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A noção de sistema jurídico: o sistema de direito positivo e o sistema da

1 O CONTEXTO, O PRETEXTO E O TEXTO

1.2 O pretexto: o debate contemporâneo em torno dos direitos fundamentais

1.2.3 A noção de sistema jurídico: o sistema de direito positivo e o sistema da

Cabe ainda mais uma observação importantíssima para uma adequada abordagem do fenômeno jurídico. Trata-se aqui da noção de sistema jurídico, que importa necessariamente na distinção entre sistema de direito positivo e sistema da ciência do Direito.

É comum a referência por parte dos manuais de disciplinas jurídicas a entidade denominada de sistema jurídico. Tão comum quanto esta maciça referência é a ausência de indicação quanto às bases científicas que autorizam a adoção da noção de sistema pela Jurisprudência, o que faz com que a existência do sistema jurídico pareça tratar-se de mais um, dentre os diversos dogmas inexplicáveis da dogmática jurídica. Daí a necessidade de uma breve e superficial investigação sobre o tema.

Não há como tratar da noção de sistema, sem tocar, ainda que superficialmente, na teoria de Claus-Wilhelm Canaris (1996), que, defendendo a idéia de que o sistema jurídico traduz uma ordem axiológica e teleológica, esclarece que o termo “teleológico” não é por ele utilizado no sentido estrito de correlação entre meios e fins, mas sim num sentido mais amplo

de “cada realização de escopos e valores, portanto, num sentido em que a jurisprudência das valorações é equiparada à jurisprudência teleológica” (CANARIS, 1996, p. 67).

Mais adiante o autor alerta então para o fato de que se não fosse a necessidade de se considerar o fundo material do sistema, não haveria razão para a dicotomia apresentada. E assim afirma:

um sistema não representa mais do que a tentativa de captar e traduzir a unidade e a ordenação de um determinado âmbito material com meios racionais: a recusa da possibilidade de um sistema não lógico-formal equivale, assim, à afirmação de que a lógica formal representa o único meio possível para esse fim. Uma tal restrição no âmbito em que sejam possíveis o pensamento e a argumentação racionais deve justamente ser rejeitada, como inadmissível, pelo jurista; porque as dificuldades próprias do pensamento jurídico não se deixam transpor com os meios da lógica formal, adviria, daí, uma sentença de morte não só para a jurisprudência como Ciência, mas também, em geral, para cada tentativa de entender a aplicação do Direito como um problema racionalmente conduzido. (CANARIS, 1996, p. 69/70).

Se o sistema é compreendido enquanto a tentativa de captação racional da adequação de conexões de valorações jurídicas, restringir o sistema ao seu aspecto meramente formal tornaria impossível e desnecessária a apreensão proposta. É com base nisso que afirma que é possível a demonstração racional do pensamento teleológico, o que induz a constatação de um sistema que corresponda a esta percepção. Isto seria, em relação ao princípio da isonomia, “condição de possibilidade de qualquer pensamento jurídico e, em especial, pressuposto de um cumprimento racionalmente orientado e racionalmente demonstrável” (CANARIS, 1996, p. 74).

O autor alemão destaca ainda que a noção de adequação valorativa não equivale à de justeza material, esta adequação valorativa é formal, mas não reduzida à idéia de lógico- formal. Ela quer expressar que:

uma vez legislado um valor (primário), pensar todas as suas conseqüências até o fim (discordo dessa possibilidade, ante a inexauribilidade semântica do direito), transpô- lo para casos comparáveis, solucionar contradições com outros valores já legislados e evitar contradições derivadas do aparecimento de novos valores. Garantir a adequação formal é, em conseqüência também a tarefa do sistema teleológico, em total consonância com a sua justificação a partir do princípio formal da igualdade (CANARIS, 1996, p. 75/76).

Buscando a construção de uma noção que seja mais acessível, e que tenha raízes mais claras na Teoria Geral do Direito, propõe-se que a investigação da noção em epígrafe (sistema jurídico) tenha início pela literalidade da expressão.

Invertendo a ordem da locução, e sem querer aqui adentrar em toda a imensidão da problemática da semântica do termo, tem-se que o vocábulo “jurídico” adjetiva tudo o quanto tenha importância para a fenomenologia do direito, ou, como preferem alguns, tudo o que pertença ao universo das coisas do direito. Por seu turno, e para o que importa a construção da noção de sistema jurídico, sistema pressupõe uma unidade ordenada de elementos, de tal sorte que as partes integrantes do todo convivem perenemente em função de forças aglutinantes formando uma estrutura homoestática.

Esta homoestase sistêmica é possível na medida em que o sistema é autoregulativo, i.e., é dotado de condições de calibrar suas incongruências por meio do processamento de informações recebidas a partir do macroambiente no qual está inserido, o que, por seu turno, torna necessária a autopoiese deste mesmo sistema, é dizer, traz a indispensabilidade de o próprio sistema criar suas regras de renovação estrutural. Referindo- se à noção fundamental de sistema, Paulo de Barros de Carvalho (2005, p. 132) aduz:

Surpreendido no seu significado de base, o sistema aparece como o objeto formado de porções que se vinculam debaixo de um princípio unitário ou como a composição de partes orientadas por um vetor comum. Onde houver um conjunto de elementos relacionados entre si e aglutinados perante uma referência determinada, teremos a noção fundamental de sistema.

Prosseguindo no enfrentamento da noção de sistema, o professor paulista classifica os sistemas em reais e proposicionais (2005, p. 134 e ss.). Os primeiros, os sistemas reais, seriam compostos por objetos do mundo físico e social, i.e., no mundo sensível e, portanto, perceptíveis pela experiência, pelos sentidos humanos; enquanto que um sistema proposicional corresponderia a um sistema de proposições de linguagem.

Estes sistemas proposicionais seriam subdivididos em sistemas nomológicos e nomoempíricos. Os sistemas nomológicos têm como partes, elementos puramente ideais, enquanto que os sistemas nomoempíricos têm composição com elementos que têm interface com a realidade. Os sistemas nomoempíricos por seu turno subdividir-se-iam em descritivos e prescritivos. No âmbito dos sistemas puramente descritivos incluir-se-iam os sistemas de enunciados científicos, e no âmbito dos sistemas prescritivos, os sistemas de direcionamento de condutas sociais.

Assim, com arrimo na acurada exposição acima mencionada, há que se ter a cautela de considerar que ao enfrentar a temática do sistema, há de se definir de antemão, se está sendo enfrentado o sistema nomoempírico descritivo ou o sistema nomoempírico

prescritivo do direito, pois, num e noutro casos as metodologias podem ser diametralmente opostas. Veja as considerações do mestre paulista:

O direito positivo é um sistema nomoempírico prescritivo, onde a racionalidade do homem é empregada com objetivos diretivos e vazada em linguagem técnica. A ciência que o descreve, todavia, mostra-se também um sistema nomoempírico, mas teorético ou declarativo, vertido em linguagem que se propõe ser eminentemente científica (CARVALHO, 2005, p. 137).

Do exposto tem-se que o sistema jurídico do direito positivo é o conjunto, perene e equilibrado, denotativo de unidade ordenada, composto por enunciados prescritivos – repertório – e pelas relações entre estes enunciados denominadas – estrutura – (FERRAZ JÚNIOR, 2003, p. 249 e ss.); sendo que o processo de produção e reprodução dos elementos sistêmicos, a unidade, a ordenação e a homoestase sistêmica são estabelecidas por auto- regulação, e é neste sistema que estão alocados os enunciados prescritivos veiculadores dos direitos fundamentais.