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CAPÍTULO 3 – A EDUCAÇÃO MATEMÁTICA E A EDUCAÇÃO MATEMÁTICA

3.2 A Organização dos Conteúdos Matemáticos Escolares

Pires (2008) analisou três períodos da educação brasileira que refletem três tipos de organização curricular: linear; quebra da linearidade; contextualização e

interdisciplinaridade.

O primeiro período diz respeito à influência do Movimento da Matemática Moderna (MMM) (1965-1980). A mudança curricular foi divulgada por meio de livros didáticos, nos quais se estabeleceu a divisão entre a Matemática Clássica e a Matemática Moderna, sem proporcionar ao professor(a) um estudo mais aprofundado que justificasse as mudanças ocorridas e, menos ainda, que tratasse de seus princípios e finalidades. A proposta curricular seguia uma sequência cronológica rígida, desconsiderando inúmeros aspectos que permeiam a sala de aula e o processo de ensino e aprendizagem do(a) aluno(a). Ascendia-se, pois a

linearidade no ensino, onde a sequência de conteúdos matemáticos parecia inquebrável

(PIRES, 2008).

A autora considera os anos de 1980 a 1994 como sendo o segundo período de reforma curricular, mediante o surgimento das distintas ações do MMM elaboradas por iniciativa de algumas secretarias municipais e estaduais e motivadas pelo novo cenário nacional de abertura da democracia. Nesse período a quebra da organização linear dos conteúdos começa a ser proposta, de modo que passassem a ser apresentados “em diferentes níveis de abordagem, em que se procurava respeitar a integração dos temas a serem trabalhados, bem como seu desenvolvimento „em espiral‟ [...]” (PIRES, 2008, p. 22).

Para a pesquisadora, o terceiro momento surgiu no final da década de 1990 com o processo de elaboração e divulgação dos Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN) que destaca a importância do contexto do aluno, da criatividade, da capacidade de resolver problemas, da História da Matemática, das Tecnologias da Informação e Comunicação, dentre outros aspectos. Mesmo não rompendo totalmente com a estruturação de ensino proposta por algumas secretarias na década de 1980, o documento preconiza uma organização curricular mais flexível, baseada na contextualização e na interdisciplinaridade.

Pires (2004) afirma que as propostas curriculares não abandonaram a ideia cartesiana e fragmentada das disciplinas, assim, a ideia da linearidade se mantinha e os projetos curriculares eram elaborados para cumprir “metas cartesianamente definidas, num dado espaço de tempo em que um dado conteúdo só pode ser introduzido após um determinado conteúdo precedente [...]” (PIRES, 2004, p. 51). Os estudos dessa autora contribuíram na proposição do currículo em rede, que se constitui em um conjunto de pontos interligados com possibilidades de superar as marcas da organização linear, proporcionando a integração entre as disciplinas.

Na visão de Godoy (2011), os documentos elaborados subsequentes ao Movimento da Matemática Moderna congregam ideias de outras áreas, tais como da Psicologia, da Sociologia e da Filosofia, com o objetivo de aperfeiçoar o ensino de Matemática, sem, porém, alterar os conteúdos matemáticos que ainda permanecem praticamente os mesmos de antes.

À luz da Educação Matemática Crítica, Skovsmose (2008) analisou a diferença entre o paradigma do exercício e a abordagem do cenário para investigação no ensino de Matemática com base em três tipos de referência: (i) referências à matemática pura; (ii) referências à

semi-realidade e (iii) referências à realidade.

Nas referências à matemática pura, trata-se somente dos conteúdos matemáticos em si mesmos, sem contextualização e com enunciados do tipo “arme e efetue” ou “resolva a

questão”, a exemplo da atividade: “(27a - 14b) + (23a + 5b) – 11a =” (SKOVSMOSE, 2008, p. 23).

Na perspectiva de referência à semi-realidade trata-se de uma situação idealizada e

comumente encontrada nos livros didáticos, mas que, de fato, não faz parte do “mundo real” dos(as) alunos(as) que a desenvolvem. Um exemplo está na seguinte situação: “O feirante A vende maças a $ 0,85 o Kg. Por sua vez, o feirante B vende 1,2 Kg por $ 1,00. a) Qual feirante vende mais barato? b) Qual é a diferença entre os preços cobrados pelos dois feirantes por 15 Kg de maças?” (SKOVSMOSE, 2008, p. 24). Nesse caso, vender maças pode não ser situação vivenciada pelos(as) alunos(as) de uma determinada escola, contudo, é suscetível de fazer parte da realidade dos(as) alunos(as) de outra escola. O próprio formulador da atividade desconhece onde ela acontece porque a elaborou para um aluno genérico. Sendo assim, a atividade não foi elaborada com o objetivo de discutir o contexto específico e integrar saberes, mas com o propósito de explorar os conteúdos matemáticos necessários para resolver o problema.

As referências à realidade representam muito mais que enunciar algo do conhecimento dos(as) alunos(as). Trata-se de problematizar uma situação e criar um cenário de investigação, de forma que os alunos se identifiquem e encontrem significado na realidade que vivenciam. Deste modo, podem ser motivados a resolvê-la e buscar explicações. Um exemplo destacado por Skovsmose (2008) para este tipo de referência ilustra a crítica à realidade dos alunos: “[...] diagramas representado o desemprego podem ser apresentados com parte do exercício, e, com base neles, podem ser elaboradas questões sobre períodos de tempo, países diferentes etc.” (SKOVSMOSE, 2008, p. 26). Neste exemplo, uma atividade de Matemática com informações sobre o índice de desemprego não se refere apenas à aplicação do conteúdo matemático, nem somente à discussão social do contexto. Trata-se da conjugação dos dois elementos: conteúdo matemático e condições de trabalho da população.

Sendo assim, compreendemos que o fato de as atividades estarem inseridas ou não em um cenário de investigação depende da realidade vivida por seus atores e da organização dos conteúdos matemáticos escolares adotada pelo(a) professor(a), em função do seu entendimento das orientações curriculares e do uso que faz da criticidade para a transformação social.

É neste sentido que nos interessamos em investigar as relações passíveis de serem estabelecidas por camponeses(as) e professores(as) entre os conteúdos matemáticos escolares ensinados nos anos finais do ensino fundamental e atividades desenvolvidas no campo, buscando compreender a aproximação entre a Educação do Campo e a Educação Matemática.