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Como já apontado na Introdução deste trabalho, o livro didático continua sendo um dos principais instrumentos do processo de ensino e aprendizagem de Ciências na escola e mesmo entre os professores que buscam diversificar sua prática. As atividades mais destacadas deste material acontecem na sequência leitura de textos e exercícios de fixação a partir de questionários.

Fracalanza e Megid Neto (2003), ao analisarem as considerações iniciais e a introdução (dirigida a professor e aluno) das coleções de livros de Ciências, apontam que o discurso dos autores destaca a incorporação dos fundamentos conceituais e dos avanços educacionais na área de Ciências a esse material didático. No entanto, eles constatam que a implementação dessas ideias usualmente não se efetiva no texto do livro, nas atividades propostas, nem ao menos nas orientações metodológicas explícitas ou implícitas na obra. Além disso, observam que tais obras apresentam deficiências gráficas, concepções errôneas e já superadas, parciais, equivocadas e mitificadas sobre ciência, ambiente, saúde, tecnologia, entre tantas outras.

É preciso ainda destacar um aspecto importante: nos livros didáticos frequentemente o conhecimento científico é conceptualizado como um produto acabado, elaborado por mentes privilegiadas, desprovidas de interesses político-econômicos e ideológicos, ou seja, o conhecimento científico é visto como detentor da verdade absoluta e desvinculado do contexto histórico e sociocultural. Aliás, usualmente os livros escolares apresentam quase exclusivamente o presente atemporal para veicular os conteúdos; desse modo, apresenta-os como verdades que, uma vez estabelecidas, serão sempre verdades. Além disso, os livros escolares continuam com um tratamento metodológico que concebe o

aluno como um ser passivo, depositário de informações desconexas e descontextualizadas da realidade. (FRACALANZA; MEGID NETO, 2003)

Segundo os autores, todas as deficiências teórico-metodológicas encontradas nas coleções de Ciências hoje existentes no Brasilencontram-se de tal forma estabelecidas que se torna difícil qualquer alteração. Em muitos casos, seria necessário reescrever por completo cada livro didático, cada coleção tornada disponível pelo mercado editorial aos professores e seus alunos.

Por fim, eles identificam um problema de ordem mais geral: os critérios de cunho teórico-metodológico que fazem parte dos PCN de Ciências não se constituem como eixo principal e norteador das coleções didáticas de ciências (FRACALANZA; MEGID NETO, 2003), o que constitui um entrave à alfabetização científica de nossos alunos, principalmente os da escola pública, que raramente têm acesso a outros tipos de texto.

Norris e Phillips (2003) destacam algumas deficiências, afirmando que os livros didáticos

 apresentam, desde o início do século passado, inovações de forma , mas não de conteúdo, o que caracteriza uma mudança apenas cosmética, que não contribuiu para sua melhoria;

 possuem uma estrutura canônica, não exibem um encadeamento lógico, o que dificulta a leitura de capítulo para capítulo;

 concentram-se em apresentar as conclusões da investigação científica, em oposição aos textos de divulgação científica, que se concentram em temas como a definição de problemas, descrição e justificativa de métodos;  muitas vezes, são apenas vitrines de fatos que retratam o desenvolvimento

científico como um sucesso após o outro, constituindo-se em um manual de informações, enquanto a atividade científica depende dos elementos centrais explicação e constatação, que não podem ficar de fora.

Tais deficiências nos fazem crer no prejuízo pedagógico da maioria dos alunos que só tem acesso a esse material. Para esses autores, os problemas de aprendizagem de ciências dos alunos estão diretamente ligados à dificuldade de leitura e compreensão dos textos científicos, já que eles tendem a ter estruturas não encontradas frequentemente em outros textos, como os de divulgação científica, que apresentam as descobertas científicas de uma forma interpretável por não-cientistas, fornecendo aos leitores maior assistência na conexão de ideias e na definição de termos especializados.

Ao propormos um trabalho com práticas de leitura de textos de divulgação científica, objetivamos oferecer aos nossos alunos de escola pública a oportunidade de entrar em contato com textos interessantes, que mostram uma ciência real, invertendo a lógica dominante nas escolas, que trabalham apenas com o livro didático e que, face aos resultados das avaliações externas, não contribuem com a alfabetização científica dos alunos.

Uma publicação que poderia oferecer uma alternativa para o uso do texto de divulgação científica na escola é a revista Ciência Hoje das Crianças (CHC), uma publicação do Instituto Ciência Hoje – organização social de interesse público sem fins lucrativos vinculados à Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC), cuja meta principal é a divulgação da ciência para a sociedade. Essa publicação de caráter multidisciplinar aborda temas das ciências exatas, humanas e biológicas, dedicando especial atenção à zoologia e à educação ambiental. (ALMEIDA, 2011)

O sucesso da revista está na ausência de fórmulas e respostas prontas, além de sempre buscar as perguntas que estão presentes no cotidiano das crianças e que não são percebidas. A revista preocupa-se em contar, de maneira diferente, tudo aquilo que ciência faz, mostrando o caminho da construção do conhecimento científico. (ENCARNAÇÃO 2011 apud ALMEIDA, 2011)6

Em seus estudos sobre a CHC, Oliveira (2010, p. 99) identificou procedimentos e mecanismos verbais e visuais pelos quais o discurso de divulgação científica se direciona às crianças. Segundo essa autora, a revista CHC marca um lugar na divulgação do conhecimento científico para as crianças, diferente do livro didático, que, de um lado, apresenta [...]ciência e cientistas, como entidades abstratas, detentoras de um saber e, de

outro, criança-aluno como mero canal receptor de informações.

Analisando em sua tese de doutorado as principais revistas e suplementos de circulação nacional com textos de divulgação científica destinados às crianças, Almeida (2011) constatou que a CHC foi a única em que todos os artigos são assinados por cientistas, jornalistas, ou pelos dois. A revista CHC é escrita pela comunidade científica e por ela validada, o que faz dela um paradidático de total confiança para o professor. Seus editores especializados em divulgação científica buscam perceber, dentro da linguagem científica, o que de fato, atinge o público infantil.

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A revista contribui para que a criança consiga construir suas próprias explicações de forma diferente do que ocorre dentro do ambiente escolar (ALMEIDA, 2011) Neste ponto, reside a oportunidade de a criança pensar ciência, elaborar hipóteses e construir novos conhecimentos através das práticas de roda de leitura com os textos da CHC.

Entre as características analisadas por Almeida (2011) na CHC, destacamos algumas que a situam como material favorecedor da alfabetização científica nas crianças:

• presença de textos narrativos e descritivos;

• presença de analogias, metáforas, onomatopeias e de linguagem do universo infantil;

• explicações relacionadas ao conhecimento prévio das crianças; • presença abundante dos termos científicos;

• artigos assinados por pesquisadores;

• relação estreita entre imagens e o tema do artigo científico; • associação da imagem do cientista à curiosidade infantil; • ideia de ciência como construção humana;

• sugestão de e/ou menção a trabalhos experimentais.

No entanto, há que se pensar em estratégias de trabalho com o texto de divulgação científica. Uma estratégia que pode ser explorada são as rodas de leitura, como veremos no capítulo 5.

4 A NOÇÃO VYGOTSKYANA DE ZONA DE DESENVOLVIMENTO