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CAPÍTULO 4: O REFERENCIAL TEÓRICO-METODOLÓGICO

4.2 O Percurso Metodológico

4.2.4 A opção metodológica de análise das entrevistas

A análise do corpus das narrativas foi do tipo compreensiva, fundamentada na teoria da Análise Estrutural de Narração (Barthes et al., 1981; 2008; Greimas, 1981), retomadas por Demazière; Dubar (1997). Este tipo de análise

considera as entrevistas como um processo de reflexão do sujeito sobre os temas abordados, o que leva a uma reconstrução de seus próprios modos de interpretá-los. A análise estrutural dividiu-se em três etapas, seguindo a técnica proposta por Blanchet; Gotman (1992) e a base teórica de Demazière; Dubar (1997). Na primeira etapa foi feita a análise de cada entrevista separadamente. Esta etapa se iniciou pela leitura vertical da narrativa, quando se buscou o sentido global de cada entrevista. Nesse momento, palavras e temáticas que chamam a atenção foram marcadas, permitindo conhecer o “tom” da entrevista, os assuntos presentes e os pontos de vista de cada entrevistado, de forma preliminar durante a coleta, e posteriormente, com releituras para se ter mais clareza sobre o texto como um todo. Na segunda etapa, foi realizada a leitura horizontal, na qual o texto foi sequenciado, fazendo surgir os enunciados que explicitam o campo e as significações para a pessoa que fala em torno de cada objeto do discurso. Este trabalho correspondeu à „desconstrução‟ da entrevista, sendo que cada sequência (S) corresponde a um objeto da fala e é numerada de forma crescente pela ordem que aparecem na narrativa, sendo nomeadas provisoriamente. Além disso, em cada sequência foram identificados os fatos narrados, as justificativas, explicações e reflexões sobre os fatos, além dos personagens, pessoas ou grupos, que são apresentadas na narrativa como parte desses fatos ou reflexões. No segundo momento desta etapa, as sequências foram agrupadas de acordo com os assuntos abordados, quando se buscou encontrar, acompanhar e reproduzir o trabalho de categorização que o próprio entrevistado realiza, nomeando por frases ou substantivos este conjunto e fazendo a síntese do conteúdo. Esta etapa de reconstrução das entrevistas mostra as conjunções, disjunções e repetições sobre cada tema tratado porque o sujeito tem idas e vindas ao longo de sua narrativa, podendo haver sequências que estão distantes umas das outras no texto. Esta parte do trabalho resulta em uma categorização preliminar, com um título provisório escolhido pelo pesquisador, em torno do objeto central tratado pelas sequências reunidas. Como exemplo cita-se: Situações de violência sofrida, contendo as sequências (S3, S10, S14...). Essa reconstrução explicitou, assim, comportamentos, os modos de perceber, pensar sentir, expressar significados de cada participante,

em seus contextos de vida, desvelando, portanto, as representações e permitindo a elaboração de suas trajetória sexuais27.

Segundo Barthes (2001), a leitura horizontal se faz fundamental, uma vez que o sentido não está no fim da narrativa, ele a perpassa, o que propicia recuperar a complexidade das experiências dos entrevistados.

Como resultado final da análise vertical e horizontal de cada entrevista, foi construída a sua síntese, num processo de reconstrução pelo pesquisador que, ao redigi-la e organizá-la, apresenta sua interpretação do conjunto da fala/texto. Para isto, considerou-se a cronologia dos acontecimentos e seus desdobramentos, o que, segundo Marková (2006), permite desvelar a configuração e estrutura dos acontecimentos que influenciam e são influenciados pelos pontos de vista dos sujeitos.

Posteriormente, na terceira etapa da análise, buscou-se encontrar o que foi comum e o que foi discordante no conjunto das falas, o que corresponde à uma forma de análise comparativa das entrevistas, na qual os significados explicitados foram categorizados e reagrupados, na chamada leitura transversal, sendo o agrupamento realizado por assuntos tratados, que formaram, depois de analisados, as categorias de base do estudo, chamadas de empíricas por Demazière; Dubar (1997). No apêndice H encontra-se exemplo da análise de uma entrevista.

Ainda nesta terceira etapa, foram explicitadas as representações nas categorias surgidas, que foram conjuntamente aprofundadas pelas leituras e reflexões teóricas do pesquisador, quando se deu também a comparação dos resultados do estudo com aqueles identificados em outros grupos populacionais, definindo-se categorias com o respectivo aporte teórico, chamadas de categorias

analíticas por Demazière; Dubar (1997), o que correspondeu ao fechamento da

análise.

Vale ressaltar que, fundamentando-se em Bertaux (2001) e Gauléjac (2001) que afirmam ser necessário entender que entre as experiências vividas e seu relato se interpõem diversas mediações (percepção, memória, reflexividade do sujeito, capacidade narrativa e parâmetros da situação da entrevista, dentre outros),

27Por trajetória sexual entende-se o caráter gradual e acumulativo das experiências no campo da

sexualidade de cada indivíduo, bem como seus desdobramentos (LOYOLA, 2000). Uma trajetória sexual condensa uma série de episódios que caracterizam a esfera da vida sexual, e abriga datas, cenários e atores, circunstâncias envolvidos na vivência sexual, os quais aludem à moldura social que engendra o exercício da sexualidade para um determinado grupo.

estas foram ainda mais consideradas por se tratar de pessoas com transtornos mentais.

Para a interpretação dos dados considerou-se a fala do sujeito como a sua verdade, uma vez que esta descreve a realidade e aquilo em que o entrevistado acredita, mesmo inscrita, às vezes, em seus delírios e alucinações.

Para auxiliar a realização das análises, foi utilizado o NVIVO7®, software

que propicia a organização de dados qualitativos, permitindo sua leitura sob vários ângulos, contribuindo para análises mais fidedignas. O software foi utilizado somente após a realização da primeira etapa e seqüenciamento da segunda etapa, sendo muito útil na reconstrução de cada entrevista e na primeira parte da terceira etapa da análise, na qual as categorias nomeadas provisoriamente em cada entrevista foram reagrupadas considerando-se o conjunto das entrevistas, que após analisadas, formaram as categorias de base do estudo.

É importante esclarecer que algumas adequações foram necessárias de serem realizadas na apresentação das falas, buscando proporcionar maior clareza e concisão textual. Foram eliminadas repetições excessivas, palavras soltas e sem significado, e expressões como “né, uai”, dentre outros vícios de linguagem, uma vez que essas expressões são correntes na linguagem falada, mas podem desfavorecer em alguns momentos a intelecção do texto escrito. Foi realizada adequação das conjugações verbais colocadas incorretamente. Palavras faladas erroneamente também foram descritas aqui de forma correta, como, por exemplo, a palavra “tô”, a qual foi redigida como “estou”. Palavras que foram suprimidas do discurso ou estavam subtendidas aparecem entre colchetes. No entanto, alguns erros foram mantidos para não se perder a originalidade e espontaneidade das falas. Ressalta-se que houve uma preocupação constante em zelar pelo sentido original do que foi dito, o que fez com que algumas falas fossem re-analisadas várias vezes dentro do todo para se certificar do sentido atribuído. Além disto, todas as entrevistas foram analisadas pela coordenadora da pesquisa e pela pesquisadora do presente estudo, cruzando-se estas análises com discussões e reorientações para se chegar aos resultados.

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