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A C OMISSÃO DE G ESTÃO DO P ROJETO – PAPÉIS E RESPONSABILIDADES

ESTRATÉGIA DE DESENVOLVIMENTO EM ÁREAS POBRES?

3.3 A C OMISSÃO DE G ESTÃO DO P ROJETO – PAPÉIS E RESPONSABILIDADES

Na sistematização dessa experiência foi possível observar que as definições de composição, dinâmica e responsabilidades da Comissão não foram estabelecidas previamente, mas definidas ao longo do processo, o que significa que, embora boa parte das organizações que a compuseram já atuasse há algum tempo com a proposta de coletivo para o desenvolvimento, a gestão compartilhada de um projeto, ou uma política propriamente dita ainda era uma coisa nova para todos.

Um fato que chama a atenção é que, embora a Prefeitura tenha concordado com a proposta e os parceiros a tenham defendido, quem mais se

beneficiou com essa dinâmica foram as lideranças da comunidade. As reuniões da Comissão possibilitaram a permanência de um espaço aberto para discutir os problemas com o apoio de sujeitos externos, a exemplo das ONGs e do representante da cooperação internacional e, sobretudo, com a presença da Prefeitura, ou seja, não é só a população. Ainda que tenha o apoio das ONGs, é necessário e indispensável a presença do Estado, para responder sobre suas indelegáveis responsabilidades e para discutir os caminhos possíveis e adequados ao desenvolvimento.

A partir dessa compreensão é possível afirmar que os principais interessados na efetivação da Comissão eram as lideranças da comunidade, por isso afirmam que “as reuniões da comissão eram mais puxadas pela comunidade

quando tinha problemas pra poder falar, mas nunca era puxada pela organização

que tava dentro, e nem pelo Programa Operação Trabalho” (Entrevista coordenação

Grupo Jovens Empreendedores).

A liderança faz questão de lembrar que os maiores demandantes pela dinâmica de reuniões da Comissão eram os representantes das organizações, e explica porque foram, muitas vezes, os responsáveis para que ela ganhasse vida, forçando uma dinâmica de encontros. No âmbito das responsabilidades de cada sujeito político membro da Comissão, cabia às lideranças comunitárias o acompanhamento da execução da obra em campo e, portanto, estavam mais próximos da dinâmica que uma ação de construção estabelece.

Quando o entrevistado reclama a falta de iniciativa para convocar reuniões da Comissão pela “organização que tava dentro” está se referindo ao Habitat e a equipe do Programa Operação Trabalho, por estar diretamente ligada a execução das ações. A liderança revela certa desconfiança sobre o interesse desses

dois órgãos (Habitat e Operação Trabalho) na efetivação desse espaço. Na realidade, essa foi uma posição que não se confirmou nos demais depoimentos, por certo, essa visão está associada ao comportamento de permanente vigilância desse representante nas ações advindas da prefeitura, pois os outros entrevistados valorizaram a disponibilidade de ambos para discutir com a comunidade os rumos do trabalho.

Diante disso, o depoimento só reforça a importância atribuída à Comissão pelas lideranças da comunidade, pois os problemas identificados no processo de acompanhamento eram tratados pelo coletivo em um ambiente de discussão e decisão que permitia maior nível de segurança das possibilidades e de respostas, com agilidade. Para o presidente do grupo de Capoeira, os processos decisórios foram efetivos - “tudo foi discutido, teve várias reuniões, com todo mundo do

grupo, as ONGs estavam sempre presentes, foi uma coisa bem mastigada, não teve

nada que viesse pronto”. (Entrevista Presidente Grupo Capoeiristas).

A melhor maneira de compreender os papéis e a relação que se estabeleceu entre esses diversos sujeitos, pode ser encontrada no documento elaborado pelas organizações que compunham a referida Comissão, chamado “Termo de Compromisso para a execução do projeto Centro de Apoio à Economia

Solidária e Popular Recife” (anexo), elaborado pelo coletivo de organizações. Isso se

fez necessário também quando foi visto que aquela configuração de grupo não estava com o caráter puramente reivindicativo como antes, mas como um coletivo de gestão com a responsabilidade de implementar o projeto em questão, ou seja, três80 campos de sujeitos políticos, embora tivessem o mesmo objetivo (construção

80

Os três campos de sujeitos aqui apontados incluem: Organizações locais, ONGs e prefeituras (do Recife e de Nantes/França.

da Central), estavam imbuídas de responsabilidades diferentes. (Relatório da Comissão 04/09/2006).

Além da dinâmica de gestão para a construção do Centro, o Termo de Compromisso versou também sobre a implementação do mesmo e a distribuição das responsabilidades de cada um dos sujeitos durante e após a construção. A elaboração do referido documento aconteceu numa oficina com a participação de todos os envolvidos e possibilitou que cada membro da Comissão respondesse sobre quais as responsabilidades que se comprometiam em assumir, bem como a construção de acordos sobre o que deveria ser assumido por todos.

Chama a atenção o fato de que os entrevistados pouco, ou quase nunca, citaram esse documento, contudo, a pessoa que se reporta aos compromissos que foram cumpridos e estão de acordo com o documento, ainda que não o tenha citado, foi um representante da comunidade.

Sobre responsabilidades destinadas às Organizações Locais versa o documento:

Compor a Comissão, participando ativamente das discussões e deliberações durante o processo de instalação do Centro; Conhecer, aprovar e acompanhar os critérios e processo de

seleção dos(as) alunos(as) do Programa Operação Trabalho;

Participar da capacitação para gestão participativa do Centro; Acompanhar o desenvolvimento das ações do Programa Operação

Trabalho; Repassar as informações sobre o Centro para toda a comunidade; Indicar as entidades comunitárias interessadas em

participar do processo de seleção para gestão da cozinha

comunitária; Fiscalizar o trabalho de construção do Centro;

Participar da gestão do Centro (50%). (Termo de Compromisso, p.4,

grifo nosso)

No citado parágrafo pode ser observada a visão sobre participação que inspirou a criação da Comissão. Logo no início, a afirmação de compor ativamente discutindo e deliberando, afirma o seu caráter deliberativo e a força desse coletivo, ou seja, não está aqui sendo proposto um espaço de socialização e consulta concedida pelo Estado para confirmação de interesses, mas um lugar de

participação direta, que coloca frente a frente organizações sociais populares e o Estado, para discutir e construir consensos. Isso não significa negar os conflitos inerentes a esses processos de participação e compartilhamento da gestão, mas significa que nele há uma responsabilidade, sobretudo do Estado, de encontrar os caminhos para adequação dos interesses da comunidade.

Há também nessas atribuições a afirmação do caráter fiscalizador quando a Comissão se organizou, também, para exercer o controle social sobre aquela ação pública na área. Para tanto, o acompanhamento da implantação, bem como a fiscalização da execução em campo foram afirmadas como responsabilidades das organizações locais, inclusive porque esse sujeito estava mais próximo fisicamente e era o principal interessado para que tudo saísse de acordo com o planejado. Este elemento nos remete à discussão apresentada por Gohn (2007), ao abordar o Conselho Gestor das Políticas como elementos de representação e participação e afirma: se forem efetivamente representativos, poderão imprimir um novo formato das políticas e tomadas de decisões.

Numa proporção bem menor, pois não está regulamentada por lei, a Comissão que foi legitimada pela dinâmica de organização da área e na relação com a Prefeitura e com outros parceiros, teve condições de imprimir um novo modelo de gestão do Programa e, consequentemente, do desenvolvimento naquela área.

Outro aspecto que vale destacar nessas atribuições conferidas às organizações locais é repassar as informações para toda a comunidade. Esse elemento reafirma que a composição desse coletivo não deveria ser de pessoas isoladas nos seus interesses, mas de lideranças que se percebam comprometidas com a multiplicação de informações, aprendizados e, sobretudo, que sejam representantes dos interesses coletivos. Para Gohn “Os entes principais que

compõem os processos participativos são ‘vistos como sujeitos sociais’, não se trata de indivíduos isolados, nem de indivíduos membro de classe social específica”.

(GOHN, 2007, p. 19). Esse é, sem dúvida, um grande desafio, que pode conferir legitimidade ou não a qualquer processo participativo.

3.4 PARTICIPAÇÃO E PODER DECISÓRIO NA GESTÃO COMPARTILHADA – O OLHAR DOS