• Nenhum resultado encontrado

3 OS INSTRUMENTOS JURÍDICOS DE COMBATE À VIOLÊNCIA

3.1.1 A natureza jurídica das medidas protetivas de urgênci a

Quanto à natureza jurídica das medidas protetivas, apesar de não haver consenso entre os doutrinadores, alguns entendem que elas teriam natureza de medida cautelar cível.

Um dos argumentos daqueles que defendem as medidas protetivas como medidas cautelares, seria a necessidade da análise do juiz acerca de dois requisitos do procedimento cautelar: o periculum in mora (se realmente aquelas medidas são necessárias, a fim de resguardar o direito da vítima, o qual poderá ser violado em razão da demora dos demais procedimentos) e o fumum bonis iuris (que a situação ensejadora da medida tenha amparo legal, isto é, enquadre-se no contexto de violência doméstica e familiar contra a mulher).

Outrossim, outra justificativa seria que a própria lei prevê no artigo 19, que as medidas poderão ser concedidas sem audiência prévia , devendo haver a comunicação do Ministério Público. Do mesmo modo, as medidas concedidas, se demonstrarem pouca eficácia, podem ser revogadas e substituídas por outras mais adequadas para salvaguardar a vítima. Assim, pontua Martins (2011, p. 73/74, online),

Dessa forma, sendo as medidas protetivas de urgência cautelares, baseiam-se em cognição sumária e, portanto, são provisórias, suscetíveis de modificação ou revogação a qualquer tempo, caso haja alteração das circunstâncias presentes no momento de sua concessão, ou seja, devem ser deferidas rebus sic stantibus, a teor do que preceitua o artigo 19,§§2º e 3º, da Lei 11.340/2006.

Há ainda uma segunda corrente, a qual defende que as medidas teriam natureza de cautelar satisfativa. Assim, as medidas seriam processos autônomos, as quais existiriam independentes do Inquérito Policial. Dessa forma, haveria a possibilidade de o inquérito tramitar no lugar em que ocorresse o crime, podendo a vítima solicitar as medidas em local distinto, por exemplo, no domicílio dela. Esse tem sido o posicionamento dos Tribunais brasileiros, como exemplo, a decisão da Terceira Câmara Criminal do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, ao julgar o Conflito de Jurisdição 70056516990/RS,

Não se ignora o debate acerca da natureza jurídica das medidas protetivas. Na espécie, é imperioso realizar análise teleológica com base na origem do

regramento. Inexiste necessária vinculação entre a imposição de medidas protetivas e eventual ação penal intentada com base em fato supostamente praticado no âmbito de violência doméstica. O trâmite da ação penal, de qualquer

modo, deve obedecer às disposições do artigo 70 do Código de Processo Penal, com

a competência do local do fato praticado. Por outro lado, eventuais medidas protetivas em relação à ofendida podem ser postuladas no juízo de seu domicílio, considerando o disposto no artigo 14, inciso I, da Lei nº 11.340/2006, bem como tendo em conta o fato de que a ofendida efetuou registro de boletim de ocorrência na delegacia situada na localidade de seu domicílio. Por fim,

registre-se que, na espécie, consoante o que integra o registro do boletim de ocorrência, pode-se depreender que o suposto autor do fato, com residência em Sapucaia do Sul, é o detentor da guarda do filho, devendo, portanto, atentar-se para este fato no que diz respeito às regras específicas de competência e eventuais procedimentos no âmbito da situação familiar. (TJRS, Terceira Câmara Criminal, CJ 70056516990, Rel. Diogenes Vicente Hassan Ribeiro, DJe 12.12.13, com grifos no original)

Além disso, é imperioso fazer-se uma interpretação dos institutos e das garantias previstas na Lei n. 11.340/06, de modo teleológico e não simplesmente gramatical, principalmente devendo-se observar o que preconiza artigo 4º30. Assim, ao se interpretar a concessão das medidas protetivas deve-se levar em consideração a finalidade precípua da lei, qual seja, a prevenção e o combate à violência doméstica e familiar contra a mulher.

Logo, é possível que haja a concessão de medidas protetivas sem que ocorra um procedimento administrativo inquisitorial instaurado, até porque, cumpre lembrar que nem sempre a violência doméstica e familiar implicará em crimes. É o que frequentemente ocorre com a violência psicológica, que visa principalmente a diminuição da autoestima da mulher, submetendo-a a constantes situações humilhantes, que desencadeiam enfermidades psíquicas. Nesse caso, essa mulher não estaria protegida pela lei, simplesmente, por que seu agressor não cometeu qualquer crime? Com certeza a resposta é negativa. Deve sim a integridade psíquica da ofendida ser resguardada e ser concedida o tipo de medida protetiva mais adequada ao caso concreto.

Nesse sentido e consolidando a natureza das medidas como cautelares satisfativas, bem como corroborando a possibilidade de concessão de medidas protetivas de urgência sem a instauração de procedimento na esfera criminal, decidiu a Quarta Turma do Superior Tribunal de Justiça, no Recurso Especial 1419421/GO ,

As medidas de proteção em apreço possuem natureza satisfativa, ou seja, encerram, por si mesmas e por sua natureza, a finalidade desejada, independentemente de propositura de qualquer outra ação.Não sendo, portanto, o caso de cautelar

30

Art. 4o Na interpretação desta Lei, serão considerados os fins sociais a que ela se destina e, especialmente, as condições peculiares das mulheres em situação de violência doméstica e familiar.

preparatória, mas em se tratando de cautelar satisfativa, em que nem mesmo é obrigatório o ajuizamento da ação principal, incabível a extinção do feito sem resolução do mérito por ausência de ajuizamento da ação principal no prazo legal, devendo as questões debatidas ser decididas nos próprios autos.[...]Assim sendo, em se tratando de medida protetiva no âmbito da Lei de Violência Doméstica, e sendo referida cautelar de natureza satisfativa, merece reforma a sentença atacada (fls. 1.265-1.270). [...] Ora, parece claro que o intento de prevenção da violência doméstica contra a mulher pode ser perseguido com medidas judiciais de natureza não criminal, mesmo porque a resposta penal estatal só é desencadeada depois que, concretamente, o ilícito penal é cometido, muitas vezes com consequências irreversíveis, como no caso de homicídio ou de lesões corporais graves ou gravíssimas. Vale dizer, franquear a via das ações de natureza cível, com aplicação de medidas protetivas da Lei Maria da Penha, pode evitar um mal maior, sem necessidade de posterior intervenção penal nas relações intrafamiliares. (STJ, Quarta Turma, Recurso Especial 1419421/GO, Min. Rel. Luiz Felipe Salomão, DJe 11.04.2014).

Destarte, a não vinculação das medidas protetivas a um procedimento criminal é um modo de preservar os fins sociais, para os quais a lei fora criada, bem como garantir uma tutela mais adequada a um maior número de vítimas.

Documentos relacionados