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A paisagem como produto e sistema

2 FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA

2.3 A paisagem como produto e sistema

A abordagem da paisagem como um produto acrescenta à discussão as questões sociais que envolvem a apropriação do espaço, os condicionantes culturais e os aspectos econômicos de um território ou região.

Macedo (1993, 1998, 1999) adota as premissas das metodologias de projeto de paisagem definidas por Delpoux (1997) e Odun (1976), descritas anteriormente, ao afirmar que todo processo de ocupação, de desenho e de projeto de um espaço deve considerar as características funcionais do suporte físico, tanto do solo, quanto do subsolo, suas redes de drenagem e as suscetibilidades diante da ação antrópica. Contudo, ao conceituar a paisagem, o autor vai além das abordagens físicas, e agrega a questão social ao seu discurso:

A paisagem é considerada então como um produto e como um sistema;

como um produto porque é resultado de um processo social de ocupação e gestão de um território; e como um sistema, na medida que a partir de qualquer ação sobre ela impressa, com certeza haverá uma reação correspondente, no caso equivalendo ao surgimento de uma alteração morfológica parcial ou total. Estas duas posturas se interpenetram e são totalmente dependentes uma da outra, como também é um fato, que toda

paisagem está ligada a uma ótica de percepção humana, a um ponto de vista social e que sempre representa total ou parcialmente um ambiente (MACEDO, 1993, p. 11, itálico adicionado).

O autor entende o produto não como uma imagem, mas como uma estrutura morfológica determinada, que pode ser mensurada, quantificada e qualificada, que está em constante processo de transformação. Estas transformações, “podem ser mínimas, imperceptíveis, como o crescimento de epitefas em um bosque, radicais

como a construção de um canal ou represa, ou mesmo de uma cidade nova” (MACEDO, 1998, p.77).

Sendo assim, Macedo (1999) atribui três tipos de qualidade a cada paisagem, que são:

1. Ambiental – que mede as possibilidades de vida e sobrevida de todos os seres vivos e das comunidades nele existentes;

2. Funcional – que avalia o grau de eficiência do lugar no tocante ao funcionamento da sociedade humana;

3. Estética – valores com características puramente sociais, que cada comunidade em um momento do tempo atribui a algum lugar.

Para esse autor, ao se agir sobre o espaço de modo a transformá-lo em lugares para a vida humana e se obter um resultado que se harmonize com as características do lugar, é necessário considerar dentro do projeto de intervenção os três tipos de qualidade acima descritos, além de uma série de quesitos. Assim, deve-se avaliar o suporte físico, as características climáticas do lugar e as diferentes formas e possibilidades de adaptação das comunidades de seres vivos a essas características. Além disso, as peculiaridades dos ecossistemas existentes, os valores sociais e culturais do local, os padrões de ocupação antrópica, o grau de processamento das estruturas ambientais existentes e a análise das características dos elementos componentes da estrutura morfológica da paisagem são aspectos a serem valorizados ao se intervir em uma paisagem.

No entanto, a realidade brasileira mostra-se diferente quanto ao ideal exposto. Segundo Macedo (1993), tais pressupostos dificilmente são aplicados na prática nos processos de assentamento urbano, devido às mais diversas formas de imposição, principalmente as de caráter político e econômico.

Ao trazer a discussão para a realidade brasileira, esse autor afirma que é necessário adotar e recriar toda uma estrutura conceitual e metodológica adequada a realidade local, para se obter resultados objetivos:

O caso brasileiro exige um enfoque especial, tanto pela dimensão de seu território, quanto pela diversidade de seus ambientes e portanto de seus ecossistemas, e pela variedade de suas paisagens em diferentes graus de processamento, desde o estágio primitivo, como as florestas do Amazonas até o altamente elaborado Vale do Rio Tietê, no estado de São Paulo, atualmente em sua quinta forma de ocupação (MACEDO,1993, p. 14).

A aplicação dos métodos de planejamento de paisagens deve observar as formas de apropriação do espaço, que são particulares a cada região e cultura, e, portanto, necessitam de abordagens focadas em sua própria realidade. Nesse sentido, deve- se avaliar as questões socioeconômicas e históricas que tornaram possível a configuração da paisagem para aquele determinado lugar, para então se propor melhorias ou mudanças.

Com relação à apropriação do espaço baseada em estudos filosóficos e teóricos sobre a questão da paisagem, Leite acrescenta à discussão aspectos como o sistema produtivo e a sua relação com a forma do espaço. Segundo a autora:

A paisagem é resultado do equilíbrio entre múltiplas forças e processos temporais e espaciais. Em certa medida, a paisagem é um reflexo da visão

social do sistema produtivo e suas formas transformam-se ou desaparecem

sempre que as teorias, filosofias e necessidades que as criaram não são mais reais ou auto-evidentes (LEITE, 1994, p. 7).

Pautada em processos para se identificar uma paisagem, essa autora pensa ser possível diferenciá-los através das relações econômicas e naturais que ocorrem em cada região especificamente. Para ela, deve-se considerar “uma paisagem como entidade espacial que depende da história econômica, cultural e ideológica de cada sociedade” (LEITE, 1994, p. 50).

Diante do explicitado, percebe-se que o método de projeto e o conceito de paisagem visto sob a ótica de vários autores demonstram que as linhas de pensamento, de um modo geral, convergem para pontos em comum. A maior parte dessas definições envolve a noção de espaço aberto, espaço “vivenciado” ou de espaço de inter- relação do homem com o seu ambiente.

Apesar de, ao longo do tempo, o pensamento agregar novas abordagens, como escalas de abrangência diferenciadas, as questões culturais, sociais, e dos sistemas produtivos, a maior parte dos autores concorda que a paisagem deve ser vista como a interação entre o homem e a natureza.

Sendo assim, baseado nas diversas teorias estudadas, adota-se neste estudo a paisagem como a transformação das formas de ocupação em um determinado tempo, resultante de aspectos físicos – geológicos, hidrológicos, vegetais -, e das interferências humanas sobre esse suporte físico – aspectos sociais, culturais, políticos e econômicos.

2.4 Paisagem, crescimento urbano e as novas configurações das bordas