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Instrumento de “governance”

1.4 A OCDE e as políticas públicas de educação

1.4.2 A OCDE e a educação hoje

Antes de entrar na análise da influência da OCDE na construção das políticas públicas de educação nos Estados membros e designadamente em Portugal, valerá a pena sistematizar os aspetos essenciais do pensamento da organização na política educativa nos tempos atuais. Numa organização complexa, composta por muitos membros, programas diversos e intensa atividade de produção de ideias, torna-se difícil naturalmente fazer tal sistematização. Assim, usaremos como referência a publicação mais recente da OCDE sobre a sua própria perspetiva atual sobre a educação: Education Today 2013 – The OECD Perspective (2012), que constitui “uma framework para a gestão do conhecimento em educação integrando as evidências das análises realizadas e em curso” (p. 4) e que teve o seu início em 2009.

A publicação foca oito temas, que refletem as prioridades no trabalho mais recente da organização, enunciando diversas recomendações de política para cada um deles. As conclusões e recomendações de política sobre cada tema baseiam-se nos mais significativos e importantes trabalhos realizados pela organização no século XXI, como os relativos aos resultados do PISA, os diversos Education at a Glance, os diversos Education Policy Analysis e outros relatórios de caráter transversal como From Initial Education to Working Life (2000), Teachers Matter: Atracting, Developing and Retaining Effective Teachers (2005), Starting Strong II: Early Childhood Education and Care (2006), No More Failures: Ten Steps to Equity in Education (2007), Improving School Leadership: Policy and Practice (2008), Tertiary Education for the Knowledge Society (2008), The High Cost of Low Educational Performance (2010), Teaching Practices and Pedagogical Innovation: Evidence from Talis (2012) Better Skills, Better Jobs, Better Lives: A Strategic Approach to Skills Policies (2012), Starting Strong III: A Quality Toolbox for Early Childhood Education and Care (2012), Equity and Quality in Education (2012), entre muitos outros.

O primeiro tema do relatório é a Educação de Infância (Early Childood and Care). As principais conclusões da organização refletem um progresso significativo nas taxas de envolvimento na educação pré-escolar na maioria dos países que atingem já a média de 79% (83% nos países europeus) para os 4 anos de idade. Por outro lado, os resultados do PISA 2009 mostram que os jovens de 15 anos de idade que tiveram pelo menos um ano de educação pré-escolar obtiveram melhores resultados do que os que não tiveram, mesmo tendo em conta o estrato socioeconómico, atingindo essa diferença os 54 pontos na leitura. Também os

resultados do PISA mostram uma associação entre melhores performances dos alunos e maior duração da educação pré-escolar, baixos rácios alunos/professor e ainda mais elevada despesa por aluno.

As treze recomendações de política podem ser sintetizadas nas seguintes orientações (policy directions):

- Colocar o bem-estar, o desenvolvimento precoce e a aprendizagem no centro das abordagens na educação de infância;

- Dar autonomia, financiamento e apoio aos serviços de educação de infância tendo em conta a sua ligação à qualidade da prestação dos mesmos;

- Melhorar a qualificação, formação e condições de trabalho do pessoal ao serviço; - Envolver as famílias e as comunidades.

O tema seguinte respeita à Escola (Schooling – Investments, Organization and Learners). As principais conclusões da OCDE mostram que houve um maior investimento na escola primária e secundária (incluindo nos salários dos professores) nos países membros. Assim, só uma pequena minoria (menos de 10%) dos alunos não completa a escolaridade obrigatória e a despesa por aluno cresceu em quase todos os países desde 2000. Entre 2000 e 2010 também os salários dos professores tiveram melhorias reais na maioria dos países da organização, ainda que alguns tenham um modelo de contratação assente numa carreira profissional e outros tenham um modelo de recrutamento baseado no posto de trabalho e que, de acordo com o TALIS, as conceções de ensino dos professores tenham significativas diferenças, com um predomínio de uma abordagem mais construtivista no norte da Europa, Austrália e Coreia e uma abordagem mais transmissiva no sul da Europa e América do Sul. Por outro lado, o número de horas curriculares anuais não mostra qualquer associação com a performance académica, conforme os resultados do PISA e até, em muitos países, um número elevado de horas curriculares de matemática mostra-se associado a fracos resultados, contrariamente a um número moderado de aulas. Por sua vez, a liderança escolar continua a mostrar-se crucial na escola, através da criação de condições organizacionais e educacionais para a eficácia e a qualidade do ensino e da aprendizagem. Quanto aos computadores, praticamente todos os alunos estão hoje familiarizados com o seu uso, mas tal é mais comum em casa do que na escola e existe uma corelação entre a performance académica e o uso do computador em casa, mas não na escola. Alguns países persistem no recurso à repetência apesar dos custos quer para os indivíduos quer para o sistema. Em Portugal, Espanha, Bélgica e Holanda os custos diretos da repetência ultrapassam 8% da despesa total anual em educação. Por fim, nos países

da OCDE, a educação primária e secundária é maioritariamente assegurada por instituições públicas e em alguns países (como a Finlândia e a República Checa) não são mesmo permitidas instituições privadas.

Das vinte e oito recomendações, os autores destacam as três seguintes orientações no sumário executivo:

- Desenvolver competências para uma liderança escolar eficaz e torná-la uma função/profissão atrativa;

- Alargar a diferenciação profissional entre professores novos e experientes, melhorando a eficácia;

- Promover um maior uso dos computadores na escola e a investigação experimental sobre os respetivos efeitos.

No tema Transição para a Vida Ativa (Transitions beyond Initial Education) as primeiras conclusões referem a generalização da educação secundária, com taxas de escolarização de 87% para os 17 anos e de 73% para os 18 anos, com crescimentos médios, de 1995 a 2010, de 10% no grupo 15-19 (mais de 15% em Portugal, Irlanda, Polónia e México). Também a conclusão da educação secundária teve grande incremento, especialmente relevante nas mulheres, com taxas de conclusão, no tempo previsto, de 74%, para 66% nos homens. A expetativa para o futuro para os jovens adultos é a de completarem, em média, 7 anos de educação entre os 15 e os 29 anos, mas não da mesma forma em todos os países. Assim, há países que não misturam a educação com o emprego, enquanto noutros uma parte importante da educação é realizada em simultâneo com o emprego. Em geral, a formação vocacional e profissional tem sido negligenciada e, havendo um relativo equilíbrio entre o número de alunos na formação geral (54%) e na formação vocacional (46%), existem enormes diferenças entre países. Em 2010, um em cada jovem adulto (15-29 anos) não estava nem empregado nem em educação ou formação, mas a crise dos últimos anos tem vindo a incrementar este número. Das vinte e nove recomendações apresentadas, destacam-se as seguintes três orientações:

- Assegurar que a educação vocacional promove a combinação adequada de competências para o mercado de trabalho;

- Reformar os sistemas de orientação de forma a garantir a todos adequada orientação escolar e profissional;

Outro dos temas focados é a Aprendizagem ao Longo da Vida (Lifelong Learning and Adults). Nesta área, continua a verificar-se uma baixa participação dos adultos em ações formais ou informais de educação e formação ao longo da vida e só um em cada dezasseis adultos, de 30 a 39 anos, participa em ações formais de educação e cerca de um terço da população adulta (25-64 anos) participou em ações informais, apesar de uma grande parte dos adultos mostrarem baixos níveis de proficiência em competências básicas como literacia, numeracia, resolução de problemas e familiarização com as tecnologias da informação e comunicação e a investigação neurológica mostrar largos benefícios da aprendizagem em idades mais avançadas. Assim, as orientações de política enunciadas são as seguintes:

- Desenvolver políticas ao nível de sistema para uma efetiva educação dos adultos; - Assegurar um cofinanciamento adequado à educação de adultos;

- Promover um debate ativo sobre a natureza do ensino, aprendizagem e avaliação; - Assegurar os necessários recursos humanos, materiais e financeiros.

Quanto a Resultados, Benefícios e Retornos da Educação (Outcomes, Benefits and Returns) o relatório refere os resultados do PISA 2009 para especificar que, na maioria dos países, cerca de 10% dos alunos não ultrapassam o nível mais baixo de literacia em leitura e menos de metade alcançam o nível 3 e que todos os países, excetuando a Coreia, apresentam baixos resultados em literacia digital. Também somente 4,1% dos alunos apresenta resultados de nível 5 ou superior nas três áreas testadas (leitura, matemática e ciências). O relatório evidencia também que o investimento na educação de infância tem significativos retornos para o indivíduo e para a sociedade e que a conclusão do ensino secundário é um importante fator contra o risco de desemprego em quase todos os países. Também a relação entre o rendimento e o nível de educação atingido se mostra clara na maioria dos países, especialmente para o ensino superior. Para além disso, há uma relação entre educação e o bem-estar e progresso social expresso em diversos resultados sociais como melhoria da saúde, redução do crime e maior envolvimento cívico e social, devido, entre outros aspetos, aos efeitos na melhoria das capacidades cognitivas, sociais e emocionais e nas atitudes face ao estilo de vida e à cidadania ativa. Por isso, o reconhecimento de competências e aprendizagem formal e informal mostra, também, benefícios económicos, educacionais, sociais e psicológicos.

Como principais orientações de política, são apresentadas as seguintes:

- Promover a similaridade de resultados entre escolas;

- Clarificar os retornos da formação, melhorando a informação e removendo barreiras estruturais;

- Promover um envolvimento dos pais na educação dos filhos, desde o nascimento e de forma continuada.

No respeitante à Equidade e Igualdade de Oportunidades (Equity and Equality of Opportunity) o documento começa por afirmar que não há contradição entre equidade e eficiência em educação e que o investimento nas fases mais precoces melhora quer a equidade em educação quer a eficiência económica. Refere, igualmente, que os países com altos níveis de qualidade e de equidade promovem a heterogeneidade de estudantes e rejeitam estruturas de diferenciação prematura, alertando que a livre escolha da escola pode eventualmente estimular a qualidade, mas comporta sérios riscos para a equidade. O documento realça ainda que os resultados escolares são mais fracos nas escolas em que a maioria dos alunos provém de famílias desfavorecidas e que os imigrantes defrontam mais dificuldades do que os outros alunos, mas, na maioria dos 13 países (entre os quais Portugal) que mostraram melhorias significativas na leitura de 2000 para 2009, tais ganhos devem-se à melhoria do desempenho dos alunos mais fracos. Por fim, refere que o reconhecimento de aprendizagens formais e não- formais melhora a equidade e que os sistemas escolares mais bem-sucedidos asseguram a todos os estudantes, independentemente do seu background socioeconómico, iguais oportunidades de aprendizagem.

Do largo número de recomendações de política, ressaltam estas orientações: - Eliminar a repetência;

- Gerir a escolha de escola de forma a evitar a segregação e o aumento das desigualdades;

- Reforçar a aprendizagem da língua veicular para os imigrantes; - Apontar aos baixos resultados, para além do background.

O documento contém ainda recomendações relativas ao ensino superior (Higher Education) e à gestão do conhecimento e inovação (Innovation and Knowledge Management), destacando-se neste capítulo a recomendação relativa à necessidade de melhorar as ligações entre investigação, políticas e práticas.

Como conclusão, poderemos, pois, referir que a globalidade das recomendações mostra que a OCDE continua a seguir uma abordagem da educação e da formação como um processo

“ao longo da vida” e que o foco do seu trabalho nesse campo se situa atualmente nas competências dos alunos mas também dos professores e dos diretores, na qualidade dos contextos e dos resultados educativos e na relação destes com a vida ativa, na equidade dos sistemas escolares e da ação das escolas, na inovação dos processos e na gestão do conhecimento, no que constitui uma continuidade, ainda que ajustada e atualizada a novos problemas e desafios, das prioridades estabelecidas em fases anteriores da respetiva ação, passando da referência do “capital humano” à referência da “sociedade do conhecimento” (cf. Papadopoulos, 2011).