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C ARANGUEJOS T ABAIARES – S UA INSERÇÃO NO CONTEXTO MUNICIPAL

CARANGUEJO TABAIARES

2.1 C ARANGUEJOS T ABAIARES – S UA INSERÇÃO NO CONTEXTO MUNICIPAL

No Recife e na respectiva região metropolitana25 o quadro de pobreza caracteriza-se por graves problemas ligados à infra-estrutura urbana (moradia, saneamento básico, equipamentos públicos). A ocupação desordenada do solo urbano e a existência de bolsões de pobreza remontam a um cenário de desigualdades sociais. Cerca de 900 mil pessoas, 27% da população total da RMR ocupam 701 áreas de pobreza (favelas)26, vivendo em precárias condições de habitação e total falta de dignidade humana, onde somente 7% das habitações estão ligadas à rede de esgotamento sanitário e mais de 20% das residências estão sem instalações sanitárias (FIDEM, 200127).

Segundo dados da pesquisa realizada pela Empresa de Urbanização do Recife - URB28 - existiam no Recife 421 áreas classificadas como pobres e miseráveis. A origem dessas ocupações encontra explicação histórica na expansão desordenada e excludente da cidade iniciada pro volta de 1910, com a expulsão do trabalhador rural do campo e o consequente aumento da população nas cidades e com o surgimento dos primeiros mocambos.29 (DIAGONAL 2004).

Contudo, essa realidade é problematizada em um ambiente de expressiva organização social e política que garante a manutenção da ocupação da cidade pelos mais pobres e reforça a disputa pelo solo urbano. A principal frente de organização do segmento popular é o Fórum de Reforma Urbana (FERU) seguido

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Os municípios da Região Metropolitana do Recife (RMR) são: Jaboatão dos Guararapes, Olinda, Paulista, Igarassu, Abreu e Lima, Camaragibe, Cabo de Santo Agostinho, São Lourenço da Mata, Araçoiaba, Ilha de Itamaracá, Ipojuca, Moreno, Itapissuma e Recife.

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Áreas urbanas da cidade do Recife definidas como assentamentos habitacionais, considerados de baixa renda, surgidos espontaneamente e carentes de infra-estrutura, localizadas principalmente nas áreas com maior nível de precariedade da cidade: alagados, encosta de morros, manguezais.

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Dados extraídos da Fundação de Desenvolvimento Municipal – FIDEM, da Secretaria de Planejamento e Gestão do Estado de PE

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Pesquisa realizada em conjunto com a Universidade Federal de PE, no período de 1998 a 2000, para atualização do cadastro de áreas pobres.

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Construções simples levantadas sobre aterros às margens dos rios que cortam a cidade, ou em suas proximidades.

da presença dos movimentos sociais nos canais institucionais, do Plano de Regularização Fundiária das Zonas Especiais de Interesse Social (PREZEIS), e Conselho de Desenvolvimento Urbano (CDU). Esse ambiente político faz do Recife uma das capitais do Brasil com maior explicitação das desigualdades de condições de moradia, já que em outras capitais a expansão do mercado imobiliário afastou para as periferias a população pobre.

O Fórum de Reforma Urbana de Pernambuco (FERU) foi criado na década de 1980 e é formado por representantes de movimentos de luta pela moradia e organizações da sociedade civil30 pernambucana. Debates, formulação de propostas relativas à política pública de desenvolvimento urbano e mobilização da sociedade em defesa da construção de cidades justas, democráticas e ambientalmente sustentáveis são atividades realizadas por membros e lideranças do Fórum. Os principais temas trabalhados pelo FERU são: habitação, solo urbano,

saneamento, transporte, meio ambiente e participação popular. (Projeto Direito à

Cidade, 2006)

O Plano de Regularização das Zonas Especiais de Interesse Social (PREZEIS)31, foi instituído por lei no Recife em 1987, com o objetivo principal de urbanização e regularização fundiária de Zonas Especiais de Interesse Social (ZEIS)32. O PREZEIS reconhece a prioridade do direito de moradia sobre o direito de

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Integram o FERU-PE os seguintes movimentos: Movimento Nacional de Luta pela Moradia - MNLM-PE; Movimento dos Trabalhadores Sem Teto - MTST-PE; Central de Movimentos Populares- CMP-PE; Organização e Luta dos Movimentos Populares - OLMP-PE; Movimento Terra, Trabalho e Liberdade - MTL-PE; Confederação Nacional das Associações de Moradores - CONAM-PE; Federação das Associações de Moradores de Igarassu - FEMECI; Federação de Associações de Moradores do Ibura-Jordão - FIJ-Recife; Articulação de Entidades Comunitárias da Caxangá - ARCCA-Recife; Segmento Popular do PREZEIS; Grupo Zumbis Capoeira; FASE/PE; ETAPAS; Centro Josué de Castro; CENDHEC; Serviço de Justiça e Paz; Centro Luiz Freire; Escola de Formação Quilombo dos Palmares; ECOS; Sindicato dos Urbanitários/CUT.

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Instituído pela lei do PREZEIS n.º 4.947/87, é resultado da ação de um conjunto de entidades e organizações da sociedade civil (protagonizado pela ONG Centro de Justiça e Paz), foi aprovada pelo legislativo em março de 1987. Esta lei se tornou referência nacional para a gestão municipal no campo dos programas de urbanização em comunidades de baixa renda nos grandes centros urbanos.

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As Zonas Especiais de Interesse Social (ZEIS) foram instituídas na Lei de uso e Ocupação do Solo (LUOS) do Recife em 1983 (Lei n0 14511/83). A LUOS reconheceu que 27 áreas de interesse social deveriam ter

propriedade e as características sócio-espaciais particulares das ocupações populares. Sua institucionalização compreende um Fórum para discussão e deliberação dos recursos do Fundo Municipal do Prezeis33, bem como a responsabilidade para cada um dos segmentos envolvidos no referido fórum: representantes de comunidades, Organizações não Governamentais – ONGS e o Poder Público (PREZEIS 1999).

O sistema de gestão do PREZEIS tem duas instâncias: as Comissões de

Urbanização e Legalização (COMUL)34 – responsáveis pela formulação,

coordenação, implementação e fiscalização dos planos de urbanização e regularização fundiária desenvolvidos em cada ZEIS; e pela Coordenação do Fórum

do PREZEIS 35, cuja principal função é acompanhar o trabalho de todas as

instâncias técnicas do sistema (urbanização, legalização e orçamento e finanças36; e dois Grupos de Trabalho, geração de trabalho e renda e meio-ambiente37), bem como acompanhar o processo eleitoral das COMULS.

Foi nesse contexto que as ONGS, assessoras do PREZEIS, de forma articulada aos temas defendidos por esses movimentos sociais de luta pela melhoria da infra-estrutura urbana e pelo direito à cidade, conceberam o projeto Desenvolvimento Econômico Local Integrado e Sustentável (DELIS), e a área

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Instituído em 1993, com a implantação da Lei n0 15.790/93 com recursos financeiros do orçamento

municipal para serem destinados às atividades de urbanização das áreas consideradas ZEIS. A coordenação do referido fundo é de responsabilidade do Fórum do PREZEIS (onde estão inseridos os três segmentos: ONGs, gestor público e segmento popular).

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São Comissões instituídas por ZEIS, com representantes populares eleitos diretamente pela comunidade para exercer um mandato por dois anos e se responsabilizar pela implementação do programa na ZEIS. São também as COMULS, através de seus representantes que compõem o Fórum do PREZEIS, em conjunto com as ONGs e a gestão pública, instituído pelo Decreto Municipal 14.539/88. O referido espaço tem como objetivo a articulação e deliberação dos atores que integram o PREZEIS.

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A coordenação do FORUM do PREZEIS é composta por três representantes do movimento popular eleitos pelos mesmos, um representante da prefeitura e um representante das ONGs.

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Urbanização – acompanha formulação de políticas e elaboração de projetos para intervenção urbanística nas ZEIS, bem como monitora os processos de urbanização e recomenda as prioridades em relação a obras para aplicação do Fundo do PREZEIS; Legalização - coordena a formulação de propostas para a regularização jurídico-fundiária e recomenda as prioridades quanto à regularização fundiária para a aplicação dos recursos do Fundo do PREZEIS; Orçamento e Finanças – monitora a execução orçamentária dos recursos dotados para o Fundo do PREZEIS.

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escolhida para implementação foi Caranguejo Tabaiares, cujas características refletiam a realidade acima destacada, e uma ação proposta dialogava fortemente com os temas debatidos nos espaços do PREZEIS e do FERU.

Para uma melhor compreensão da escolha dessa área para implementação do DELIS é importante discorrer um pouco sobre suas características, história, processo organizativo, bem como proporcionar uma visão sobre as manifestações de pobreza tão presentes na cidade do Recife.