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A Penha na década de 1940: anúncio da metropolização e do fim da vida de bairro.

CAPÍTULO 3 Penha: um bairro paulistano

3.2 A Penha na década de 1940: anúncio da metropolização e do fim da vida de bairro.

novas práticas sócio-espaciais do viver associadas à industrialização e ao processo de metropolização. Deste modo, as relações de vizinhança perdem sua intensidade e o cotidiano metropolitano se estabelece.

Nas próximas páginas procuraremos elucidar como essas transformações se processaram na Penha em meados do século vinte.

3.2 A Penha na década de 1940: anúncio da metropolização e do fim da vida de bairro.

423. Idem. 424. Idem.

Na década de 1940, o processo de urbanização já havia proporcionado intensas mudanças na paisagem local. Apesar de predominar o uso do espaço como área residencial, as atividades econômicas não eram mais as mesmas do começo do século. Tais atividades já se encontravam totalmente inseridas ao contexto da economia paulistana.

Tais mudanças se apresentavam como resultado da intensificação da atividade industrial e da urbanização que se efetuava concomitantemente à Segunda Grande Guerra. A afirmação da religiosidade penhense já começava a se restringir apenas aos momentos relacionados às datas festivas e a vida de bairro começava a definhar. Voltaremos a essa análise mais adiante.

Vejamos, primeiro, aspectos da realidade econômico-social da Penha ressaltados por alguns autores consultados.

Segundo Aroldo de Azevedo, o que se produzia na Penha no período era transportado para a cidade em bondes, ônibus ou carroças pela Avenida Celso Garcia (principalmente as flores e verduras) e em barcos (cascalhos, areia, tijolos, telhas e alguns produtos agrícolas), pelo rio Tietê e seus afluentes.426

A várzea do rio Tietê se apresentava como importante recurso econômico da região, pois além de garantir a água e a fertilidade para a produção agrícola, fornecia areia e argila de boa qualidade para a produção dos tijolos. O rio era importante via de transporte do que era ali produzido.

Os cascalhos eram retirados de alguns afloramentos rochosos do vale do rio Tiquatira, na região do Cangaíba e também eram transportados em barcos.

O que era transportado pelos barcos seguia pelos cursos dos rios Tietê, Tamanduateí até o Porto Geral, na região do Mercado Municipal. Um dos entrevistados nesta pesquisa tratou dessa realidade:

Olaria, alguns fabricantes de barco ali na ponte de Guarulhos. Construíam barcos, batelões, “né”? Ali eles tiravam areia [...] do rio e transportavam nos batelões até, viu, até lá, lá pra, pra ponte Bresser, lá pra ponte das Bandeiras, Aquele lado lá, “né”? É, eles “andavam” por esse rio afora.427

Segundo Aroldo de Azevedo428, na Penha havia:

- doze fábricas: Fábrica de Artefatos Galite Atlântico (colina da Penha - Rua Dr. João Ribeiro); Fábrica de Giz Brasil (via férrea - Avenida Guarulhos); Fábrica de Santa Teresinha - duas: uma de Papel e outra de celulose - (Aricanduva - Guaiaúna) com 140

426. AZEVEDO, E. A. de, op. cit., 1945, p.79 e 92. 427. Sr. Fábio.

operários entre homens e mulheres; Fábrica Técnico-cerâmica - isolantes elétricos - (Vale do Aricanduva) com 197 operários e matéria-prima originária de Mogi das Cruzes e Suzano; União Mecânica - chaves e fechaduras - (encosta do Vale do Aricanduva); Cia Nacional de Anilinas (Baixada do Rio Aricanduva); Fábrica Vulcão - tintas, esmaltes e vernizes - (Vila Matilde) com 60 operários; Fábrica de Produtos Químicos Vale do Paraíba - carbonato de magnésio, cálcio, etc. - (Vila Esperança) com 70 operários, foi fundada em Taubaté e transferida para a Penha e utilizando matéria-prima originária de Taubaté e Itapeva; e outras produtoras de guarda-chuvas, doces, tecidos etc.429 As áreas próximas aos rios - planícies aluviais e solos pobres do período terciário (vales e encostas) - e a ferrovia eram aproveitadas para as instalações industriais.

- aproximadamente vinte e três olarias, localizadas à margem do Tietê (matéria- prima e transporte fluvial). Utilizavam técnicas rudimentares e a produção era destinada a toda a cidade. Essas olarias já traziam motivos de preocupação: esgotamento de barro e a criação de lagoas que interferiram diretamente no sistema de meandros e regime de cheias do rio Tietê;430

Olaria da década 1940 – Este forno tinha capacidade de 40.000 a 120.000 tijolos de uma vez. (Memorial da Penha de França, acervo digitalizado – Foto: Aroldo de Azevedo)

429. Ibidem, p.79. 430. Ibidem, p.79-85.

Olaria da década 1940 - Trabalhadores preparando argila. (Memorial da Penha de França, acervo digitalizado – Foto: Aroldo de Azevedo)

Barco de transporte de produtos das olarias e da agricultura penhense na década de 1940. (Memorial da Penha de França, acervo digitalizado – Foto: Aroldo de Azevedo)

- vários portos de

extração de areia, tão prejudicial ao rio quanto as olarias, localizavam-se entre a ‘variante de Poá’ e o rio Tietê; eram quatro ‘portos’ com dragas. A areia era transportada em barcos até as estradas (o mesmo ocorria com os tijolos), e de lá em caminhões até as mais variadas localidades da cidade. Esses tipos de atividades ocorriam em terrenos particulares;431

Porto de areia na Penha da década de 1940.

(Memorial da Penha de França, acervo digitalizado – Foto: Aroldo de Azevedo)

- pequena indústria de construção e conserto de barcos, também às margens do Tietê, nas vizinhanças da Avenida Conceição de Guarulhos. Eram indústrias de caráter familiar (portugueses). Tinham sua produção destinada às olarias e à extração de areia, vendiam também para o Vale do Paraíba, interior e, até mesmo, para o Rio de Janeiro;432

Estaleiro da Penha na década de 1940. (Memorial da Penha de França, acervo digitalizado – Foto: Aroldo de Azevedo)

- as culturas das várzeas,

localizadas de preferência em trechos atravessados por cursos d’água e distribuídas por várias outras áreas onde o capital imobiliário ainda não via vantagens. As mais importantes situavam-se nas baixadas quaternárias de alguns afluentes do Tietê (Vale do Tiquatira, Vale do Baixo Aricanduva, baixadas a oeste da Estrada do Cangaíba, no Vale do Guaiaúna e na pequena planície por onde percorria a Estrada Velha da Penha) lembrando que estas áreas não tinham solos melhores que a do terciário, mas a umidade favorecia a abertura de poços e canais de irrigações. Cultivavam-se flores (cravo, dálias,

margaridas, copos-de-leite, etc.) e legumes que eram comercializados em feiras e mercados da capital. O Largo do Arouche era um dos maiores receptores dos produtos penhenses. O transporte era feito via bonde (o bonde das três horas da madrugada era destinado aos ‘verdureiros’). No Vale do Guaiaúna encontrava-se a ‘Hortolândia Paulista’, que existia desde 1916, possuía oito alqueires e 40 funcionários e era considerada a principal chácara comercial penhense.433 O centro da cidade era o destino da maior parte da produção de flores.

Área de cultivo de flores por família portuguesa no vale do rio Tiquatira em 1941. (Acervo digitalizado do Memorial da Penha de França – Foto: Aroldo de Azevedo)

Agricultura no vale do rio Tiquatira em 1941. (Memorial da Penha de França, acervo digitalizado - Foto: Aroldo de Azevedo)

Podemos conferir a distribuição espacial destas atividades econômicas no Mapa 6.