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A natureza do processo pedagógico e o trabalho como princípio educativo

4. Abordagem teórica das práticas de coordenação pedagógica

4.1. A natureza do processo pedagógico e o trabalho como princípio educativo

Ao entendermos com Russo (2011) que a administração escolar deve estar assentada na especificidade do processo de produção pedagógico, por conseguinte, entendemos que a coordenação pedagógica como parte indissociável desta, também o deva estar para que a escola realize seu trabalho educativo com máxima eficiência e eficácia.

Assumimos em nosso referencial teórico-metodológico que a escola objetiva trabalho, mais especificamente, trabalho educativo como definido por Saviani (1991, p.21):

O trabalho educativo é o ato de produzir, direta e intencionalmente, em cada indivíduo singular, a humanidade que é produzida histórica e coletivamente pelo conjunto dos homens. Assim, o objeto da educação diz respeito, de um lado, à identificação dos elementos culturais que precisam ser assimilados pelos indivíduos da espécie humana para que eles se tornem humanos e, de outro lado e concomitantemente, à descoberta das formas mais adequadas de atingir esse objetivo.

Reconhecemos que existem várias críticas no âmbito da discussão acadêmica à concepção de que a escola realiza trabalho, de que o trabalho possa ser tomado como princípio educativo e ainda, críticas diretas a obra do professor Demerval Saviani11,

entretanto, a argumentação dialética do próprio Saviani12, coerente com seu posicionamento

marxista, nos são suficientes para adotar o trabalho como princípio educativo. O trecho abaixo é um tanto longo, porém bastante elucidativo e, de certo modo, até sintético se considerarmos a complexidade tanto do conceito quanto da polêmica em torno deste:

Tendo em vista que é o trabalho que define a essência humana, podemos considerar que está aí a referência ontológica para se compreender e reconhecer a educação como formação humana. O homem se constitui como homem, ou seja, se forma homem no e pelo trabalho. Esse processo de produção do homem, que coincide com seu processo de formação, vai se complexificando ao longo da história dando origem a diversas modalidades

11Ver: SÁ, N. P. O aprofundamento das relações capitalistas no interior da escola. Em: Cadernos de Pesquisa.

São Paulo: Fundação Carlos Chagas, Nº 57, 20-29, maio, 1986.; TUMOLO, P. S. O trabalho na forma social do capital e o trabalho como princípio educativo: uma articulação possível?. Educação e Sociedade, Campinas: CEDES, vol. 26, n.90, 2005.; LESSA, S. Trabalho e proletariado no capitalismo contemporâneo. São Paulo: Cortez, 2007.; TONET, I. Educação e revolução. Germinal: marxismo e educação em debate. Londrina, vol. 2, n. 2, 2010.; LAZARINI, A. Q. A relação entre capital e educação escolar na obra de Demerval Saviani: apontamentos críticos. Tese (Doutorado). Universidade Federal de Santa Catarina, Florianópolis, 2010.

12 Trata-se da argumentação feita por Saviani nos capítulos “Debates sobre educação, formação humana e ontologia a partir da questão do método dialético” e “História, trabalho e educação: comentário sobre as controvérsias internas ao campo marxista” publicados no livro: SAVIANI, D. e DUARTE, N. Pedagogia

de trabalho, entre as quais assume particular relevância a diferenciação entre trabalho manual e intelectual ou entre trabalho material e não material. Cada uma dessas duas grandes divisões, por sua vez, se diferencia internamente, daí decorrendo diversas modalidades específicas de trabalho. Eis por que se pode falar em trabalho rural ou agrícola, trabalho industrial ou fabril, trabalho comercial etc. E, igualmente, em trabalho musical, trabalho literário, trabalho político, trabalho parlamentar, trabalho administrativo e trabalho educativo ou trabalho pedagógico. Então educação também é trabalho. Mas [...] isso não significa [...] que se estaria simplesmente identificando trabalho e educação [...]. não chegamos à conclusão de que trabalho e educação são idênticos, mas que são antes elementos de uma totalidade, diferenciações no interior de uma unidade, concluindo com [Marx que] há reciprocidade de ação entre os diferentes momentos. O que acontece com qualquer totalidade orgânica. Estão aí, aplicadas por Marx explicitamente, as categorias dialéticas da totalidade, contradição e ação recíproca. (SAVIANI, 2012, p.132-3)

Quanto à natureza do processo pedagógico, Paro (1986) entende com Saviani que o trabalho docente é de natureza não-material, do tipo em que produto não se separa do processo de produção e amplia suas especificidades examinando o papel do educando no processo de produção pedagógico; o conceito de produto da educação escolar; e a natureza do saber envolvido no processo educativo escolar.

Ao examinar o papel do educando no processo de produção pedagógico, Paro (1986, p.141) conclui que “é próprio da atividade educativa o fato de que ela não pode realizar-se a não ser com a participação do educando. Esta participação se dá na medida em que o aluno entra no processo ao mesmo tempo como objeto e como sujeito da educação”. A presença do consumidor no ato de produção da atividade educativa escolar com a especificidade de que o educando não apenas está presente como também participa do processo, faz com que não seja possível que o trabalho docente se realize sem a participação do aluno como coprodutor no processo pedagógico.

Não se pode assumir que o produto do trabalho docente é a aula. Embora do ponto de vista da remuneração muitas vezes o trabalho docente seja considerado como sendo somente a aula, Paro (1986) demonstra que o produto efetivo do processo pedagógico escolar é “uma real transformação na personalidade viva do educando”, ou seja, a escola, mediante a ação do professor, do aluno e demais agentes envolvidos na atividade educativa, produz o “aluno educado” (p.144).

Entendida a educação como apropriação de um saber historicamente acumulado, e tendo-se a escola como uma das agências que provêem a educação, a consideração de seu produto não pode restringir-se ao ato de aprender. Neste ato o indivíduo apropria-se de um saber (conhecimentos,

atitudes, valores, habilidades, técnicas etc.) que é nele incorporado. [...] a própria necessidade de participação ativa do aluno como sujeito do processo só se faz presente porque a educação supõe uma modificação na natureza de seu objeto. É por isso que se considera que, se a educação realmente se efetivou, o aluno sai do processo diferente de como ele era quando aí entrou. [...] Partindo do aluno em determinado estágio de desenvolvimento pessoal, e mediante a ação desse mesmo aluno, do professor e das demais pessoas envolvidas na atividade educativa, a escola produz o ‘aluno educado’. Claro que esta expressão não pode se referir a uma educação completa do aluno [...] de qualquer forma, nessa educação (inacabada), há uma porção que foi realizada pela escola, e é aí que se encontra o produto de sua ação (p.144).

A constatação de Paro (1986) acerca do saber escolar revela que o conhecimento do professor entra no processo educativo também como matéria-prima. Na produção material em geral, o saber entra como instrumento de trabalho (em educação como saber instrumental de métodos e técnicas), porém, no processo de produção pedagógico entra ainda um outro tipo saber que se comporta mais como matéria-prima na produção pois incorpora-se, ainda que em partes, no produto. Este é “um dos elementos que fazem a especificidade do processo pedagógico: o saber não se apresenta nesse processo apenas como algo que possa ser separado dele, como concepção; ele se apresenta também como objeto de trabalho e, como tal, é inalienável do ato de produção” (PARO, 1986, p.148).

Outro conceito importante que requer nosso posicionamento é o trabalho como princípio educativo. Desde os anos 1990, o trabalho como princípio educativo tem figurado em documentos norteadores da educação em diferentes acepções13.

Entendemos o trabalho como princípio educativo na dimensão ontológica do trabalho, ou seja, trabalho como forma de produzir a humanidade nos indivíduos. Como aponta Duarte (2012, p.52), trata-se de tomar o trabalho como referência para a formação do indivíduo como membro do gênero humano o que se estabelece “como um dos valores fundamentais da educação e do desenvolvimento do indivíduo para além dos limites impostos pela divisão social do trabalho”.