• Nenhum resultado encontrado

Ao tratar da organização do trabalho pedagógico, presente nas propostas e documentos oficiais para uma formação integral, torna-se importante salientar suas determinações pelo modelo de sociedade a qual está inserido, portanto não podemos perder de vista que suas bases teóricas, ao se assentarem no modo de produção capitalista, reproduzem sua organização e gestão do ensino tal qual a forma com a qual o modelo social vigente se organiza, sobretudo na divisão social do Trabalho.

O modo de produção da sociedade capitalista tem na divisão do trabalho a sua forma de organização e gestão. A escola, por sua vez, tem como referência esse mesmo modo de organizar o ensino. Essa estrutura fragmentada do conhecimento acontece por meio de seus métodos, conteúdos, distribuição do tempo, hierarquização das disciplinas. (FERREIRA, 2007, p.68)

Apesar destas determinações acima apresentadas, cabe esclarecer também que pelo próprio movimento dialético (lei da unidade e luta dos contrários) onde, segundo Freitas (2012, p. 81) “a fonte do movimento é a contradição; as categorias devem, portanto, ser sensíveis às contradições internas que se dão nos fenômenos”, bem como pela natureza dos possíveis avanços sociais que este modelo de educação possa apresentar, a educação integral e as escolas em regime de tempo integral, despontam como um caminho a ser trilhado de forma a estabelecer na escola as bases de uma educação de fato emancipatória.

Para tanto, a escola deve ser entendida como local de disputa de projetos de classe, por meio da construção e execução de um projeto político-pedagógico e histórico que, construído coletivamente, tenha como desafio promover a todos o domínio do conhecimento como condição indispensável para a emancipação humana do julgo do capital, bem como das possibilidades educacionais que porventura venha a se apresentar em meio a este reordenamento educacional, uma vez que, segundo Ferreira:

Ao se pensar a Educação Integral, na perspectiva de escolas de tempo integral, onde, supostamente, o aluno terá uma formação mais completa, não se pode aceitar que a organização do trabalho pedagógico se constitua apenas de atividades agregadas ao currículo, simplesmente para preencher o tempo. Sem a consistência de um projeto político-pedagógico que norteie uma concepção emancipatória, corre-se sérios riscos de estar diante de uma realidade de confinamento. (FERREIRA, 2007, p. 69, grifo nosso)

Já, Frizzo (2013) considera o par dialético formado pelos objetivos e pelo estabelecimento dos critérios de avaliação como a principal categoria na organização do trabalho pedagógico, pois evidenciam ou materializam de maneira objetiva a própria forma de organização social do trabalho na sociedade capitalista e com isso acabam por produzir os limites para o desenvolvimento do trabalho pedagógico na sala de aula, onde segundo Freitas:

Os objetivos demarcam o momento final da objetivação/apropriação. A avaliação é um momento real, concreto e, com seus resultados, permite que o aluno se confronte com o momento final idealizado, antes, pelos objetivos. A avaliação incorpora os objetivos, aponta uma direção. Os objetivos, sem alguma forma de avaliação, permaneceriam sem nenhum correlato prático que permitisse verificar o estado concreto da objetivação (FREITAS, 2012, p. 95).

Desta forma compreendo que, a análise da avaliação deve ir muito além de explicitar os procedimentos técnicos para a medição de notas e desempenho, entendendo-a como um possível instrumento de disciplinamento do alunado para molda-lo ao interesse social objetivado pela escola por meio do estabelecimento de relações entre seus instrumentos, seus métodos de ensino e o sentido dado pela escola ao projeto histórico vigente, em outras palavras dos princípios e objetivos que caracterizam seu projeto político pedagógico e norteiam as ações e o trabalho pedagógicas das disciplinas que compõem seu currículo. Frizzo (2013) esclarece ainda:

Os objetivos e avaliação na escola capitalista expressam, em última análise, os interesses e necessidades do projeto histórico da atualidade, orientando o processo de ensino e aprendizagem, métodos, conteúdos e controle da formação do alunado da qual não se separam. (FRIZZO, 2013, p. 205) Portanto, para delimitar os processos de seleção e organização dos conteúdos, tomei como base as considerações de Soares et al., (1992), livro publicado pelo Coletivo de Autores16, e que destaca 05 (cinco) princípios curriculares importantes para sua análise: a relevância social do conteúdo, sua contemporaneidade, a adequação às possibilidades sócio cognitivas dos alunos, sua simultaneidade e a espiralidade para a incorporação das referências do pensamento, e o caráter de provisoriedade este deve ter.

16 Denominação dada aos seis autores do livro Metodologia do Ensino de Educação Física, publicado

em 1992, pela editora Cortez. Carmen Lúcia Soares, Celi Taffarel, Elizabeth Varjal, Lino Castellani Filho, Micheli Ortega Escobar e Valter Bracht.

Sobre a relevância social dos conteúdos Soares et al., (1992), entende a necessária implicação em se identificar em tais conteúdos a capacidade dos mesmos em contribuir para explicar a realidade social concreta, bem como sua contribuição para que o aluno possa vir a compreender os determinantes históricos que caracterizam a sociedade de classe e desta forma se reconhecer enquanto sujeito de classe.

Já em relação a contemporaneidade dos conteúdos, diz respeito a seleção de conhecimentos quer garantam ao aluno o que de mais atual e contemporâneo se produziu a cerca deste conteúdo, bem como os avanços técnicos e científicos, estabelecendo-se uma relação entre conteúdos modernos e clássicos, pois segundo Soares et al. (1992, p. 31) “os conteúdos clássicos jamais perdem a sua contemporaneidade”.

No que diz respeito a adequação às possibilidades sócio cognitivas dos alunos, Soares et al (1992), ainda preconiza a competência dos professores em identificar e estabelecer sistematizações aos conteúdos de modo a possibilitar por meio da pratica social dos alunos a compreensão destes conhecimentos, em acordo com suas capacidades cognitivas. Deste modo reconhecendo-o como sujeito histórico e fruto das suas múltiplas determinações sociais.

Quando trata da simultaneidade, da espiralidade e da provisoriedade dos conteúdos, o Coletivo os caracteriza como elementos indispensáveis para confrontar o etapismo presente na organização curricular conservadora (sistema seriado) e desenvolver a compreensão de uma visão da totalidade, ou em suas próprias palavras, “em que os dados da realidade não podem ser pensados nem explicados isoladamente” (SOARES et al., 1992, p. 32). Cabe, portanto, compreender que tais conhecimentos possuem diferentes formas de serem organizados, a partir da sistematização, ampliação e aprofundamento do pensamento sobre determinado dado da realidade concreta. Este aprofundamento espiralizado amplia a forma como o conteúdo é percebido pelo aluno, e o caráter de provisoriedade rompe com a ideia de conhecimento único e acabado, bem como como a própria imutabilidade do sistema social vigente, desenvolvendo a noção de historicidade de todo e qualquer conhecimento selecionado.

Isso quer dizer que se deve explicar ao aluno que a produção humana, seja intelectual, cientifica, ética, moral, afetiva, etc., expressa um determinado estagio da humanidade e que não foi assim em outro momento histórico. [...] essa compreensão é básica para a concretude do currículo. [...] tal qualidade vai sendo construída através de aproximações sucessivas do sujeito que pensa com o objeto pensado mediado pelo conhecimento. (SOARES et al., 1992, p. 33).

Portanto, a contradição foi uma importante categoria utilizada, quando das análises realizadas mais adiante neste estudo, uma vez que esta categoria se apresenta, segundo Cury (2000, p. 26) como “o momento conceitual explicativo mais amplo, uma vez que reflete o movimento mais originário do real”, e portanto um caminho metodológico que possibilita a reflexão por meio do confronto de visões antagônicas sobre o mesmo objeto com o propósito de superar formas abstratas presentes no senso comum para então se construir, de maneira dialética, formas de saber mais elaboradas sobre o real concreto analisado. (CURY, 2000).

Na quarta e última Seção deste estudo, retomarei este debate, quando analiso o trabalho pedagógico da disciplina educação física no Ensino Médio Integral da Escola Temístocles de Araújo (EMI-ETA), tomando por base as proposições presentes nos planos de curso da referida disciplina (elaborados entre os anos de 2012 a 201417), sua organização e sistematização ao tratar dos conteúdos e sua relação com o que preconiza o Projeto Político Pedagógico da Escola. Nesta mesma seção, faço ainda um confronto das análises documentais com as falas obtidas por meio de uma entrevista semi-estruturada com os docentes envolvidos no processo. Este confronto tornou-se necessário para identificar, por meio das mediações e contradições, os limites e possibilidades, com que, tais conhecimentos são abordados, como foram selecionados e sistematizados, e a avaliação que estes docentes fazem das experiências pedagógicas vivenciadas com a implantação do EMI-ETA.

17 A escolha desse recorte temporal diz respeito ao ano inicial de funcionamento do EMI e o intervalo

de tempo de dois anos que se entendeu representativo para análise, e que melhor se adequa a conclusão deste estudo.