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1.3. Período Institucional

1.3.1 A perda do mentor

Em 2003, durante a montagem de Pinocchio, o Giramundo recebe o grande golpe, o falecimento do seu mentor. Abalados pelo clima de desmoronamento, o grupo paralisa suas atividades e fica em dúvida sobre a continuidade do trabalho. Afinal, de acordo com Marcos Malafaia, Álvaro Apocalypse era muito mais que o fundador e diretor: era o idealizador de todas as ações do grupo, a liga de todo o trabalho e de todas as suas relações:

Mas o mais importante aglutinador foi a figura carismática de Álvaro Apocalypse, que atraiu e formou gerações de bonequeiros, ensinando, de modo exemplar, mais que ordenado e regular, procedimentos e condutas fundamentais para o ofício.(MALAFAIA, 2006, p. 193)

Tentando se restabelecer da perda, o grupo se ergue sob a direção de suas filhas e dois de seus assistentes mais próximos, Ulisses Tavares e Marcos Malafaia, ambos ainda hoje, juntamente com Beatriz Apocalypse, completando o quadro diretor do grupo.

Dois anos após a morte de Álvaro, o Giramundo consegue finalizar a obra Pinocchio (2005) e iniciar com ela o que chamariam de Trilogia Mundo Moderno. Essa trilogia é composta por Pinocchio, Vinte Mil Léguas Submarinas e Aventuras de Alice no País das

Maravilhas, que marca um novo momento do grupo no âmbito do teatro de animação. São

incorporados vídeos no espetáculo, o stop motion ganha espaço em meio às variedades de técnicas, novas experimentações são realizadas, pesquisas são iniciadas, passando por séries consecutivas de erros e acertos, segundo Malafaia (2013).

Os bonecos e vídeos do Giramundo são vertidos para a TV, sobem aos palcos para acompanhar músicos, o grupo se reinventa. “Experiências como Hoje é Dia de Maria, Miniteatro Ecológico, Dango Balango, Trilogia Mundo Moderno, Teatro Móvel, Torres Andantes e Autômatos, detectam, já visível a olho nu, um Giramundo novo brotando, muito diferente do Giramundo do século XX.” (GIRAMUNDO, 2013).

Inaugurando a nova fase do grupo, Pinocchio é um espetáculo para adultos que une diversas formas de manipulação e vídeos. Conta a história do famoso personagem criado por Carlo Collodi,boneco de madeira, construído por Gepeto,que queria ser uma criança de verdade. Uma metáfora da criatura tomando vida para além do seu criador. Analogia interessante para o estado do grupo na ocasião: o Giramundo, a criatura, tomando vida para além do seu criador, Álvaro Apocalypse.

Os projetos de Álvaro Apocalypse para esse espetáculo, em conjunto com os bonecos iniciados, foram guardados no Museu Giramundo como memória. Criaram-se outros projetos, na maioria assinados por Beatriz Apocalypse, e assim foram construídos novos bonecos. Uma característica interessante: retomou-se a proposta de que cada ator- animador construísse o seu boneco. Mas o grupo tinha evoluído muito desde a época dePedro e o Lobo,na qual essa qualidade fora instaurada. O boneco protagonista, Pinocchio, muitas vezes era manipulado por várias pessoas, que se desdobraram manipulando vários bonecos. Também, nesse espetáculo, cada boneco foi construído por duplas ou até trios que teriam contato com o objeto durante as cenas.

Outro aspecto importante que Pinocchio revelou foi a policena, nomeada por Marcos Malafaia (2013) para designar o acontecimento de dois focos ou mais de cena simultâneos, criando uma nova possibilidade de dramaturgia para o grupo. A produção de vídeo animações também foi de grande valia nesse processo, pois ocuparam grande parte do espetáculo, dialogando com cenas executadas ao vivo.

Figura 29: Pinocchio – Policena Figura 30: Pinocchio – Boneco e vídeo

Fonte:(http://artenalinha.wordpress.com/2014 /04/08/sesc-santana-tem-varias-mostras/)

Fonte: (http://fotografia.folha.uol.com.br/galerias/25386- espetaculo-pinocchio)

No espetáculo Vinte Mil Léguas Submarinas (da obra de Julio Verne), de 2007, o grupo conta as aventuras do Capitão Nemo. Na história, Nemo constrói Náutilus, submarino que mantém prisioneiros o Professor Aronnax, naturalista francês, Conseil, seu criado e Ned Land, arpoador de pouca compostura.

O processo de criação dessa peça aconteceu em mais de uma etapa. Depois de sua estreia, passou por duas remontagens. Insatisfeitos com o produto final, os diretores se lançavam na tentativa de resolver os problemas das cenas e dos bonecos.

Foram várias idas e vindas entre oficina e sala de ensaio na tentativa de adaptar os bonecos para as cenas. Algumas vezes, foi necessário construir novos bonecos, para se

chegar ao resultado esperado. O grupo Giramundo experimenta, efetivamente, em Vinte Mil

Léguas Submarinas, a criação compartilhada entre construtores e atores-animadores. Beatriz

Apocalypse elucida um exemplo desse trânsito de necessidades entre ensaios e construção: [Em] Vinte Mil Léguas aconteceu isso com o Nemo. A gente estava fazendo um Nemo de balcão, e tinha uma cena assim, impossível fazer com o Nemo de balcão, e era uma cena importante que ele contracenava com bonecos de fio, então tivemos que fazer um Nemo de fio. (APOCALYPSE, B. 2013)

O boneco do Capitão Nemo ganhou três versões até a final. Isso aconteceu também com outros bonecos, nem todos ganhando novas versões, mas sendo adaptados para atender as demandas. Em meio às suas remontagens, Vinte Mil Léguas recebeu novos integrantes nas equipes de construção e de animação. Também por conta dessa mudança de artistas, das propostas que eles traziam para a cena, surgiram necessidades de alterações nos bonecos e espetáculo.

Figura 31: Vinte Mil Léguas Submarinas – Ator

em cena com boneco (Atriz-animadora: Beatriz Apocalypse)

Figura 32: Vinte Mil Léguas Submarinas – Boneco

com engenharia automotiva

Fonte:(http://www.viewmagazine.com.br/visao/fo co?edition=122)

Fonte: (http://www.teatrodebonecos.org/2011/blog)

Figura 33: Vinte Mil Léguas

Submarinas – Nemo, boneco de

balcão Figura 34: Vinte Mil Léguas Submarinas

Fonte:(http://guia.uol.com.br/belo- horizonte/noticias/2013/03/28/teatro-de-bonecos-faz-viagem-ao- universo- de-vinte-mil-leguas-submarinas.htm) Fonte:(http://www.teatrodebone cos.org/2011/espetaculos/vinte- mil-leguas-submarinas)

Por vezes o grupo encontrou necessidade de retomar a obra, mesmo depois de entregue ao público, ao processo de construção. A crítica genética entende a dinâmica da obra como um fluxo inerente. De acordo com Cecília Salles:

O objeto considerado acabado, representa, também de forma potencial, uma forma inacabada. A própria obra entregue ao público pode ser retrabalhada ou algum de seus aspectos – um tema, um personagem, uma forma específica de agir sobre a matéria – pode ser retomado. (SALLES, 2009, p. 83)

Depois de dez anos da morte de seu fundador e cinco sem montar espetáculo inédito, o grupo Giramundo estreia Aventuras de Alice no País das Maravilhas, que, segundo Beatriz Apocalypse (2013), é um espetáculo que encerra um ciclo e começa outro.