• Nenhum resultado encontrado

PARTE 1 – ENQUADRAMENTO CONCEPTUAL

1.1. Transição para a parentalidade enquanto processo de desenvolvimento

1.1.3. A parentalidade no ciclo vital da família

As profundas mudanças que vêm ocorrendo, nos últimos séculos, nas sociedades ocidentais, em geral, e nas famílias, em particular, têm tido importantes impactos na paren- talidade, colocando novos desafios aos progenitores nessa função, já per si, extremamente exigente.

A família tem um papel central nas sociedades, pois é a partir dela que as sociedades se constituem, organizam e funcionam, sendo através do crescimento e desenvolvimento dos seus membros que estes aprendem a viver em comum, adquirindo normas, valores e cultura vigentes (Cardoso, 2011; Winnicott, 1989). Sendo assim, face à importância da família na sociedade é imprescindível que o Estado e a sociedade em geral, contribua de

forma efetiva na criação de condições para que os seus membros se possam tornar pais e mães, aquando do exercício da função parental. Sendo a família uma das instituições mais importantes da sociedade, representa o principal grupo social que influencia e é influen- ciado por outras pessoas e instituições. Apesar dos vários conceitos e das diferenças que lhe estão inerentes, podemos dizer que a família assenta basicamente no conjunto de relações e interações que os seus membros estabelecem, não só entre si, como também com o meio onde se encontram incluídos (Relvas, 2006).

Segundo a Classificação Internacional para a Prática de Enfermagem, a família é definida como:

“Grupo: unidade social ou todo coletivo composto por pessoas ligadas através de consanguinidade, afinidade, relações emocionais ou legais, sendo a unidade ou o todo considerado como um sistema que é maior do que a soma das partes.” (CIPE, 2015, p. 143).

Denota-se, com esta definição, uma grande abrangência do conceito de família, a qual acompanha a evolução verificada nas sociedades. A este propósito, também a Organi- zação Mundial de Saúde (OMS, 2015), considera que a definição de família não pode limitar-se a laços de sangue, casamento, parceria sexual ou adoção. Qualquer grupo cujas ligações sejam baseadas na confiança, suporte mútuo e um destino comum, pode ser encarado como família. Ao referir-se à família como “um conjunto de indivíduos que desenvolvem entre si, de forma sistemática e organizada, interações particulares que lhe conferem individualidade grupal e autonomia”, Relvas (1997, citado por Relvas e Lourenço, 2001, p. 107) introduz as noções de interação e organização. No mesmo sentido, Alarcão (2006, p. 28) refere que a família representa “um sistema organizado que aceita um conjunto finito de transformações estruturais, conservando sempre a sua organização”. Enquanto sistema, a família pressupõe uma interação dos seus elementos em que a modificação num deles provoca alterações nos restantes.

Todas as famílias em transição para a parentalidade têm uma estrutura própria de referência que deve ser avaliada, reconhecida e entendida. Torna-se assim, essencial para a promoção da parentalidade, a avaliação dos padrões da família, de comportamentos de saúde, estilos de vida, crenças, valores e perceções, bem como barreiras de comportamento de saúde (Lasio, Putzu, & Serri, 2018).

Ao longo do seu ciclo de vida o ser humano passa por várias fases de transição, podendo o seu surgimento ser precipitado por um determinado acontecimento, como por exemplo o nascimento de um filho. Esta transição pode ser planeada e desejada, uma escolha pessoal, ou pelo contrário ser alheio à vontade da pessoa. Esta transição para a parentalidade provoca profundas alterações na vida de cada um, que se repercutem em

todos os elementos da família. O nascimento de um filho marca uma nova etapa da vida do casal, provocando uma mudança de perspetiva, reorganização familiar e um aumento de responsabilidade (Mendes, 2009).

A importância da família ao longo dos tempos tem vindo a aumentar, e conhecer o seu papel no ciclo vital, é fundamental para compreender a vivência da parentalidade. Torna- -se, pois, importante conhecer o conceito de família, funções e papéis atribuídos aos seus membros, assim como as formas de organização e tarefas desenvolvimentais que ocorrem durante as várias etapas do ciclo vital (Martins, Abreu, & Figueiredo, 2017).

Para que se entenda, o ciclo vital consiste no conjunto de etapas que uma unidade familiar atravessa desde a sua constituição até ao seu desaparecimento, especificando as suas principais características, tarefas, dificuldades e potencialidades (Alarcão, 2006).

O ciclo vital da família enquanto “sequência previsível de transformações na organização familiar em função do cumprimento de tarefas bem definidas”, dá-nos conta de mudanças em cinco etapas sucessivas. Neste contexto, Relvas (2006), na sua abordagem sistémica da família, propõe as cinco etapas de desenvolvimento do ciclo vital, com tarefas específicas em cada uma delas. Estas etapas são as seguintes:

– Formação do casal: é o início da família nuclear, dois indivíduos em função dos desejos ou projetos, ao construírem uma nova estrutura familiar, estão a construir um novo sistema com normas, padrões e valores próprios, trazendo um património individual, que passará a fazer parte de um património comum. A negociação e a renegociação fazem parte da formação do casal, daí resultando sentimentos de pertença e vinculação aos elementos que constituem a nova família.

– Família com filhos pequenos: o início desta etapa corresponde ao nascimento do primeiro filho. É um acontecimento que exige reorganização e implica transformações e adaptações significativas passando por uma definição e redefinição de papéis parentais e limites face ao exterior.

– Família com filhos na escola: é o prolongamento da etapa anterior, a entrada na escola primária é considerada um marco no ciclo vital porque reflete o dever social da educação, partilhado com outra “instituição”, que não a família.

– Família com filhos adolescentes: é a fase de adolescência dos elementos mais jovens da família, sendo ainda um período de redefinição do equilíbrio individual, social e familiar.

O contexto envolvente irá desempenhar um papel preponderante na forma como as famílias experienciam e ultrapassam esta etapa, uma vez que ocorre uma entrada e saída de valores, normas e interesses que são transportados dos e para os diferentes contextos (escola, família, grupo de amigos).

– Família com filhos adultos: é caracterizada basicamente pela intergeracionalidade. A família multigeracional é um tipo de família dominante nos nossos dias que advém do aumento significativo da esperança de vida resultante dos avanços tecnológicos e da ciência médica.

Atendendo aos objetivos do presente estudo, centrámo-nos em duas destas fases: Formação do casal e famílias com filhos pequenos.

Com o nascimento do primeiro filho inicia-se uma nova fase de transição do ciclo vital familiar. A díade alarga-se à tríade, e a “revolução” afetiva do casal é acompanhada de uma redistribuição de papéis, funções e imagens identificativas a três níveis: no seio do próprio par, nas relações entre os membros do casal e as famílias de origem e nas relações com os contextos envolventes mais significativos (profissional, de amizades, rede de suporte social, entre outros) em que as tarefas indicadas são relativas às exigências colocadas à família pelo nível etário e desenvolvimento das crianças (Alarcão, 2006).

É na segunda etapa do desenvolvimento do ciclo vital “família com filhos pequenos” que, de acordo com Relvas (2006), “os novos pais organizam o modelo parental”. Este modelo é composto pelos modelos maternal e paternal, e é através desta representação que, segundo a autora, é possível assumir a função parental. A dimensão sociocultural exerce um papel relevante no modo como é encarada esta função. Nesta medida, com a evolução e as transformações sociais ocorridas tem-se verificado uma mudança significativa nos papéis atribuídos, quer ao pai quer à mãe, constatando-se cada vez mais que ambos exercem um papel complementar no exercício da parentalidade.

De facto, quando surge o primeiro filho, ocorre uma transformação na família, e conduz a uma reorganização da função conjugal para a função parental. A relação que se estabelece entre mãe e filho pode levar a que o pai se sinta colocado em segundo plano (Alarcão, 2006). Por esta razão, Relvas (2006), referenciou que o nascimento de uma criança leva geralmente a uma diminuição na intimidade e satisfação conjugal, como, por exemplo, a nível das relações sexuais e do tempo e atenção mutuamente disponível do casal.

Face ao referido, entende-se que a família no seu processo de desenvolvimento apresenta especificidades e semelhanças, que de acordo com as suas potencialidades e dificuldades, se vão modificando ao longo de todo o processo de desenvolvimento e que vão definindo a sua identidade.

O nascimento do primeiro filho reforça algumas das alterações já sentidas no início da vida conjugal (1º etapa de desenvolvimento do ciclo vital de Relvas – formação do casal), promovendo perdas, nomeadamente em termos do tempo pessoal, que deixam de ser negativas e passam a ser consideradas com indiferença (Wall, 2005, p. 373). O casal vive conflitos específicos aquando do nascimento do primeiro filho, e essas mudanças são

sentidas diferentemente. Cowan e Cowan (2000), referem que a diferença entre homens e mulheres é sentida de forma distinta: as mulheres apresentam uma diminuição da satisfação conjugal, e os homens percecionam esta diminuição. Este declínio é mais acentuado para as mulheres, pois com o aumento do número de membros da família, das tarefas e exigências, os momentos para um diálogo privado ou uma intimidade ficam reduzidos (Vicente, 2010).