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CAPÍTULO 1 REVISÃO DA LITERATURA

1.5 A organização da produção de batata no Brasil

No Brasil, há três safras distintas de batata: safra das águas (colheita entre dezembro a março); safra da seca (colheita entre abril e junho) e safra de inverno (colheita entre agosto e novembro). A safra cultivada em maior escala é a das águas que representa 52% da quantidade ofertada no ano, porém é a que representa menor rendimento dado o excesso de chuvas (CAMARGO FILHO & ALVES, 2005).

Embora a bataticultura brasileira apresente alguns avanços de modernização, alguns fatores podem ser considerados na organização do setor para produção nacional: consumo regionalizado; desorganização setorial – as entidades atuam de forma independente, fragilizando o processo de comercialização e representatividade; falta de padronização do produto e resistência dos segmentos varejistas na adoção de novas estratégias de vendas. Ressalte-se que não há controle fitossanitário e rastreabilidade de batata-semente, o que dificulta o controle de qualidade em toda a cadeia produtiva, do campo ao consumidor final (ABBA – Associação Brasileira da Batata, 2008).

Alguns casos isolados de certificação e rastreabilidade de batata para o consumo no Brasil são discutidos na literatura, como no trabalho de MELONI (2008). Outros trabalhos como NUNES (2002) discutem a produtividade e os principais problemas fitossanitários de cultivares de batata, neste caso em Sergipe. FERREIRA & NETTO (2007) caracterizaram os processos de beneficiamento e classificação dos tubérculos e determinaram os pontos críticos de impacto na qualidade do vegetal.

O Brasil tem condições de avançar nesse setor e aumentar sua competitividade, mas isso depende da superação de alguns desafios. Destacam-se como desafios: melhorar o sistema de comercialização do produto in natura; melhorar os ganhos para o produtor; reduzir os custos com insumos; estimular a implantação da indústria de transformação; além de desenvolver genótipos mais adequados para a industrialização e para o comércio in natura.

A produção brasileira é auto-suficiente para o abastecimento de batata na forma in natura, mas ainda depende de importação para atender o mercado de produtos processados a base de batata. O abastecimento interno depende da produção das regiões Sul e Sudeste, embora seja crescente a produção em novas regiões como nos Estados de Goiás e Bahia. A área e a quantidade a se cultivar na próxima safra depende dos preços da safra anterior, ou seja, o cultivo é atrelado à capitalização do produtor. Por exemplo, de acordo com CAMARGO FILHO & ALVES (2005), entre os anos de 1998-2004 os preços tiveram relativa estabilidade, no entanto

ocorreu excesso de produção em algumas safras (épocas) devido ao aumento exacerbado da área cultivada e ao uso de nova variedade de batata, a Ágata, de ciclo precoce e muito produtiva. Houve uma grande oferta e queda no preço, além da crise de demanda no mercado de alimentos em 2003. Outro exemplo, citado por LEGNARO et al. (2009), mostra que para a safra das secas de 2009 foi prevista uma redução de 5% na área de plantio se comparada à safra de 2008. A rentabilidade negativa da temporada das águas 2008-2009 no Paraná desestimulou agricultores dessa região a cultivar a safra das secas de 2009.

Uma solução possível para este problema seria que os governos federal e estadual estabelecessem políticas agrícolas que organizassem as safras regionalmente para valorização da economia nacional, definindo a área a ser cultivada, visando produção compatível ao mercado na época que pretende abastecer. Segundo dados do AGRIANUAL (2009), o bataticultor brasileiro sobreviveu graças à costumeira oscilação dos preços ao longo do ano de 2008. Os produtores que puderam aproveitar os melhores momentos do mercado obtiveram um resultado melhor. Estes fatos são conseqüência da desorganização do setor produtivo. As grandes mudanças no agronegócio mundial e brasileiro trouxeram prejuízos ao produtor de batata no Brasil. A alta generalizada das commodities não teve reflexo nos preços da batata brasileira, mas a forte elevação dos insumos atingiu duramente os custos da produção.

Na análise de preços, os da batata avançam timidamente, na contramão dos custos de produção que subiram em torno de 22% da safra 2006-2007 para a seguinte. Em termos de rentabilidade, o ano agrícola de 2007-2008 não foi muito favorável para o bataticultor brasileiro. O grande responsável pelo aumento dos custos de produção foi a alta excepcional dos fertilizantes (nitrogênio, fósforo e potássio – NPK). De um ano agrícola para o outro, o custo médio subiu em torno de 50%, e o preço da batata caiu 25% (AGRIANUAL, 2009). Segundo LACERDA (2009), o Brasil encontra-se entre os maiores consumidores de fertilizantes a base de NPK, mas não figura entre os principais produtores deste insumo, o que mostra claramente sua dependência por importações e, portanto, sua fragilidade quanto às oscilações de preços internacionais. Este ambiente demanda pesquisas na área agrícola brasileira de modo a minimizar os impactos da alta dos preços de fertilizantes. No cultivo da batata estima-se que 17% do total dos gastos são com fertilizantes, e que segundo BREGAGNOLI (2006), as condições do solo podem influenciar a qualidade e a produtividade de cultivares de batatas.

Outro fator que pode fortalecer a cadeia produtiva da batata no país é o incentivo à industrialização deste tubérculo. É evidente o aumento do mercado por

produtos prontos para o uso ou consumo como chips e pré-fritas congeladas. De acordo com NAKANO et al. (2006) o Brasil foi o 11º maior importador mundial de batata congelada entre os anos de 2002 e 2004, comprando US$ 48 milhões deste produto. Em 1992, o Brasil ocupava o 17º lugar e gastava apenas US$ 4 milhões.

Para o avanço da industrialização, a oferta constante de matéria-prima torna-se essencial, além do desenvolvimento de cultivares que atendam a demanda da indústria como, por exemplo, cultivares com propriedades químicas adequadas ao processamento.

Além da produção para o uso industrial, ressalta-se que o consumo doméstico e comercial (alimentação coletiva, restaurantes e bares) é muito significativo. É necessário desenvolver cultivares adaptadas ao preparo culinário (fritar, cozinhar, assar), como ocorre em outros países. Outro fato importante é que a pesquisa sobre novas cultivares de batatas deve ter como base o desenvolvimento sustentável, que resulte em melhor qualidade nutricional, em maior produtividade, em resistência às doenças, gerando menores custos ao produtor.

Nesse sentido, desde 1999 o Estado de Minas Gerais, no âmbito da Secretaria de Agricultura, Pecuária e Abastecimento estabeleceu um Programa de Cooperação Técnica (PCT) entre Brasil e França, com o intuito de introduzir novas cultivares de batatas francesas no Brasil, bem como organizar e modernizar o setor e a forma de comercialização; estabelecer a certificação das sementes e o controle fitossanitário dos tubérculos, de modo a favorecer a oferta de um produto seguro ao consumidor. Este esforço torna-se importante dado o papel socioeconômico da bataticultura no Estado de Minas Gerais. A produtividade média do Estado é superior à nacional e emprega mais de 170 mil pessoas nas regiões produtoras.

A transferência de tecnologia entre França e Brasil é realizada por meio de licenciamento, onde o titular autoriza a exploração de sua patente sem perder o domínio dos direitos sobre ela. Conforme MARIOTTO (2007) há uma grande variedade de tipos de acordos de cooperação formais e informais entre as empresas, que vão desde arranjos com menor comprometimento entre as partes até arranjos com grande envolvimento. O licenciamento é considerado uma relação de baixa dependência interorganizacional, e o método de remuneração é o pagamento de

royalties.

No Brasil, as cultivares francesas foram registradas no Serviço Nacional de Proteção de Cultivares (SNPC), sendo titulares o Comité Nord, o Bretagne Plants e o

Grocep e o representante legal, no Brasil, a Multiplanta, empresa de biotecnologia

localizada no município de Andradas, região sul do Estado de Minas Gerais, a qual pode explorar com exclusividade a comercialização de batata semente.

O período de proteção de uma cultivar, no caso da batata, segundo a Lei 9.456/97, é de 15 (quinze) anos, a partir da data da concessão do Certificado Provisório de Proteção (BRASIL, 1997). Decorrido o prazo de vigência do direito de proteção, a cultivar cairá em domínio público e nenhum outro direito poderá obstar sua livre utilização (DEL NERO, 2004).

Durante os anos de cooperação diversos produtores de batata do Estado de Minas Gerais foram conhecer o sistema de produção, certificação, rastreabilidade e comercialização de batata na França. Neste período, técnicos e pesquisadores franceses estiveram no Brasil com o intuito de compartilhar a tecnologia de obtenção de tubérculos certificados.

A incorporação de tecnologia internacional nas diferentes etapas de produção de batata pode significar um avanço. Tal avanço se estende, principalmente, em duas frentes: qualidade sanitária dos tubérculos e a organização do setor produtivo. Esta última é talvez a mais importante visto que, se não houver uma organização para a produção e oferta planejadas para o mercado consumidor, torna-se inviável e sem sentido a elaboração de estratégias de promoção do produto. Pode-se considerar, também, que a organização dos produtores em classes representativas eleva os benefícios de todos os atores envolvidos na cadeia produtiva de batata.

A exploração da tecnologia de produção de tubérculos de batata na França por empresas brasileiras pode favorecer o desenvolvimento local, a produção de conhecimento e a oferta de sementes com alta qualidade sanitária, o que favorecerá o consumidor final. Além disso, esse processo pode ser incorporado por outros setores da agricultura nacional de modo a favorecer a produção e promoção de conhecimento e de novas tecnologias.

Apesar dos diversos parceiros do Programa pesquisar aspectos da biotecnologia e adaptação das cultivares em solo e clima mineiro, trazendo tantos benefícios para a cadeia produtiva da batata, outra frente de pesquisa se faz necessária. É preciso analisar o comportamento do consumidor de batatas em face de fatores culturais, econômicos e sociais associados à aquisição, preparo e consumo deste tubérculo.