmpago patético não conquista a vida sob a estrela (GARCÍA apud TORRES, 2015, p. 340).

Notamos a delicadeza e a firmeza nos vocábulos que se traduzem como “leves”, mas “vigorosas”. Esta vigorosidade captada pelo eu lírico de García remete ao verso que, ao escutarem as aflições do mundo, não conquistam a vida; simbolicamente, pode ser entendido no poema como futuro, que García canta estar sob a estrela.

Em relato, García conta que ficou impressionado com o valor, a pureza e a disciplina com que a mulher africana assume suas responsabilidades, conforme menciona:

O matriarcado en Mozambique ten unhas connotacións moi especiais e é a femia a que busca e organiza o sustento da familia e reparte moi ben o seu horario de traballo, o domestico, a venda de calquera mercadoria polas ruas urbanas ou traballando nos trollos secos das labras ou carrexando auga a unha distancia de oito quilómetros, co perigo que este tránsito ocasiona. (GARCÍA, 2013, p. 634).

O relato nos permite compreender a segunda tela, na qual García representa uma mulher carregando um feixe de lenhas, e para essa mulher trabalhadora cria o poema que diz: “No balanço das ancas gemiam as sombras, perdiam-se com os passos oblíquos, quando as pedras não flagelavam os pés” (GARCÍA, 2005).

Na terceira tela, em conversa com García, o autor relatou que com os pincéis explorou dois corpos, feminino e masculino, que se confundem. Nesta perspectiva, dá ênfase ao corpo de um homem com medidas majoradas para representar a dominação do masculino, sugerindo o homem como sendo aquele que controla o corpo e o intelecto da mulher. Nessa tela, identificamos uma mulher com postura corcunda e de cabeça baixa, executando uma atividade, enquanto o homem está com o órgão sexual ereto.

Na quarta, observamos uma mulher grávida, com braço levantado, como num gesto de cansaço, e seu vagar desorientado pode ser lido na tela, no imaginário e na sensibilidade de poeta que criou estes versos:

IX

Cara ao fogo ia procurando o destino algum dia no receio da paixão ardente a lua há de mostrar-lhe a direção do rio. Ó mulher indestrutível,

cósmica e sola

erigida na lâmina de outro olhar! (GARCÍA, 2005, p. 30).

García também fez alusões às mulheres africanas em Poesía feminina em

Angola, em que fala das poetas angolanas comprometidas com a luta nacionalista e

revolucionária, como Amelia Veiga, Alda Lara, Maria Eugenia Lima, Manuela de Abreu, Eugenia Neto, dentre outras (TORRES, 2015, p.109).

Contrariando a representação nas Artes Plásticas, no gênero teatral García, via de regra, representa as mulheres em níveis intelectuais superiores às personagens masculinas. Essa superioridade feminina sugerida é representada na peça Desguiament de Guiats, na qual a personagem Geralda Cordellés é uma vidente que se apresenta na cena com muita sabedoria e é requisitada pelos homens somente no momento que dela necessitam: “Majol, vés- te‟n a buscar la Geralda Cordellés” (ao entrar na sala Geralda ri ao saber que precisaram dela para saber sobre o dilúvio que se aproxima).

Igualmente na peça O Proceso de Lucía Fildalgo, García empodera as mulheres na voz da personagem Fidalga:

- Parece que despexou o canal respiratório (pausa). Como dicía, manternos na tradición natural e crear futuros ao redor dela, mais sempre na reserva das escondedelas (pausa). Pese aos sufrimentos de hoxe, o Mullerismo triunfará un día en que a humanidade o solemnice, pode tardar centos de anos mais ese día relucirá en algunha estrela que nós contemplamos. (GARCÍA, 2017a, p. 49).

O excerto acima demonstra a coragem feminina frente ao sofrimento, que o feminismo triunfe na humanidade, e em tom poético, acrescenta que as mulheres um dia alcançarão a estrela que contemplam. A metáfora da estrela dialoga com as artes cênicas e com a poesia, ambas já referidas, quando o eu lírico alude à estrela

como referência ao triunfo feminino. A metáfora da estrela também pode sugerir a espera pela liberdade, a esperança de alcançar os mesmos direitos, em particular para as mulheres mais pobres, as renegadas, as que se prostituem para sobreviver, as negras e outros segmentos que se encontram às margens da sociedade e que formam o público a quem o escritor dedicou parte de sua dramaturgia.

O estudo de García intitulado Simbologia do Românico de Penafiel (2018) apresenta análises dos símbolos religiosos, e no mosteiro Paço de Sousa, García analisa a pintura de William Blake, que pintou uma grande circunferência representando a criação do Universo. Dentro dela, pintou um esquadro medindo os espaços do sol e da lua.

Nesse estudo, García analisa o versículo do Gênesis 1:16: “Deus fez dois grandes luzeiros: o maior para presidir ao dia, e o menor para presidir à noite, fez também as estrelas”. Com essa análise, García entende que

O poder feminino estava, assim, submetido ao poder masculino, dado que o resplendor da lua emanava da luz do sol. Esta ideia, surpreendentemente, potenciou o poder do homem sobre a mulher e manteve esse furor machista e absoluto no pensamento dos três ramos das grandes religiões monoteístas. (GARCÍA, 2018, p. 73).

As comparações feitas por teólogos comparavam a mulher à lua e o homem ao astro sol e, segundo García, essa analogia fortaleceu o machismo no catolicismo, reiterando a supremacia dos homens, e, em consequência disso, a supremacia clerical. Esse poder da Igreja é fortemente evidenciado nos textos teatrais de García, com o firme propósito de combater o avanço da opressão.

3. DRAMATURGIA

Primeiro levaram os negros Mas não me importei com isso Eu não era negro Em seguida levaram alguns operários Mas não me importei com isso Eu também não era operário Depois prenderam os miseráveis Mas não me importei com isso Porque eu não sou miserável Depois agarraram uns desempregados Mas como tenho meu emprego Também não me importei Agora estão me levando Mas já é tarde. Como eu não me importei com ninguém Ninguém se importa comigo. Bertolt Brecht

Neste capítulo, trataremos de algumas ideias referentes ao teatro de Aristóteles e de Bertolt Brecht, investigando em que medida o teatro de Xosé Lois García se filia à estética aristotélica ou à brechtiana, e discutiremos os elementos do texto dramático em sua obra. Também analisaremos as peças de García com os seguintes temas: cultura popular, anticlericalismo, religião, dogmas, temas ecológicos, de gênero e os relacionamentos sociais.

No documento ELZA HAURESKO (páginas 48-53)