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3. CAPÍTULO III O ESTADO REGULADORE AS POLÍTICAS

3.1. A NOVA CONFIGURAÇÃO DO ESTADO E O ENSINO MÉDIO

As mudanças ocorridas ao longo do século XXI na busca da modernização, tanto nos países desenvolvidos, quanto nos em desenvolvimento, emergem da ideologia que sustenta o sistema capitalista. Associado ao desenvolvimento econômico, o campo educacional vem enfrentando várias transformações nas estratégias de gerenciamento e financiamento do sistema escolar, afetando profundamente a concepção do Ensino Médio através de políticas de regulação dos sistemas escolares.

O papel do Estado passa por grandes transformações, o que acaba por produzir a centralização do controle dos sistemas educacionais e a descentralização das responsabilidades pelas restrições dos insucessos do percurso de ensino-aprendizagem (AFONSO, 2010). O Estado deixa de ser provedor, rompendo com os ideais de Estado de bem-estar social, passando a ser regulador, propagando os princípios de Estado Neoliberal, diminuindo o investimento nas políticas sociais (AFONSO, 2010).

Nesse contexto, a Educação passa a ser regida por instrumentos de um quase mercado educacional, diminuindo as fronteiras do setor público e do setor privado

(AFONSO, 2010 apud ROSTIROLA; SCHNEIDER, 2014, p. 12), instaurando a mercantilização do ensino, onde a lógica de mercado é o que direciona o setor público, dando ênfase ao “controle de qualidade tendo como parâmetro o mercado” (PERONI, 2009, p. 286).

Desta forma, a partir dos anos 1990, há a introdução do que se pode chamar de Estado Avaliador (AFONSO, 2013)15, onde “a avaliação constitui-se ela própria como uma política estatal, enquanto instrumento da ação dos Estados e governos”. Neste momento, de acordo com Peroni (2009, p. 286), o Estado passa a ter o papel de regulação e de controle de resultados, por vezes o de financiador, transferindo às instituições escolares a responsabilização pela execução e materialização das políticas educacionais. Desta forma, a educação passa a ser controlada por mecanismos de

accountability16 (AFONSO, 2009, 2013), realizados através de testes padronizados e publicizados em rankings escolares.

Deste modo, fortaleceu no campo educacional um sistema de descentralização, com a transferência de responsabilidade pelo processo e de autonomia para os atores da educação e para a escola, e centralização, por meio do controle através da prestação de contas (termos estes presentes nas orientações da UNESCO, como visto no capítulo 1).

Esta concepção de Estado é disseminada a partir dos discursos produzidos pelos organismos internacionais (AFONSO, 2013) através dos fóruns, convenções e congressos, como é o caso da UNESCO, com a publicação do Relatório Delors. De acordo com Afonso (2013, p. 273):

(...) no caso dos países periféricos e semiperiféricos no contexto mundial, há muito tempo as organizações internacionais, como a Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (UNESCO), o Banco Mundial e a OCDE, entre outras, interferem (direta ou indiretamente) nas agendas educativas nacionais, nomeadamente ajudando a legitimá-las ou disponibilizando-lhes assistência técnica (...).

O mesmo autor acrescenta ainda que a partir dos anos 1990 passou-se a ter um maior protagonismo dos organismos internacionais (AFONSO, 2013, p. 274), passando o Estado Avaliador a inserir os efeitos externos (políticos, sociais, culturais e

15 A utilização da expressão Estado Avaliador tem início para chamar atenção para as mudanças ocorridas no ensino superior, passando a ser usada nos domínios do campo das políticas publicas e educativas (AFONSO, 2013, p. 271).

econômicos) nas políticas educativas, tecendo novas relações entre o nacional e o global.

Sobre o campo educacional, instaura-se, portanto, o interesse genuíno no aumento da escolaridade dos países periféricos e o controle da qualidade, mas visando os moldes do sistema capitalista neoliberal, assegurando as necessidades de qualificação para o trabalho e adaptação dos novos cidadãos no mercado mundial.

A partir deste contexto de introdução do novo papel do Estado, o EM passa ganhar centralidade no campo político. No início desse século, no Brasil, as políticas educacionais eram voltadas para o ensino fundamental.

Na segunda metade do século XXI, o EM vem ocupar “lugar de destaque no conjunto de reformas pelas quais vem passando o campo educacional brasileiro” (MITRULIS, 2002, p. 218). Logo, as políticas educacionais do país retiram esse nível de ensino do plano de fundo, com projetos direcionados a atender as novas demandas da “sociedade do conhecimento” (DE MARI, 2006), à modernização e ao desenvolvimento social e econômico. De acordo com Mitrulis (2002, p. 219):

Busca-se oferecer um novo tipo de formação no nível médio, diante das transformações nos modos de produção e de gestão do trabalho, decorrentes do desenvolvimento científico e tecnológico, com efetiva repercussão nas relações sociais e na esfera política e cultural da sociedade. (...) O ensino médio é chamado a contribuir para uma formação mais geral e equilibrada dos indivíduos, atentando para o desenvolvimento de competências sociais, cognitivas e afetivas, pautadas por valores de inclusão e protagonismo social, que os qualifiquem a participar de um projeto de modernização e democratização da sociedade.

Assim, o interesse de centralizar o EM nas políticas educacionais se deve ao consenso de grupos dominantes e dos discursos das organizações internacionais de que este nível de ensino deve se constituir como patamar mínimo de escolaridade exigida para sobrevivência na sociedade, como vimos no discurso produzido no Relatório Delors nos capítulos I e II.

Para Mitrulis (2002, p. 220) “poucas chances há para aqueles que apenas cursam o ensino fundamental. O ensino médio já constitui o patamar mínimo de escolaridade exigido para as atividades de „chão de fábrica‟”. Sendo assim, no âmbito político, a reformulação do EM passa a ser um desafio para o desenvolvimento social e econômico dos países, principalmente os que estão em desenvolvimento como o Brasil.

Logo, com pretensão de atender às novas configurações do Estado Avaliador, a Educação brasileira é submetida à política de avaliações sistêmicas e à introdução de indicadores educacionais como meio de mensurar a qualidade do ensino. Segundo Peroni (2009, p. 287), “a avaliação em larga escala é um dos principais pilares das políticas educacionais” deste período, que possui como parâmetro competências e habilidades exigidas na sociedade do conhecimento. Competências e habilidades que, como vimos anteriormente, são instituídas organicamente nas diretrizes das políticas de governo voltadas para o EM, como é o caso de Minas Gerais, numa tentativa de fazê-las enraizarem-se no chão das escolas.

No Brasil, tais avaliações, no que se refere ao EM, começaram a ocupar lugar no contexto das políticas educacionais a partir da implementação da Avaliação Nacional da Educação Básica – SAEB (1990), onde são avaliadas competências e habilidades em Matemática e Língua Portuguesa e, do Exame Nacional do Ensino Médio – ENEM (1998). Em 2007 foi implementado o Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (IDEB), em âmbito federal, o qual visa aferir a qualidade da Educação, a partir do fluxo escolar e de médias de desempenho nas avaliações. Além de inferir sobre a qualidade, o governo introduziu junto ao IDEB um apoio técnico e/ou financeiro aos municípios que apresentam desempenhos insuficientes, através da elaboração do Plano de Ações Articuladas – PAR17 (2007) (ABRANCHES e DEUS, 2012).

Contudo, esta nova reconfiguração do Estado produz na prática escolar de nível médio uma reformulação curricular e uma tentativa de inovação didática. Deste modo, direciona e insere nas políticas educacionais a necessidade de uma nova configuração para o EM, a qual contribua para a consolidação da nova configuração do Estado.

Esta reconfiguração perfaz sobre os atores da escola uma intensa pressão em relação à responsabilidade pelos resultados a serem alcançados. Além disso, junto a esta política de avaliação são introduzidos, do gabinete ao chão da escola, projetos e programas educacionais que não levam em conta as diferenças locais, estando destinados aos atores da educação a um suposto “fracasso”, produzindo nesses atores a descrença por qualquer que seja a política destinada à reformulação do EM.

17 O PAR foi criado no Governo de Luiz Inácio Lula da Silva com a função de ser um instrumento de apoio técnico e financeiro do Plano de Desenvolvimento da Educação (PDE). O PAR se constitui em um planejamento, elaborado com a participação de gestores e representantes de educadores locais, com a finalidade de promover ações que contribuam na melhoria da qualidade do ensino ofertado pelos municípios, mensurada através do IDEB (ABRANCHES e DEUS, 2012).

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