• Nenhum resultado encontrado

A orientação do modelo de intervenção estatal no governo progressista

3 SURGIMENTO DA AFAM-PE: o governo progressita e o conjunto de mudanças

3.2 A orientação do modelo de intervenção estatal no governo progressista

Concomitantemente com uma ordem econômica sem alterações substanciais em relação aos governos anteriores e sem restrições para o capital, desde sua ascensão, o governo progressista se propôs a fazer um conjunto de mudanças nas políticas sociais, tendentes a renovar a matriz de proteção social do país.

Neste sentido, em um dos documentos oficiais, onde se expõem os princípios ético-políticos que fundamentam as ações direcionadas para essas mudanças, é colocado que:

El propósito del Plan es fortalecer todos los dispositivos públicos existentes, introducir transformaciones sustantivas en la organización de las estructuras e instrumentos de protección social y mejorar sensiblemente la provisión y regulación de servicios sociales apuntando así a promover parámetros políticamente aceptables de integración y justicia social com la finalidade última de assegurar el bienestar de los uruguayos y las uruguayas. (BURJEL, 2007, p. 9).

Desta forma, o governo colocou em andamento a revisão de um conjunto amplo de políticas sociais, a partir do que foram implementadas mudanças em diversos âmbitos

dessas políticas e especialmente foi desenvolvido um conjunto de ações destinadas aos setores mais desfavorecidos.

Segundo é colocado por Antia e Midaglia (2015), o governo processou desta forma uma nova fase de expansão da cobertura da política assistencial, com a intenção de atingir a um conjunto de setores sociais que ficaram de fora das proteções sociais, construídas historicamente em torno do mercado de trabalho formal.

Este processo de expansão que o governo propôs e que foi entendido como uma modernização da rede de Assistência e Integração Social, foi dividido em dois momentos. Num primeiro momento quando se criou o MIDES para implementar o PANES, que como seu nome o indica, foi um plano temporário, desenvolvido entre 2005 e 2007, e um segundo momento quando se implementou o Plan de Equidad Social, como estratégia de caráter permanente e dentro do qual foi reformado o regime de Asignación Familiar.

Na primeira etapa das mudanças desenvolvidas pelo governo progressista, uma das primeiras medidas tomadas foi a criação do MIDES, em 2005, que do ponto de vista da estrutura estatal, implicou a criação sem precedentes no país de uma institucionalidade especializada na atenção a situações de vulnerabilidade social.

Dos objetivos que se atribuíram a esta nova institucionalidade destaca-se o de: […] formular, ejecutar, supervisar, coordinar, programar, dar seguimiento y evaluar las políticas, estrategias y planes en las áreas de juventud, mujer y familia, adultos mayores, discapacitados y desarrollo social en general […] Coordinar las acciones, planes y programas intersectoriales, implementados por el Poder Ejecutivo para garantizar el pleno ejercicio de los derechos sociales a la alimentación, a la salud, a la vivienda, al disfrute de un medio ambiente sano, al trabajo, a la seguridad social y a la no discriminación. (URUGUAY, 2005, art. 9).

Esta afirmação pareceria lhe outorgar o caráter de uma institucionalidade pública na qual se concentra a autoridade máxima em matéria de intervenção social, balizando os pontos estratégicos para atingir o que seu título indica O Desenvolvimento Social.

Contudo, a função na qual se especializou não deve ser confundida com a de ente coordenador das políticas sociais em geral, que transversalizam diversas institucionalidades do aparelho estatal, mas sim o que dá a marca específica desta nova institucionalidade é a de coordenar e implementar políticas focalizadas e assistenciais, executadas em grande parte pela sociedade civil. (BENTURA, 2010).

Seguindo a análise de Midaglia, Castillo e Fuentes (2010), esta reestruturação institucional ao nível do Estado não é privativa do Uruguai e aconteceu em diversos países de América do Sul, desde finais do século XX e começos do século XXI, com o objetivo essencial de desenvolver programas de combate à pobreza ou modernos planes sociais, que

procuram articular diversas prestações públicas, muito especialmente através de transferências condicionadas de renda.

Segundo analisam os autores:

La característica distintiva de estos nuevos ministerios que se inscriben en el campo público social es que su operativa pretende superar la típica sectorialidad en la que se estructura la esfera estatal. La transversalidad de sus intervenciones pasaría a ser su rasgo distintivo, ya sea por tener a cargo la ejecución de iniciativas sociales que involucran a grupos de población o regiones específicas, o porque se les adjudica la original tarea institucional de articular y coordinar la provisión social que se dirige a sectores o localidades vulnerables [...] (MIDAGLIA; CASTILLO; FUENTES, 2010, p. 131).

Tal como expressam os autores, estas novas instituições se encontram dentro de um processo de reconfiguração das políticas sociais e apresentam uma nova mudança nessas reconfigurações já que instalam numa ordem superior da esfera pública as ações focalizadas e assistenciais, que, nos últimos anos, se desenvolveram de forma dispersa sobre diferentes grupos de populações.

Desta forma, a criação do MIDES, no Uruguai, supôs a criação de uma instituição encarregada, não só de desenvolver práticas sobre grupos específicos da população, mas também de desenvolver discursos classificatórios sobre esses grupos. Assim, entre suas competências substantivas destaca-se:

Diseñar, organizar y administrar un sistema de identificación, selección y registro único de los núcleos familiares o individuos habilitados para acceder a los programas sociales, sujetos a criterios de objetividad, transparencia, selectividad, temporalidad y respetando el derecho de privacidad en los datos que así lo requieran. (URUGUAY, 2005, art. 9, literal E).

Deste modo, a intervenção sobre o social desta nova institucionalidade se materializa nesse saber técnico especializado sobre o indivíduo, e os componentes que balizam a vulnerabilidade social que esses indivíduos carregam. Interpretação a partir da qual se medem e classificam as populações para posteriormente desenvolver as ações de assistência, sob um controle bastante rigoroso de que os indivíduos classificados cumpram com os critérios dessa classificação anterior na qual se os situa.

Sobre esta intervenção se apoia o desenvolvimento social, cujo fundamento aparece, assim, como a aplicação de um conhecimento técnico sobre problemas particulares e concretos. Mas, como aponta Sachs (1996), a ideia de desenvolvimento, longe de encarnar uma racionalidade meramente técnica implica um molde particular a partir do qual se pensa a realidade.

Porque el desarrollo es mucho más que un mero esfuerzo socioeconómico: es una percepción que moldea la realidad, un mito que conforta a las sociedades y una fantasía que desata pasiones. Las percepciones, los mitos y las fantasías, sin

embargo, brotan y mueren independientemente de los resultados empíricos y de las conclusiones racionales […] (SACHS, 1996, p. 3).

Muito longe levaria analisar o modo a partir do qual se pensa a realidade a partir das ações materializadas pelo MIDES, mas as linhas gerais dessas ações parecem movimentadas pela ideia de que uma intervenção especializada na identificação e intervenção sobre vulnerabilidades sociais constitui o caminho a partir do qual tem que ser construído, qual seja, o desenvolvimento social, ideia que cobrou corpo nos dos grandes planos desenhados para canalizar a sua intervenção no mundo social.