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1. A organização física e intelectual

3.1. A normalização na descrição arquivística

O processo de elaboração de normas internacionais, até serem editadas em definitivo pela autoridade normalizadora internacional, é bastante complexo, sendo, na maior parte dos casos, mais fácil concretizar o resultado das normas na prática. Para Núñez Fernández, «uma norma que não se aplica não é uma norma ou é uma norma que não serve para nada121». Uma norma deve, assim, ser internacional e aplicável aos casos concretos donde adveio a sua necessidade, por pessoas que precisem dela nas suas actividades122. No entanto, deve ser orientadora e não obrigatória.

A ISO – International Organization for Standardization – estabelece oito objectivos básicos das normas: simplificação dos processos; admissão dentro das mesmas de margens de tolerância; constante comunicação de dados; economia de meios; segurança e fiabilidade de produtos e serviços; interesse dos consumidores e utilizadores; interesse social em geral; eliminação de barreiras conceptuais; e procedimentos que a nível internacional impedem a comunicação123.

Em 1988, o Conselho Internacional de Arquivos iniciou o desenvolvimento de estudos124, cujo objectivo se centrava na normalização da descrição arquivística125. Na sequência destes estudos, estabeleceu-se um conjunto de vantagens para a normalização da descrição: o acesso; a gestão de arquivos e o intercâmbio de informações entre os arquivos; vantagens económicas, devido à utilização eficaz dos recursos humanos e financeiros; simplificação para os arquivistas que assim podem definir as suas exigências em relação aos sistemas automatizados; importância no desenvolvimento e na gestão da formação profissional; e favorecimento para uma melhoria da profissão126.

Deste desenvolvimento de estudos resultou, em 1993, a primeira versão da norma ISAD(G), Norma geral internacional de descrição arquivística, desenvolvida

121 NÚÑEZ FERNÁNDEZ, Eduardo – op. cit., p. 67. 122 Idem – Ibidem, p. 67.

123 International Organization for Standardization – http://www.iso.org/iso/home.htm

124 No marco das actividades de preparação do XII Congresso Internacional de Arquivos, celebrado em

Montreal, em 1992, os arquivos nacionais do Canadá patrocinaram, com o Conselho Internacional de Arquivos, a organização de uma reunião de especialistas sobre normas de descrição em Ottawa, durante o mês de Outubro de 1988. A reunião teve como objectivo principal fixar as bases gerais da metodologia de trabalho que deveria ser seguida para conseguir a redacção das normas internacionais de descrição. BONAL ZAZO, José Luis – op. cit., p. 118.

125 Há determinadas questões básicas que se colocam na normalização dos arquivos: a necessidade de

haver uma autoridade que emita as normas e as ponha em marcha, homologada pelos organismos internacionais de normalização e reconhecida internacionalmente. NÚÑEZ FERNÁNDEZ, Eduardo – op.

cit., p. 85.

pela Comissão Ad Hoc127. A segunda edição, resultado de um processo de revisão anunciado no prefácio da edição de 1994, foi concluída na terceira reunião plenária do Comité de Normas de Descrição, criado em 1996, no Congresso Internacional de Arquivos realizado em Pequim (China), e publicada, apresentada e aprovada no XIV Congresso Internacional de Arquivos, decorrido em Sevilha, em Setembro de 2000.

A ISAD(G) é o resultado dos primeiros esforços da normalização arquivística, particularmente da descrição, a nível internacional. A existência, por um lado, de diferentes normas nacionais128, como a norte-americana APPM2, adaptação da AACR2,

Anglo-American Cataloguing Rules, a canadiana RAD, Rules of Archival Description, versão modificada da AACR2, e a britânica MAD, Manual of Archival Description, elaborada em 1986, com uma segunda versão em 1989, e, por outro lado, a ausência na maior parte dos países, causava uma acentuada disparidade entre os modelos de descrição arquivística. Deste modo, o desenvolvimento dos manuais de descrição britânico e norte-americano e o início de actividades normalizadoras no Canadá impulsionaram o processo de normalização internacional.

Na verdade, a principal dificuldade centrava-se na unificação das diferentes tradições dos diversos países, cuja metodologia, instrumentos de descrição e terminologia acentuava essas diferenças.

127 Em Dezembro de 1989, houve, em Paris, uma reunião consultiva, para planificar as actividades

precisas que se deviam desenvolver na elaboração das normas. A comissão Ad Hoc Comission on

Descriptive Standards foi constituída na reunião em Wroclaw, Polónia, em Setembro de 1990, mas a sua primeira reunião sobre as normas de descrição foi feita em Hörhr-Grenzhausen, ainda em 1990, onde se estabeleceu um marco teórico geral para iniciar a redacção das normas e constituir o grupo de trabalho. Nesta reunião estabeleceu-se também a primeira Declaração de princípios relativos à descrição

arquivística – fundamento teórico para a elaboração da norma, apresentada pelo canadiano Hugo Stibbe. A declaração estabelecia a necessidade de assegurar a criação de descrições apropriadas, que se expliquem em si mesmas; facilitar a recuperação e o intercâmbio da informação sobre o material arquivístico; permitir o intercâmbio de dados de cabeçalhos autorizados; e tornar possível a integração de descrições de diferentes depósitos num sistema unificado de informação. Em 1992, na reunião em Madrid a comissão Ad Hoc reuniu-se pela 2.ª vez e aprovou a versão definitiva da declaração de princípios. A discussão sobre a normalização da descrição continuou ainda no 12.º Congresso Internacional de Arquivos, celebrado em 1992 em Montreal, e só em 1993, na reunião de Estocolmo, saiu a primeira versão definitiva da obra. Idem – Ibidem, p. 122-129.

128 As primeiras normas de descrição internacionais iniciaram-se nos Estados Unidos – impulsionadores

da normalização da descrição – no início dos anos 80, quando Steve Hensen adaptou vários capítulos da 2.ª edição das Regras de Catalogação Angloamericanas para a descrição dos documentos de arquivo. Em 1986, Michael Cook publicou na Grã-Bretanha um manual de descrição com as mesmas características, ainda que com um conteúdo mais detalhado: Manual of Archival Description. No final da década de 80, os arquivos canadianos publicaram a 3.ª norma de carácter nacional: Règles pour la description dês

documents d ‘ Archives. Idem – Ibidem, p. 22-23.

Em Portugal, foi criada no ano de 1986 por Ana Franqueira, Madalena Garcia e Rafael António a parametrização ARQBASE, que também era uma metodologia de descrição arquivística. ANTÓNIO, Júlio Rafael e SILVA, Carlos Guardado da – op. cit., p. 8.

A norma ISAAR(CPF), Norma internacional de registo de autoridade

arquivística para pessoas colectivas, pessoas singulares e famílias, é um complemento da ISAD(G). Devido à importância dos pontos de acesso como recuperadores da informação, o Conselho Internacional de Arquivos elaborou esta norma de controlo de autoridade, entre 1993 e 1995, sendo a primeira edição publicada em 1996. Em 2004, saiu uma nova versão mais alargada e reestruturada.

Entretanto, o desenvolvimento de normas internacionais de descrição arquivística tem continuado. Em Maio de 2007, saiu a ISDF, Norma internacional para

a descrição de funções e, em Março de 2008, foi publicada a ISDIAH, Norma

internacional para descrever instituições que custodiam fundos de arquivo. Estas normas visam, assim, a complementaridade das descrições de documentos em conformidade com a ISAD(G) e a ISAAR(CPF), de forma a permitir a construção de sistemas flexíveis de descrição arquivística.

O aparecimento das normas internacionais trouxe novas exigências para os profissionais de arquivo, criando, no entanto, condições propícias ao desenvolvimento da Arquivística em geral. Obrigou os profissionais de arquivo a repensarem e reformularem a sua forma de trabalhar, o que implicou a necessidade de reflexão e de autocrítica nas escolhas e opções tomadas. Deste modo, foi-se perdendo a ideia generalizada de que o documento de arquivo, contrariamente ao de biblioteca, não podia ser normalizado no tratamento e na descrição129.

A normalização permitiu assim a troca e partilha de informação, não só a nível nacional, mas internacional, cuja ausência contribuía «inexoravelmente, para o isolamento130». Efectivamente, «hoje, são poucas as vozes que se erguem contra o tantas vezes apelidado “espartilho redutor da normalização”131».

A ISAD(G) e a ISAAR(CPF) foram importantes para esta tomada de consciência. Além de, até agora, terem sido criadas mais duas normas internacionais de descrição,

ISDF e ISDIAH, serviram, ao mesmo tempo, de referência à reflexão e desenvolvimento de normas nacionais. As normas internacionais devem ser conjugadas com as normas nacionais existentes, ou servir de base ao seu desenvolvimento, com o objectivo de potenciar o trabalho de descrição e a posterior recuperação da informação.

129 DIRECÇÃO GERAL DE ARQUIVOS. Programa de Normalização da Descrição em Arquivo. Grupo

de Trabalho de Normalização da Descrição em Arquivo – op. cit., p. 15.

130 Idem – Ibidem, p. 15. 131 Idem – Ibidem, p. 15.

Em Portugal, foram criadas as Orientações para a descrição arquivística –

ODA132– desenvolvidas pelo Grupo de Trabalho para a Normalização da Descrição em Arquivo (GTNDA) e pelo Programa para a Normalização da Descrição em Arquivo (PNDA), cuja primeira versão foi concluída em 2006. Estando já na terceira versão, têm como objectivo normalizar os procedimentos de arquivo, bem como «dotar a comunidade arquivística portuguesa de um instrumento de trabalho conforme às normas de descrição internacionais133».

Há que, no entanto, ter em conta que a ODA não se trata de uma norma, mas de «um conjunto de directrizes que os profissionais dos arquivos deverão seguir, embora nada os obrigue a tal134». Deste modo, cabe a cada arquivo decidir e escolher a opção que mais se adequa ao seu objectivo. Todavia, importa referir que estas Orientações foram desenvolvidas para a descrição de documentação de conservação definitiva e não contemplam documentação com características específicas, como documentos electrónicos ou audiovisuais135.

Além do desenvolvimento da ODA, tem havido outros esforços no âmbito da normalização da descrição em Portugal. No segundo semestre de 2006, o PNDA iniciou a normalização de registos de autoridade arquivística, estabelecendo, também, a sua ligação à descrição da documentação a que dizem respeito. O seu resultado é já visível na Torre do Tombo e nos Arquivos Distritais, utilizadores da mesma base de dados de descrição arquivística: CALM – Collection management for Archive Libraries &

Museums136.

Além disso, o Arquivo Distrital do Porto tem desenvolvido descrições de produtores de documentação de arquivo, disponibilizadas aos utilizadores e arquivistas através da base de dados DIGITARQ. Por outro lado, procedeu-se à criação de uma base de dados de autoridades de lugares: Codificação dos nomes dos municípios e das

freguesias, desenvolvida, também, pelo PNDA, mais propriamente por Joana Braga de Sousa, suportada pela base de dados CALM. Lucília Runa iniciou, em 2006, um trabalho semelhante para as entidades produtoras de documentação de arquivo,

132 Idem – Ibidem.

133 RUNA, Lucília – Orientações para a descrição arquivística: normalizar para partilhar e recuperar [Em

linha]. [Consult. 29 Jan. 2009]. Disponível na WWW: <URL: http://www.apbad.pt/Downloads/congresso9/COM98.pdf>.

134 ANTÓNIO, Júlio Rafael e SILVA, Carlos Guardado da – op. cit., p. 45. 135 RUNA, Lucília – op. cit..

contemplando o Código de referência, as Formas autorizadas do nome e Outras formas

do nome137.