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2. Plano Individual de Readaptação – PIR 45

2.2. A natureza contratual 49

Posto isto, chegamos ao ponto que consideramos ser de grande importância. Já referimos que o recluso não é obrigado a participar no tratamento, nem a aderir ao PIR, no entanto, se essa adesão ocorrer, aquele assume um compromisso, vinculando- se contratualmente com o Estado.

Esquematizando a posição jurídica do recluso, vejamo-lo inserido numa relação triangular. O recluso ocupa um dos vértices, noutro está o estabelecimento prisional onde se insere, e o terceiro é ocupado pelo TEP. A vinculação contratual que referimos insere-se aqui: através do PIR, o recluso e o TEP tornam-se partes contratuais, sendo o e.p. o meio instrumentalizado em prol do seu cumprimento, que não é mais do que o trilho para a reinserção e a inibição no cometimento futuro de crimes pelo recluso.

Perante esta contratualização surge a necessidade de avaliação da execução, pois só assim se aferirá se o recluso, enquanto parte, tem vindo a cumprir com o estipulado no PIR. Isto porque a execução do PIR100, nos moldes em que se contratualizou, deverá ser fundamento, explícito, nos pareceres dos magistrados do MP e nas sentenças dos juízes do TEP para a apreciação da liberdade condicional, pois denotará o maior ou menor grau de empenho daquele. Será positivamente avaliado aquele que atingiu os objectivos propostos no plano, mas o inverso também ocorrerá.

Evidenciamos assim duas funções do PIR, para além de poder e dever ser mencionado explicitamente naqueles pareceres, é primariamente fonte documental para a elaboração dos relatórios dos serviços prisionais e da reinserção social solicitados pelo juiz para apreciação da liberdade condicional. Nestes relatórios, deverá ser percetível a maior ou menor dificuldade de implementação do plano, os                                                                                                                

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O PIR é sujeito a atualizações sempre que se entenda necessário, pois não se trata de algo estanque ou imutável. Aliás, a execução do mesmo implica essa mutabilidade, na medida em que o cumprimento de certos objetivos signifique o reforço e empenho noutras áreas da sua programação prisional, art. 69º, n.º7 e art.70º, n.º4 do Regulamento Geral.

 

obstáculos encontrados e as metas ultrapassadas. Sucede, muitas vezes, que o incumprimento não ocorreu por motivos imputáveis ao recluso, mas sim pela inadequação daquele e.p. para lhe dar cumprimento101. É este o tipo de informações que, após consulta do PIR, devem constar, impreterivelmente, daqueles relatórios, pois é neste momento que juiz e procurador tomam conhecimento de como decorreu a execução, retirando as suas ilações perante aquelas informações. Por norma, os relatórios referem que o PIR, enquanto documento, foi consultado para elaboração dos relatórios, mas acabam por não o explicitar no seu conteúdo. A inclusão daquele tipo de informações, na minha óptica, deveria implementar-se como regra, facilitando a apreensão da evolução do tratamento prisional do recluso, pelo juiz e pelo magistrado do MP102.

Por último reiteramos a importância de um plano pormenorizado, que transmita o perfil criminógeno do recluso, que atenda às suas subsistentes e reais necessidades de reinserção social, concretizando metas temporais e exprimindo a aquisição de competências, sob pena de o mesmo ser completamente infrutífero. É essencial traçar este perfil para que haja uma adequação plena às necessidades do recluso. É natural que o PIR de um indivíduo, que sempre levou uma vida de marginalidade, com o habitual abandono escolar, manifestando dependências de consumo de estupefacientes e fraco suporte familiar e financeiro, seja necessariamente diferente de um indivíduo cujo perfil se pauta por um superior nível de habilitações e formações escolares, que sempre se encontrou inserido na comunidade e que beneficia de apoio familiar e económico-financeiro. Quanto a este último, é expectável que o tempo de reclusão não seja tão direcionado para a obtenção de habilitações literárias - a não ser que o deseje - mas sim para programas que procurem sensibilizá-lo para a problemática do tipo de crime que cometeu.

                                                                                                               

101 Muitas vezes os e.p.’s não dispõem dos programas necessários, p.ex., ao desenvolvimento das

necessárias competências pessoais e sociais de que carece o recluso. Recordamos um caso em particular: num relatório foi sugerida a inserção do recluso no “Programa de Intervenção GPS – Gerar Percursos Sociais” de que o aquele e.p. não dispunha, recomendou-se assim a sua transferência para um outro e.p. que comtemplasse as suas subsistentes necessidades de reinserção.

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Exemplos como os que vamos agora enumerar constantes dos relatórios elaborados pelos serviços de acompanhamento da pena, são de louvar, vejamos: “o PIR inicial contemplava a colocação e manutenção de uma atividade laboral e a frequência do Programa Estrada Segura. Apenas manteve ocupação laboral”; “atendendo, ainda, à dificuldade de implementar o PIR, deverá desenvolver mecanismos de coping eficazes, com o auxílio de outros profissionais, de forma a eventualmente quebrar o padrão e debelar todas as inconsistências reveladas à data”; “o PIR elaborado está direcionado para a manutenção da atividade laboral”.

§ III. Percurso do recluso

Se o PIR, após ulteriores atualizações, se mantiver pouco pormenorizado ou demasiado abstrato, a vinculação contratual do recluso com o Estado será insignificante e permeável ao insucesso, na medida em que pouco ou nada se espera daquele.

O PIR é para o sistema judiciário a receita da “doença” que se descortina na avaliação inicial. A sua execução é o “medicamento”, o tratamento de que aquele necessita para ultrapassar as problemáticas que o levaram à reclusão, rejeitando-se qualquer ideia de que esses objectivos são de alguma forma inatingíveis. Na mesma óptica que defendemos: “it is better that ten guilty persons escape than that one innocent suffer”103. Por isso acreditamos que, por cada dez reclusos que recusem o tratamento, todo o esforço valerá a pena por cada um que o aceite.