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3.2 A qualidade dos contextos de educação de bebés

3. A participação dos bebés em CAT

6.1 Conceções (contra) hegemónicas sobre os bebés 1 A voz dos bebés

6.3.1 A participação dos bebés na investigação: entre desafios e constrangimentos

Para a presente investigação, com os bebés, foi apenas possível utilizar o método de recolha de dados de observação com registo em diário de campo. Assim, a investigadora surge no quotidiano das crianças enquanto um elemento com pouca interação (a pedido dos CAT), isenta de funções de cuidados ou de supervisão, e munida de escasso material – apenas um caderno e uma esferográfica.

Ao longo do tempo as crianças foram convidando a investigadora a participar nas suas brincadeiras, pedindo apoio para ultrapassarem dificuldades nas suas brincadeiras, solicitando alguma mediação ou proteção nos conflitos com os seus pares, de tal forma que não era possível continuar numa perspetiva de observação não participativa.

O caderno e a esferográfica foram alvos de muita curiosidade visto serem materiais que não eram muito utilizados pelos bebés no contexto de CAT. Pareciam até surgir nalgumas crianças enquanto materiais que outrora foram proibidos e que portanto eram alvo de um enorme desejo de posse, tal como se fosse um tesouro.

“Bomboca senta-se no chão e choraminga. Estica a mão na direção de P (psicóloga). Esta diz-lhe “anda”. Ele desliza pelo chão com o rabo no chão até conseguir agarrar a mão de P. Ela pega-o ao colo e ele sorri. Depois P. senta- se no sofá junto de mim com Bomboca ao seu colo. P. conversa comigo. Bomboca põe a sua mão em cima do meu caderno. Agarra uma folha e passa o dedo sobre a fita do meu moleskine. Depois agarra na caneta que tenho na mão. Deixo que o menino explore esse instrumento. Ao largar a caneta para que ele possa tomar posse dela, o menino olha para mim. Sorri ao olhar para a

87 caneta na sua mão. De seguida P. pede-lhe a caneta, “dá”, esticando a sua mão na direção do menino. Ele entrega-lhe a caneta e P. devolve-ma. Bomboca olha para mim e sorri. P. pega-o ao colo e ele encolhe-se escondendo ligeiramente a sua cara. P. achando-o envergonhado refere “ai … que eu já me apaixonei!”. Eu sorrio e o menino sorri para mim.” (Diário de Campo, Sala de Lazer, CAT1, 1 de fevereiro de 2012, 11h)

“Conguita vem ter comigo e diz “aqui” indicando-me onde devo escrever. Pega na caneta e escreve. Debruça-se sobre o caderno observando-me a escrever. Olha a caneta de muito perto e coloca-a na mão na minha perna. Moranguinho vem ver. Conguita diz “nã mexe… vai bincar a bebé”. As meninas encostam a cara ao caderno muito perto da caneta. Conguita afasta a cara de Moranguinho com a sua mão. “O qué ito?” pergunta Moranguinho. Conguita ralha e diz “nã olha o bebé” apontando para o carrinho que Moranguinho trazia. Moranguinho bate em Conguita na sua cabeça. Conguita olha para mim e espera que a socorra. Antes disto, agarra-me na mão que apoia o caderno. Ouve-se a música do Batatoon. Ruca2 roda na sala ao som da música. Thor vem ter comigo e tenta tirar-me a caneta. Eu explico que não pode ser. Ela dá- me um livro esperando que lhe dê o caderno e fica zangado por não trocar com ele e vira-me as costas. Conguita bate no caderno ao som da música. Moranguinho tira o bebé do carrinho e volta a ajeitá-lo. Conguita coloca-se em cima de uma garagem. Depois, volta a vir mexer no caderno e estica o elástico do meu caderno, largando-o a seguir. Mexe nas folhas e volta à garagem. Thor vem observar-me com uns binóculos nos olhos. Eu digo-lhe que experimente ao contrário e ele espreita virando o brinquedo.” (Diário de Campo, Sala de Estar, CAT2, 13 de fevereiro de 2012, 17h)

As crianças mais crescidas também interagiram com a investigadora mostrando curiosidade pelo que era escrito, chegando mesmo a solicitar a leitura de pequenos excertos. Noutras ocasiões, estas crianças, davam indicações do que poderia ser escrito, com intenção de descrever a ação dos bebés e ainda denunciar o suposto mau comportamento dos mesmos. Alguns destes meninos solicitaram ainda a escrita e a realização de desenhos no caderno da investigadora, o qual foi permitido, incentivado e negociado com as crianças de forma a garantir oportunidades de participação destas e de tempos de observação dos bebés (cf. Fernandes, 2009; Coutinho, 2010; Tomás, 2011).

Tal como foi referido, ao longo do período de observações os bebés foram envolvendo a investigadora nas suas atividades, solicitando afeto, ajuda, desafiando-a para brincar e participar.

“Bomboca vem até junto de mim e manda-me beijinhos. Eu mando beijinhos de volta e ele ri abanando a cabeça com sinais de timidez. Faz-me olhinhos e manda mais beijinhos. Abana o triciclo que está junto dele.” (Diário de Campo, Sala de Lazer, CAT1, 8 de fevereiro de 2012, 17h)

88 “Bomboca atira o cavalo. Eu apanho-o e devolvo-o. Ele olha-me e, passado um tempo, Sininho atira a chucha para o chão e Bomboca atira o cavalo

novamente. CE diz que não há e Bomboca bate palminhas.

Sininho balbucia olhando para mim e usa a língua de fora para falar. Aponta para a janela e diz «bera bola» e eu digo-lhe «que lindas bolas no cortinado». Ela ri-se e diz musicalmente «ta ta ta ta todi». Bate palmas e diz «eh».” (Diário de Campo, Sala de Lazer, CAT1, 8 de fevereiro de 2012, 17h30)

“Thor quer ir para a rua onde está o seu irmão e outros. Vem ter comigo e observa-me com binóculos. Põe-nos nos meus olhos e eu digo “estou a ver o Thor… uh uh”. Ele ri e espreita. Eu digo «Estás a ver o quê..?»” (Diário de Campo, Sala de Estar, CAT2, 13 de fevereiro de 2012, 17h)

Devido à necessidade de gerir a participação e a presença da investigadora, por solicitação dos CAT, esta manteve o seu anonimato durante grande parte do tempo, isto é, os bebés não sabiam o nome da investigadora, e pareciam estabelecer uma imagem desta de forma semelhante à imagem de voluntária chegando mesmo a identificá-la enquanto tal.

“«Quem é a Moranguinho?» pergunta AD (a auxiliar). Ela sorri e olha em volta. Depois fazem o mesmo com R (a auxiliar) e Ruca. “O PLaymobil é pequenino… fazemos só para ver se a Moranguinho sabe” diz R. “Onde está o piu piu?” pergunta AD. “Na rua” diz Moranguinho. Ruca diz “A funcionária B fez noite… eu sou crescido… ela é bebé (a Moranguinho)”. R diz “és um crescido bebé”. Moranguinho aproxima-se e diz “o cão?... o cão mia?”. “Não, esse é o gato” diz R e continua “ele não está cá”. Playmobil come autonomamente. Comentam sobre todas terem óculos. Ruca diz “a minha mãe também tem óculos”. Moranguinho diz “ajuda” e espera que AD dê. Leva a colher à boca. Moranguinho conversa algo com AD e mexe-lhe na roupa. Moranguinho manda fora comida usando a língua. Pega na colher e leva-a à boca. AD ajuda-a e dá- lhe a comida com a colher. Moranguinho pergunta “a R?”. “tá aqui” dizem todos. R pergunta “a Eunice?” e só o Ruca diz “está aqui” e aponta para mim.” (Diário de Campo, Sala de refeições, CAT2, 17 de fevereiro 2012, 19h)

“Playmobil encontra-se no canto dos brinquedos a brincar com um copo e uma colher. Diz-me “olá” quando eu chego à sala. Eu sento-me numa cadeira e Playmobil diz-me “oh menina”. Depois, oferece-me uma “colher de papa”. Eu finjo que mastigo. Playmobil entrega-me o seu boneco e dá-lhe papa. Moranguinho acompanha R (a auxiliar) e vem espreitar-me. R pergunta: “onde está a Eunice?” e a menina aponta para mim e ri. Moranguinho anda com o boneco e um biberão. Dirige-se a Playmobil e pergunta “o Ruca?” e Playmobil responde “tá ali… tá no quato”. Depois dirige-se a mim e pergunta “menina… o Ruca?”. Eu digo-lhe que está no quarto. O menino aparece e ela festeja. R põe a mesa e pergunta “onde está a voluntária?” e Playmobil vai a correr ter com ela e aponta para mim «tá aqui… tá aqui…»” (Diário de Campo, Sala de estar, CAT2, 18 de fevereiro 2012, 10h)

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