• Nenhum resultado encontrado

2.2 A concepção de currículo adotada na proposta de educação integral em

2.2.3 O Mais Educação em ação

Na busca em atender as demandas da implementação do modelo de educação em tempo integral previsto tanto na LDB (1996) quanto no PNE (2014), o governo opta então pela retomada nos discursos oficiais do Estado brasileiro da ampliação da jornada escolar por meio da escola de tempo integral. Esta é apresentada de maneira

bastante significativa pelo programa chamado “mais educação”, este programa foi certamente o principal passo em direção a esta retomada na política de implementação da escola de tempo integral dos últimos anos, política esta, visivelmente marcada por um processo histórico de descontinuidade quando falamos deste modelo de educação no Brasil.

Portanto, o “Programa Mais Educação”, se caracteriza pelo reconhecimento por parte do Estado da ineficácia do atual modelo fragmentado de turnos e de suas próprias contradições que inviabilizaram as tentativas avanço e de implementação deste regime ao longo dos tempos. Esta retomada, por meio do referido programa, teve início com publicação da portaria normativa interministerial nº 17, de 24 de abril de 2007 (BRASIL, 2007c), em consonância com os Art. 205, Art. 206, Art. 208 e Art. 213 da Constituição Federal; o Art. 34 da Lei de Diretrizes e Bases - Lei nº. 9.394/96; e ainda as Leis 8.069 de 13 de julho de 1990 – Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) e a Lei nº 10.172 (Diretrizes do Ensino Fundamental) do Plano Nacional da Educação; bem como pelo Decreto nº 6094, 24 de abril de 2007 que institui o Plano de Metas Compromisso Todos pela Educação.

O Programa Mais Educação constitui-se como uma estratégia do Governo Federal para induzir a ampliação da jornada escolar e a organização curricular, na perspectiva da Educação Integral [...] ampliação da jornada escolar nas escolas públicas, para no mínimo 7 horas diárias, por meio de atividades optativas nos macrocampos: Acompanhamento Pedagógico (obrigatório); Comunicação, Uso de Mídias e Cultura Digital e Tecnológica; Cultura, Artes e Educação Patrimonial; Educação Ambiental, Desenvolvimento Sustentável e Economia Solidária e Criativa/Educação Econômica; Educação em Direitos Humanos; Esporte e Lazer e, Promoção da Saúde (MEC. MANUAL OPERACIONAL DE EDUCAÇÃO INTEGRAL, 2014)

Os dados do censo do próprio ministério apontam que já em 2008 quando de seu funcionamento foram credenciadas cerca de “1.380 escolas, em 55 municípios nos 26 estados e no Distrito Federal, atendendo 386 mil estudantes” (MEC, 2016). Em 2014, essa a adesão foi aproximadamente 60.000 escolas em todo o país, cerca de 7 milhões de estudantes, com atenção especial para escolas com mais de 50% de estudantes participantes do Programa Bolsa família (parceria Inter setorial com o Ministério do Desenvolvimento Social – MDS).

A partir deste mesmo ano o programa passou a ser operacionalizado por meio do Programa Dinheiro Direto na Escola (PDDE), uma vez que este programa dinamiza

a chegada dos recursos por meio de outros subprogramas do próprio MEC como: Programa Ensino Médio Inovador (PROEMI), Atleta na Escola, Escolas do Campo, Escolas Sustentáveis e Água na Escola, dentre outros.

Os recursos destinam-se ao ressarcimento de monitores, na aquisição dos kits de materiais, na contratação de pequenos serviços e na obtenção de materiais de consumo e permanentes. Os recursos podem ainda financiar a aquisição de instrumentos para implementação de rádios escolares, banda fanfarra, e outras atividades musicais.

Este programa se apresenta como uma das formas encontradas pelo Estado brasileiro em dar segmento na política de implementação da jornada de tempo integral por meio de ações socioeducativas, de forma gratuita, no interior da escola. Segundo a Portaria Normativa Interministerial n◦ 17, de 24 de abril de 2007, o programa mais educação tem como objetivo:

[...] contribuir para a formação integral de crianças, adolescentes e jovens, por meio da articulação de ações, de projetos e de programas do Governo Federal e suas atribuições às propostas, visões e práticas curriculares das redes públicas de ensino e das escolas, alterando o ambiente escolar e ampliando a oferta de saberes, métodos, processos e conteúdos educativos. O programa será implementado por meio do apoio à realização, em escolas e outros espaços socioculturais, de ações socioeducativas no contraturno escolar, incluindo os campos da educação, artes, cultura, esporte, lazer, mobilizado-os para a melhoria do desempenho educacional, o cultivo de relações entre professores, alunos, comunidades...” (BRASIL, 2007c, p. 19) O programa Mais Educação inaugurou nas políticas educacionais brasileiras a representação dos princípios organizativos no trato do conhecimento (saberes) por meio das chamadas Mandalas dos saberes, que buscam “por meio do diálogo entre saberes escolares e comunitários. [...] incorporar as diversas realidades territoriais brasileiras” (MEC/SECAD, 2009c, p. 7).

A seguir, apresenta-se a figura 1, que concebe o projeto do Mais Educação e que apresenta as supostas articulações pretendidas pelo MEC, entre os conhecimentos (saberes), seus macro-campos e seus respetivos entes mantenedores. Esta mandala apresenta os conhecimentos escolares divididos em 3 grandes áreas: Ciências da Natureza e Matemáticas, Linguagens e Tecnologias, e Sociedade e Cidadania.

É por meio destas áreas que se pretende estabelecer a relação entre os saberes escolares e comunitários, este último entendido como o universo cultural local, a bagagem cultural de conhecimentos que os alunos trazem para a escola. O intuito é usar tais saberes e idéias como ponto inicial e estimulo para que estes venham relacionar conceitos e formular os saberes escolares.

O programa prevê ainda, por meio de seu manual operacional de educação integral, nove orientações a serem consideradas para fins de implementação das ações acima mencionadas:

I. Contemplar a ampliação do tempo e do espaço educativo de suas redes e escolas, pautada pela noção de formação integral e emancipadora;

II. Promover a articulação, em âmbito local, entre as diversas políticas públicas que compõem o Programa e outras que atendam às mesmas finalidades;

III. Integrar as atividades ao projeto político-pedagógico das redes de ensino e escolas participantes;

IV. Promover, em parceria com os Ministérios e Secretarias Federais participantes, a capacitação de gestores locais;

V. Contribuir para a formação e o protagonismo de crianças, adolescentes e jovens;

VI. Fomentar a participação das famílias e comunidades nas atividades desenvolvidas, bem como da sociedade civil, de organizações não governamentais e esfera privada;

VII. Fomentar a geração de conhecimentos e tecnologias sociais, inclusive por meio de parceria com universidades, centros de estudos e pesquisas, dentre outros;

VIII. Desenvolver metodologias de planejamento das ações, que permitam a focalização da ação do Poder Público em territórios mais vulneráveis; e IX. Estimular a cooperação entre União, Estados, Distrito Federal e Municípios. (MEC, 2014, p. 5)

Embora tenha avançado substancialmente, o programa esbarra em seus próprios limites de estruturação, uma vez que o país ainda não possui uma política nacional de educação consubstanciada que permita/obrigue claramente seus entes federados a garantir sua plena execução, conforme nos mostra Vasconcelos:

O fato do Brasil não ter consolidado seu sistema nacional de educação, fragiliza a cooperação entre Estados, Municípios e União, condição necessária para construir uma política pública integrada, intersetorial e efetivamente “de Estado”, superando as descontinuidades da perspectiva meramente governamental. (VASCONCELOS, 2012 p. 248)

Outro limite a ser denunciado, diz respeito a sua concepção que amplia o tempo escolar, mas não necessariamente consegue superar a fragmentação inclusive de tempos e espaços no qual se desenvolvem as atividades rumo a uma educação integral.

Estes limites impostos podem ser analisados sob o ponto de vistas das próprias contradições e mediações vivenciadas no contexto sócio histórico, político e cultural pelo qual as políticas setoriais de educação têm sido submetidas no Brasil nas últimas décadas, que seja pela sua estrutura hierarquizada e pouco democratizada; a precária realidade das infraestruturas e instalações escolares; as péssimas condições de trabalho, de remuneração e valorização docentes; a carência de uma identidade programática com a classe à qual dialoga; ou ainda pelo jogo político de interesses que ainda impera no cenário nacional. Não se pode perder de vista que estamos falando de um programa ousado que se insere em um movimento histórico do real

impregnado culturalmente por projeto de educação neoliberal, dentro de um estado burocratizado e capitalista:

Visto assim, o Programa Mais Educação sofre sua contradição central ao instalar-se no âmbito da agenda política de um país capitalista e ao reproduzir em sua identidade e dinâmica alguns elementos que ainda impedem sua execução como política de Estado, permanente e orgânica na direção da efetiva educação de qualidade social. (VASCONCELOS, 2012 p. 248) Para além destes avanços não se pode perder de vista que paralelamente com a ampliação do tempo e do espaço educativo e a extensão do ambiente escolar por meio do Programa Mais Educação, vem acompanhada de um movimento ditado por um Estado neoliberal, de ampliação/flexibilização do espaço educativo sob o pressuposto de valorizar a diversidade e os espaços alternativos de aprendizagens, ou seja, esta solução de flexibilização dos espaços escolares apresenta-se como mais uma forma de economia de grandes investimentos financeiros pelo Estado com profundos nexos com a lógica política imposta pelas novas formas de organização empresarial, através da chamada a gestão Intersetorial, a saber, o compartilhamento entre os entes federados “[...] de competências políticas, técnicas e financeiras para a execução de programas de manutenção e desenvolvimento da educação, de forma a consertar a atuação dos entes federados sem lhes ferir a autonomia” (Brasil. MEC, 2007, p. 10), “em outras palavras acaba sendo sinônimo de espaço precário para uma educação também precária” (SILVA; SILVA, 2013, p. 712).

Estas políticas públicas também atribuíram a escola uma ampliação de suas finalidades especificas, tais como: promover o atendimento educacional especializado às crianças com necessidades educacionais especiais; prevenir e combater o trabalho infantil, a exploração sexual e outras formas de violência contra crianças, adolescentes e jovens; combater a evasão escolar, a reprovação e a distorção idade/série; ampliar o fomento das práticas corporais, educacionais e de lazer; e promover a aproximação entre a escola, famílias e a comunidade (BRASIL, 2007c).

Esta ampliação de atribuições passa pela responsabilização de professores e da própria instituição escolar por possíveis fracassos e insucessos ocorridos no decorrer do processo, além de também estar atrelada a um contexto de redução de gastos nas demais áreas como segurança pública, saúde e lazer. Ainda segundo Silva e Silva.

[...] em vez de superar as experiências passadas, renova e aprofunda a idéia de educação compensatória, robustecendo a escola com uma série de tarefas não propriamente educativas, que só podem gerar sobrecarga e intensificação do trabalho dos educadores e encurtar a sua função de socialização do conhecimento historicamente acumulado. Isso porque a ampliação da jornada escolar não vem acompanhada da garantia das condições de trabalho adequadas, sendo a maior parte das responsabilidades repassada aos estados e municípios que são, em sua grande maioria, detentores de parcos orçamentos. (SILVA; SILVA, 2013, p. 715)

O fato é que mesmo diante deste quadro, o programa Mais educação tem se mostrado um importante instrumento de reordenamento pedagógico e estrutural para a escola pública brasileira como um forte mecanismo de impulso na luta pela implementação universalizada de modelos de educação integral por todo o território nacional.

Para Pegorer (2014), a proposta de ampliação do tempo escolar, por meio das escolas de regime de tempo integral, tal qual preconiza o Decreto que instituiu o programa Mais Educação é o início da retomada caminhada para a educação integral no Brasil, que, para Vasconcelos,

[...] revela como esta política, aparentemente transitória, pode vir a ser uma possibilidade concreta na mediação do salto de qualidade entre a escola atual, reduzida em tempo e qualidade, e a escola hoje vista como “ampliada” que, uma vez universalizada, corresponderia à expectativa essencial, ao menos no quesito tempo escolar, de educação, elencada como um dos direitos humanos básicos na sociedade contemporânea. (VASCONCELOS, 2012, p. 249).

Estudos a cerca deste programa tem se mostrado pertinentes e necessários pois, as reformulações contemporâneas para a construção de modelos de educação integral, intercultural e intersetorial, vem se consolidando cada vez mais por meio de concepções fundamentadas em teorias pós-moderna/pós-estruturalista que, no plano educacional, associadas a pedagogia das competências (que são desenvolvidas com vistas a garantir a empregabilidade) e à teoria do capital humano (a crise do trabalho é um problema individual) respaldam a ideia da flexibilização e da retirada de direitos da classe trabalhadora, do consumismo, da competição e do individualismo (FRIGOTTO, 2009), e não obstante serviram, e servem ainda hoje, de base para a continuidade das ações do Estado brasileiro para superar este caráter compensatório e transitório que tem se apossado historicamente da política educacional nacional.

Com o pontapé inicial dado por meios dos programas acima apresentados, outros marcos regulatórios vieram em seguida na tentativa de dar continuidade no cumprimento das demandas da educação integral no Brasil, dentre elas podemos destacar a Lei 13.005/14 (atual Plano Nacional de Educação) mais especificamente em sua meta 6 já citada anteriormente, além de inúmeras cartilhas e orientações publicadas pelo MEC. Cabe agora, portanto discutir o conteúdo presente nestas orientações materializados nas propostas de currículos para educação integral oriundas dos órgãos governamentais, este debate é o foco seguinte neste estudo.

2.2.4 Ensino Médio Integral: O currículo proposto pelos órgãos governamentais no