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Capítulo 2 – O Processo de Integração Regional em África

2.2.2. A Organização da Unidade Africana

A Organização da Unidade Africana (OUA) foi fundada em Adis Abeba, capital da Etiópia, a 25 de Maio de 1963 por líderes de 31 estados africanos. No cerne da decisão de criar a organização tiveram destaque questões ligadas à identidade africana e interesses ligados à libertação e integração dos estados africanos e que acabaram por ditar ab initio os principais objetivos da organização continental. De entre elas,

atenção primordial foi dada à firme vontade e determinação de libertar totalmente o continente africano do poder colonial, não excluindo mesmo o poder regulado por minorias brancas, com referência particular para o caso da África do Sul e do seu hediondo regime do apartheid.

Kwame Nkrumah, principal defensor da unidade africana, defendia a construção de uma Comunidade Africana una e indivisível, com o objetivo único e imediato de se atingir em África uma União Política. Segundo este percursor da ideia pan-africanista em África, a Unidade Africana nas suas formas política e económica a nível continental deveria assentar em três principais objectivos, a saber: 1) pensar o futuro da África através de um plano económico no seu todo, com uma base continental e com o intuito de aumentar o potencial de industrialização e de poder económico; 2) Estabelecer uma política de defesa comum, com um exército unificado e uma mesma estratégia de defesa e 3) Aliar os dois objectivos supracitados, defendendo a ideia de uma política externa unificada, bem como de uma diplomacia africana que, entre outros, pugnasse por um posicionamento e uma direção política orientados para o desenvolvimento económico e social do continente africano (NKRUMAH, 1963).

Contudo, muito em decorrência de lutas ideológicas internas entre os novos estados africanos na década de 1960, a OUA acabou por não conseguir impregnar-se dos ideais pan-africanistas de Kwame Nkrumah, pois uma boa parte dos dirigentes políticos africanos de então demonstravam algumas reticências em relação à ideia de uma União Política continental que levasse a um mercado comum.

Frente a este quadro, a OUA foi constituída já num ambiente de atropelos e, cedo, constituiu-se numa organização obrigada a fazer face a uma série de desafios. Desde logo, aqueles ligados ao facto de, ainda em 1963, o movimento das independências não se encontrar completo, pois que, por exemplo, as colónias portuguesas não se encontravam libertadas, só vindo estas a conseguir as suas independências em 1975. Por outro lado, mais a sul do continente, a Rodésia (atual Zimbabué) continuava sob o jugo colonial, sendo que o apartheid só viria a ser desmantelado em 1994. Ademais, ainda se faziam sentir diferenças políticas entre os

novos estados independentes no que tocava à unificação do continente. Na realidade, face a uma falta generalizada de recursos humanos, materiais e financeiros o projeto de união política do continente tornou-se tarefa cada vez mais difícil de concretizar, acabando por fazer desvanecer os ideais de Nkrumah, não obstante o facto de muitos dos estados terem continuado focalizados na libertação geral de África (AYITTEY, 2010).

O ideal da unidade africana ficou ainda mais abalado quando, em 1966, Kwame Nkrumah foi deposto do cargo de Primeiro-ministro por um golpe de estado no Gana. Este acontecimento criou um enorme vazio no movimento Pan-africano que, desde então, começou a sofrer de soluções de continuidade e a ser quase que votado ao esquecimento, apesar da insistência de alguns pan-africanistas convictos como Julius Nyerere da Tanzânia ou Kenneth Kaunda da Zâmbia. Na realidade, sem uma liderança forte e clarividente, a OUA viu no pan-africanismo continental apenas um sonho e uma estratégia de apoio para a abordagem aos inúmeros problemas económicos vividos em África (AYITTEY, 2010).

Todavia, sem dúvidas que a miragem do pan-africanismo acabou por levar às primeiras revelações de uma vontade para a unificação africana através da integração económica. Acontece que a quase maioria dos países africanos eram economicamente inviáveis, pelo que os projetos de desenvolvimento, pensados e gizados durante os anos 1960, tiveram pouco sucesso muito em decorrência do facto de a corrida para a industrialização, que veio a ser prosseguida em cada país, tivesse sido objecto de pouca coordenação entre os mesmos. Na verdade, não fazia sentido que numa mesma região pudessem existir três ou mais países com fábricas ou linhas aéreas concorrentes para servir pequenos mercados locais e, ao mesmo tempo, tivessem esses países de enfrentar inúmeros desafios decorrentes das problemáticas ligadas a fronteiras coloniais artificiais e à adopção de diferentes moedas que, impediam o comércio entre países vizinhos.

No entanto, no decorrer dos anos 1980, começaram a ser pensadas e implementadas políticas pró-ativas para promover a integração regional em África, tendo sido criadas organizações de cooperação regional, como a Comunidade

Económica dos Estados da África Ocidental (CEDEAO), a Comunidade da África Oriental (CAO) e a Comunidade para o Desenvolvimento da África Austral (CDA), mais conhecida pelo seu acrónimo em inglês (SADC). Ainda assim, entre 1966 e 2001, a OUA conheceu um longo período de dificuldades e constrangimentos financeiros e orçamentais, aliado a inúmeras disputas internas que a fizeram perder o foco e o obejctivo da integração africana.

Entretanto, muitos dos analistas e críticos dessas diferentes etapas de consolidação institucional da OUA evocaram como uma das grandes falhas dessa organização o facto de ela não ter conseguido defender o povo africano dos excessos tirânicos de muitos Chefes de Estado de então, o que levou a que a performance da organização pouco tenha progredido, tendo esta, inclusivamente, perdido muito da sua credibilidade, por ter registado falhas consideráveis nos capítulos da proteção dos direitos humanos e da promoção da democracia.

Ademais, a defesa incontida e exacerbada, pela OUA, do sacrossanto princípio da ‘não ingerência nos assuntos internos dos estados’, obrigou a que que a organização tivesse de compactuar, de forma silenciosa, com inúmeras violações grotescas dos direitos humanos em muitos países africanos. Durante o mesmo período, assistiu-se a uma intensificação de várias insurreições internas que acabaram por conduzir, em muitos casos, a guerras fratricidas e intraestatais prosseguidas sob o beneplácito da OUA, a qual, verdadeiramente, acabou por não conseguir gerir todos esses conflitos e a não poder atender aos inúmeros desafios que se colocaram a nível da manutenção da paz no continente.

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