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Capítulo II Revisão bibliográfica

2.4 A organização como reflexo da arquitectura de produto

Tal como sugerido na secção anterior, parece existir uma relação entre a dinâmica na arquitectura dos produtos e ao nível organizacional. A este respeito, pode dizer-se que existem duas perspectivas contrastantes sobre essa relação, uma que assume a existência de um isomorfismo entre os dois níveis e que é descrita nesta secção e outra que contraria a sua existência, como se verá na secção seguinte.

Vários autores defendem a existência de um isomorfismo entre a arquitectura de produto (modular ou integral) e a arquitectura organizacional/redes de aprovisionamento. A ideia base é de que as organizações que criam produtos tendem a desenvolver estruturas de conhecimento técnico que reflectem a decomposição funcional dos componentes nas suas arquitecturas de produto (Henderson e Clark, 1990).

De acordo com estes autores, a arquitectura de produto determina os canais de comunicação dentro da empresa, os filtros de informação e as estratégias de resolução de problemas. Sanchez e Mahoney (1996: 64) estenderam esta ideia e ofereceram a hipótese de que “ainda que as organizações concebam os produtos, pode também

argumentar-se que os produtos concebem as organizações, em virtude das tarefas de coordenação implícitas na concepção de produtos específicos determinar largamente as concepções organizacionais necessárias para desenvolver e fabricar esses produtos”. Fine (1998) vai mais longe e propõe que as arquitecturas do produto, do processo e da cadeia de aprovisionamentos devam ser determinadas concorrentemente.

Com efeito, Fine (1998), após ter analisado os ciclos de inovação de produtos, processos e de organizações em várias indústrias, encontrou suporte empírico para argumentar que a empresa deve construir e reconfigurar continuamente as cadeias de competências em linha com a evolução da estrutura da indústria. Também aqui o autor sugere uma relação entre os dois níveis. As arquitecturas integrais de produto devem conduzir a redes de aprovisionamento integrais, exibindo elevada concentração geográfica, uma cultura de negócios comum, forte direito de propriedade (posse) e ligações electrónicas (com base em tecnologias de informação). Em contraste, as arquitecturas modulares devem conduzir a arquitecturas de cadeias de aprovisionamento modulares, caracterizadas por uma baixa concentração geográfica, culturas de negócio diversas, ausência de ligações de direito de propriedade e fraca conectividade utilizando tecnologias de informação (Fine e Whitney, 1996; Fine, 1998). Numa perspectiva mais dinâmica e de acordo com (Fine, 1998), à medida que a arquitectura do produto evolui de integral para modular e volta novamente a integral (“hélice dupla”) existe sincronização entre a evolução da indústria e as estruturas da cadeia de aprovisionamentos, as quais, elas próprias, se alteram de vertical/integral para horizontal/modular e voltam novamente a vertical/integral.

Sanchez (1999: 93) sublinha que “no processo de criação e realização de produtos, as empresas criam explicitamente ou implicitamente três tipos de arquitectura, nomeadamente a do produto, a do processo e a do conhecimento”. Segundo o autor, a

arquitectura do produto decompõe as funcionalidades globais numa concepção de produto composta por componentes funcionais e pelas especificações dos seus interfaces que definem como aqueles componentes interagem na concepção do produto. A arquitectura do processo segue, por sua vez, a arquitectura do produto, decompondo-a em actividades específicas da organização e definindo como essas actividades interagem. O mesmo acontece à arquitectura do conhecimento da organização, i.e. à decomposição do conhecimento base em activos de conhecimento específico e nos modos como esses activos interagem com os processos para criarem e realizarem produtos.

Assim, em concepções de produto com base em inter-relações complexas, os componentes fortemente ligados tenderão a desenvolver uma arquitectura do conhecimento que reflecte a estrutura complexa das dependências dos componentes na sua arquitectura de produto. Em contraste, uma arquitectura modular cria domínios de conhecimento fracamente ligados entre si e focalizados em cada componente, também ele fracamente ligado ao nível da arquitectura do produto (Henderson e Clark, 1990).

No entanto, alguma dependência de percurso tem sido reconhecida por estes autores. Por exemplo, Gulati e Eppinger (1996) consideram que a modularidade na arquitectura do produto permite uma escolha mais ampla para a concepção organizacional. Mas notam que a inércia da organização pode tornar importante a direcção causal inversa - da arquitectura da organização para a arquitectura do produto. Assim, a escolha arquitectural do produto influencia a concepção organizacional, mas as estruturas da organização preexistentes e as competências também influenciam a concepção do produto. Dito de outro modo, existe dependência de percurso. No fundo, Sanchez e Mahoney (1996) também reconhecem esta causalidade nos dois sentidos, mas enfatizam claramente o impacte da arquitectura de produto no nível organizacional: “se

bem que as organizações ostensivamente concebem produtos, também pode ser argumentado que os produtos concebem as organizações” (ibid.: 64, itálico no original). Dito de outro modo, a maneira como a empresa decompõe as suas concepções de produto em componentes funcionais irá deste modo determinar largamente os tipos de processo que irá seguir no desenvolvimento, produção, distribuição e apoio aos seus produtos (Sanchez, 2003). É portanto uma questão empírica aferir qual a direcção causal que tem sido mais forte num período particular de tempo.

Sanchez e Collins (2001), consideram que muitas empresas estão a começar a usar arquitecturas modulares nas suas estratégias de produto, especialmente a criação de “plataformas” na concepção de famílias de produto. As arquitecturas modulares oferecem um poderoso quadro de referência de gestão do conhecimento para identificar as competências e o conhecimento estrategicamente importantes para a empresa e para as alavancarem de forma mais eficiente. Segundo os autores, as arquitecturas modulares providenciam ainda novos meios de coordenar e acelerar processos de aprendizagem distribuída no interior de redes de fornecedores e de empresas colaboradoras. Defendem como princípios a seguir, que os produtos concebem as organizações, a estandardização aumenta a flexibilidade e que a disciplina melhora a criatividade.

Relativamente ao primeiro princípio, Sanchez (2003) começa por sublinhar que no processo de desenvolvimento de produtos, pode observar-se a emanação de novos produtos das organizações e por isso conjecturar que “as organizações concebem produtos”. Contudo, a observação do processo de desenvolvimento de produtos sob uma perspectiva arquitectural, ajuda a revelar o profundo impacte que a organização da arquitectura de produto tem no modo como uma organização é estruturada e no seu funcionamento. Dito de outro modo, os processos para desenvolverem e produzirem componentes podem permanecer fracamente ligados (por via dos próprios componentes

terem interfaces estandardizados numa arquitectura modular e estarem portanto fracamente ligados), i.e. eles tornam-se autónomos e não requerem comunicação e coordenação entre grupos de desenvolvimento de componentes, ou seja, os modos fundamentais nos quais “os produtos concebem as organizações”. Segundo o autor, a perspectiva organizacional ajuda a compreender que as melhorias na organização das competências de criação de produtos deverão começar com melhoramentos nas arquitecturas de produto que a organização desenvolve.

No que se refere ao segundo princípio, de acordo com o autor, a melhoria da flexibilidade organizacional na concepção de produtos não será conseguida a menos que a organização das arquitecturas de produto se torne mais flexível, sendo neste caso as arquitecturas modulares o maior contributo para as arquitecturas flexíveis. Na essência, segundo Sanchez (2000), a maneira como uma empresa decompõe e inter-relaciona os componentes na sua concepção de produtos, afectará grandemente a concepção organizacional que ela pode adoptar para desenvolver, produzir e sustentar os seus produtos.

Por fim, relativamente ao terceiro princípio, Sanchez (2003) considera que uma outra percepção comum é que a geração “criativa” de novos produtos requer uma envolvente organizacional “criativa”, a qual é frequentemente assumida como sendo essencialmente não estruturada e na qual pessoas “criativas” podem livremente tentar vários tipos de ideias de novos produtos e maneiras de fazerem as coisas. Como consequência, poderá haver tendência a considerar-se uma envolvente que requeira uma aderência disciplinada a uma estrutura de processo bem definida como sendo inimiga da criatividade. De acordo com o autor, o que a perspectiva arquitectural torna claro, contudo, é que a aderência disciplinada a um processo de desenvolvimento modular bem definido pode permitir o florescer de muitas configurações novas de produtos e

processos. No fundo, aprender a trabalhar num processo modular bem definido e disciplinado pode ajudar as organizações a criar arquitecturas que possibilitam configurações criativas e improvisadas de novos produtos e processos que trabalham na realidade em conjunto.

Como se viu, de acordo com o autor, para além das organizações conceberem produtos, estes também concebem/condicionam aquelas. Por outro lado, a melhoria da flexibilidade organizacional na concepção de produtos é conseguida através de um processo de desenvolvimento disciplinado e bem definido de arquitecturas de produtos modulares, que potencia configurações criativas interligadas de novos produtos e processos.

Segundo Pfaffmann (2000), podem ser derivadas várias implicações a partir do relacionamento entre as arquitecturas do produto e das organizações. Primeiro, a modularidade na concepção do produto reduz a sua complexidade e do processo de desenvolvimento como um todo. A concepção modular representa uma decomposição bem sucedida de tarefas complexas em tarefas menos complexas, as quais podem ser dirigidas a actores especialistas que coordenam as suas actividades quase autonomamente uns dos outros. Segundo, a decomposição do produto ou do problema pode influenciar a estrutura organizacional (Henderson e Clark, 1990). Assim, ajustamentos à arquitectura do produto nos últimos estágios do processo de desenvolvimento, podem afectar directamente a concepção organizacional (Pfaffmann e Bensaou, 1998). Terceiro, um produto com um elevado grau de modularidade contém mais interfaces que um produto menos modular e portanto providencia mais opções para a aprendizagem e mais flexibilidade para integrar funções novas ou melhoradas e componentes físicos relacionados. Finalmente, enquanto a coordenação através do desenvolvimento do componente e da produção, que são encapsulados em

especificações, podem ser deixados a especialistas, a modularidade requer conhecimento sofisticado de como os componentes interagem numa concepção específica de produto. No fundo, esta perspectiva parte da arquitectura do produto e trabalha posteriormente a correspondente concepção da organização6.

Em grande medida, pode afirmar-se, esta perspectiva é partilhada por Sanchez e Mahoney (1996) e Sanchez (2003) quando argumentam que os produtos concebem as organizações e que produtos não modulares são melhor produzidos em organizações não modulares e produtos modulares apelam por organizações modulares. Para estes autores, a definição de uma arquitectura de produto integral ou modular tende a desenvolver uma arquitectura de processos e de conhecimento correspondente. Assume- se, que aos interfaces claros e estandardizados ao nível do produto, correspondem interfaces similares entre unidades organizacionais ou bases de conhecimento. Nessa medida, o modo como a empresa define e inter-relaciona os componentes/módulos numa arquitectura de produto, condiciona de forma substancial a arquitectura organizacional que pode adoptar. Analisaremos de seguida as perspectivas alternativas sobre a relação entre os dois níveis, antes de sugerirmos o interesse em abordar a questão considerando as redes de relacionamentos.

2.5 Críticas à relação determinista entre arquitectura de produto e