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A natureza qualitativa e o enfoque histórico-cultural da pesquisa

1- INTRODUÇÃO

3.1. A natureza qualitativa e o enfoque histórico-cultural da pesquisa

Para continuar a tessitura da presente pesquisa e seu delineamento metodológico, inspirada pela mitologia grega, recorro ao ―fio de Ariadne‖ como forma de enfrentar os labirintos que compõem a produção do conhecimento nas ciências humanas, trabalhando interativamente com professoras e crianças no contexto da Educação Infantil, em suas singularidades e múltiplas linguagens. Utilizo o fio e sua metáfora, não apenas como forma de atravessar, como também de recompor e partilhar as trilhas que perpassaram a construção da tese.

Conta da tradição mitológica que Ariadne era filha de Minos, rei de Creta, que vencera os atenienses depois de uma dura batalha e deles exigia a vida de vários jovens como tributo para alimentar Minotauro, uma fera, misto de homem e touro, que ficava em um sinuoso labirinto construído por Minos. Teseu, jovem por quem Ariadne se apaixonou, num ato de coragem e amor, decidiu lutar contra o Minotauro, contando com um importante recurso para demarcar seu caminho de luta e transformação: o ―fio de Ariadne‖.

Ao longo de seu percurso, Teseu distribuiu um novelo de linha que havia ganhado de sua amada, recurso que, após vencer a fera mitológica, o auxiliou a atravessar o labirinto de volta para celebrar a libertação de seu povo. Nesse enredo, o jovem não se casa com a princesa Ariadne que, após inúmeras histórias de aventura, é desposada pelo deus do mar, Poseidon. Na ocasião, ela é presenteada com uma coroa luminosa que se transforma na constelação celeste, reforçando a representação de Ariadne, seus recursos e astúcias, como um símbolo de luz e caminho, a artífice de um cordão capaz de atravessar a composição e as trilhas de inúmeros labirintos e suas metáforas.

Considero importante contextualizar que (re)conto a tradição mitológica não apenas para ilustrar a tese, mas para demarcar o quão instigante, contraditório e desafiador é compor, de forma articulada, a contribuição dos diferentes sujeitos, contextos, etapas e estratégias de pesquisas adotados em campo a partir de uma linha narrativa. De modo que, opto por organizar este capítulo, apresentando inicialmente a natureza qualitativa e o enfoque histórico-cultural e colaborativo da pesquisa,

caracterizando sua singularidade no contexto da Educação Infantil e os elementos que envolvem a escolha do locus e dos sujeitos que a constituem. Sistematizo também as principais etapas e estratégias de estudo adotadas em campo, destacando suas produções na busca de ir além da descrição técnica de instrumentais e ―dados‖ de pesquisa, tal como aponta Minayo (1996) ao destacar a singularidade da pesquisa qualitativa que opera com:

[...] o universo de significados, motivos, aspirações, crenças, valores e atitudes, que correspondem a um espaço mais profundo das relações, dos processos e dos fenômenos que não podem ser reduzidos à operacionalização de variáveis. (MINAYO, 1994, p. 21)

De acordo com Rey (2005), a pesquisa qualitativa se caracteriza por articular os contextos singulares e, simultaneamente, os coletivos que constituem os sujeitos e os processos sociais em estudo. Tal enfoque contribui para que a investigação opere na produção do conhecimento tendo por base a complexidade humana. No caso do presente estudo, a natureza qualitativa, histórico-cultural e colaborativa da pesquisa, contribui para a compreensão as relações intersubjetivas e semióticas das práticas em análise, favorecendo, ao longo de seu desenvolvimento, a realização de processos de reflexão compartilhada com os sujeitos que a constituem.

Ao delinear os referenciais teórico-metodológicos, que constituem e fundamentam o presente estudo na construção do capítulo metodológico, destaco sua importância na composição da tese, sendo responsáveis pela apresentação do ―coração‖ da pesquisa, conferindo um caráter dinâmico e central na tese por integrar e retroalimentar todos os outros capítulos, especialmente o próximo, em que radicam as análises e os elementos inéditos e fecundos do estudo construídos em campo.

Para compreender e fomentar o desenvolvimento de pesquisas ao longo dos últimos anos, me ancoro, nas reflexões de Minayo (1994) ao descrevê-las como ―um labor artesanal‖ criativo, inquieto, provisório, fruto e produto de potentes interrogações. Na obra de Spink (2000), encontrei ressonância da concepção de metodologia que adoto na composição da tese ao aproximar a produção científica das práticas artísticas e cotidianas, destacando que o rigor científico que a orienta consiste em ser capaz de, assim como Tseu, recompor e partilhar sua trajetória e contribuição. Tal postura é de extrema importância no contexto da Educação Infantil, devido às marcas históricas da área e seus desafios de pesquisa e intervenção (ARCE, 2004) e, principalmente, por criar forças na crescente valorização do papel e da qualidade das práticas culturais, bem como das interações sociais no desenvolvimento e promoção da formação das crianças,

famílias e profissionais que a constituem. (CAMPOS, FULGRAFF e WIGGERS, 2006).

O enfoque histórico-cultural (WERTSCH, 1998; FREITAS, 2003) e colaborativo (NININ, 2006; LOIOLA, 2004; IBIAPINA, 2008) de pesquisa foi escolhido por valorizar a compreensão das singularidades constitutivas dos sujeitos e dos processos de formação em que os mesmos se inserem em conexão dialética com o contexto social que os instituem, privilegiando a promoção e a análise das interações sociais na construção das diferentes etapas e estratégias de pesquisa. De acordo com as autoras citadas, os estudos de enfoque colaborativo se caracterizam pela integração de saberes, experiências e práticas, na análise crítica e reflexiva dos processos educativos. Perspectiva deveras relevante para o contexto das pesquisas no campo da Educação Infantil em que, embora crescentes, ainda são escassas as produções que realmente ouvem as crianças (CRUZ, 2008) e que trabalham colaborativamente com seus professores (LOILA, 2004; BERALDO e CAVALHO, 2006).

Para a composição das estratégias de pesquisa adotas na tese, diante do contexto apresentado, encontro ressonância nas produções de Rossetti-Ferreira, Amorim e Oliveira (2009) ao registrarem a relevância e os avanços teórico-metodológicos e ético- políticos das pesquisas, com enfoque histórico-cultural, que privilegiam as interações sociais no contexto da Educação Infantil brasileira, como é o caso do presente estudo. As autoras destacam que, a partir de 1980, as interações sociais, inclusive as desenvolvidas entre crianças bem pequenas e seus pares, passaram a ser compreendidas como contexto intersubjetivo de produção de conhecimento, trocas de saberes e experiências, bem como de regulação do comportamento humano, considerando os potenciais e as características dos processos de mediação semiótica.

Ao utilizar o referencial histórico-cultural para a fundamentação teórica e metodológica da pesquisa, destaco a importância de compreender as implicações ético- políticas e epistemológicas do materialismo histórico-dialético como um elemento que atravessa e alicerça as leituras e produções de campo.

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