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A Oficina e a Sala de ensaios: discussões sobre criação compartilhada no teatro de animação

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Academic year: 2021

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UNIVERSIDADE FEDERAL DE UBERLÂNDIA

A Oficina e a Sala de ensaios

Discussões sobre Criação Compartilhada no Teatro de Animação

Angie Mendonça

Uberlândia

2015

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ANGIE MENDONÇA

A Oficina e a Sala de ensaios

Discussões sobre Criação Compartilhada no Teatro de Animação

Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Artes – Curso de Mestrado em Artesda Universidade Federal de Uberlândia como parte dos requisitos para obtenção do título de Mestre em Artes.

Linha de pesquisa: Práticas e Processos em Artes Orientador: Professor Dr. Mário Ferreira Piragibe

Uberlândia

2015

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Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) Sistema de Bibliotecas da UFU, MG, Brasil.

M539o Mendonça, Angie, 1986-

A oficina e a sala de ensaios [recurso eletrônico] : discussões sobre criação compartilhada no teatro de animação / Angie Mendonça. - 2015.

Orientador: Mário Ferreira Piragibe.

Dissertação (mestrado) - Universidade Federal de Uberlândia, Programa de Pós-Graduação em Artes.

Modo de acesso: Internet.

Disponível em: http://doi.org/10.14393/ufu.di.2020.3023 Inclui bibliografia.

Inclui ilustrações.

1. Arte. I. Piragibe, Mário Ferreira, 1972-, (Orient.). II. Universidade Federal de Uberlândia. Programa de Pós-Graduação em Artes. III. Título.

CDU: 7 Rejâne Maria da Silva – CRB6/1925

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Dedico este trabalho à minha mãe (in memorian), que me transmitiu o gosto pelos bonecos, E à minha família Mendonça/Faz de Conta, que me regalaram com os prazeres do convívio.

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AGRADECIMENTOS

Este trabalho é resultado do empenho de muitas pessoas. É difícil agradecer a todas elas. A memória às vezes falha. Tentarei fazer menção àquelas que mais me auxiliaram. Faço desde já um agradecimento à todos que participaram de algum modo deste mestrado, mesmo que não sejam aqui citadas. Sou toda gratidão!

Agradeço ao meu orientador querido, que cordialmente fez piada com meus erros, fazendo com que eu o admirasse ainda mais. Agradeço também pela paciência que sempre apresentou e não me deixou abalar pelos meus próprios desastres. Agradeço ao professor Mário Ferreira Piragibe por essa maravilhosa parceria e pelas outras que, espero eu, ainda faremos.

Agradeço aos professores membros da banca de defesa, Mara Leal e Paulo Balardim, que, pacientes, me fizeram acreditar na possibilidade de conseguir finalizar este trabalho. Agradeço muito pela generosidade em ler, entender e discutir este trabalho.

Agradeço profundamente ao Alex Miyoshi, meu muito mais que revisor, que me estimulou até quando eu já não queria mais. Agradeço pela maneira gentil de conduzir nossas conversas e trabalhos, sua grande generosidade por ter me estendido a mão.

Agradeço aos meus professores e colegas de mestrado, especialmente ao Rafael Lorran e ao Raphael Brito, que compartilharam comigo dessa estrada, que com suas próprias pesquisas tanto colaboraram na minha.

Agradeço ao Grupo de Pesquisa de Formas Animadas da UFU, pelas bem vindas reflexões sobre o teatro de animação, pelo espaço de diálogo e prática, pelo companheirismo. Agradeço à Valéria Gianechini, por ter escutado e entendido as minhas angústias.

Agradeço a todos os meus amigos que me ajudaram a superar meus momentos de desatino, que, sem cobranças, entenderam a minha ausência. Vinicio Coeli, Camila Merola, Renata Sanchez, Rafael Michalichem, Marcella Prado, Clara Bevilacqua, Gustavo Mazer, entre tantos outros, compreenderam o tempo deste mestrado.

Agradeço ao grupo Giramundo, que abriu suas portas tão generosamente para mim. Agradeço ao Ulisses Tavares pela acolhida fraterna no grupo, agradeço muito ao Paulo Emílio Luz e ao Márcio Miranda, que tanto me ensinaram sobre o construir (Paulo Emílio) e o animar (Márcio). Agradeço a Beatriz Apocalypse, Marcos Malafaia, Ana Fagundes,

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Endira Drummond, Glauber Apicela, Daniel Bowie e a tantos outros do coletivo que se dispuseram a conversar comigo sobre os processos de criação.

Agradeço ao Grupo Faz de Conta e a todos que passaram por ele, construindo, criando, animando, sorrindo, enfim, pelo que são. Agradeço a essa escola pela liberdade que sempre me deu de expressar, falar e escutar, pelos nossos momentos de criação e risadas por ter acolhido tão bem a proposta desta pesquisa e tê-la estimulado. Agradeço aos que responderam carinhosamente às questões sobre o processo de criação. Espero que as sementes plantadas pelo grupo continuem germinando!

Agradeço aos meus grandes parceiros de jornada Rafael Mazer e Rafael Naufel que, em toda a nossa caminhada, se apresentaram como amigos, companheiros e irmãos, e sempre serão. Agradeço pelas nossas intensas trocas, refletindo e investigando o ato da criação.

Agradeço à minha família, que me apoiou incondicionalmente desde os tempos de “Mixirida”, compartilhou comigo quintal e palco. Agradeço imensamente às minhas irmãs, Pollyana e Tayná Mendonça, pelo companheirismo e por estar nesse mundo encantado comigo. Agradeço aos que diariamente perceberam minha aflição e me auxiliaram com toda a compreensão e amor neste trabalho. Agradeço também à minha irmã Hallana e ao meu pai Alberto Rubens, que brincaram conosco sempre que puderam.

Agradeço à pequena Aurora, pelo seu entendimento das brincadeiras que não pude com ela compartilhar, pelo carinho, pela risada e pelas covinhas. Amplio meus agradecimentos à Violeta, que me presenteou com o sorriso mais doce que já vi.

Por fim, meu maior agradecimento é para a minha mãe, Maria Inês Mendonça (in

memorian), que não só me mostrou os caminhos do teatro de animação como foi sempre

uma grande fonte de inspiração, por sua força e criatividade. Agradeço muito por ter me iniciado na vida de bonequeira. E agradeço ainda mais por continuarmos juntas nela.

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UNIVERSIDADE FEDERAL DE UBERLÂNDIA INSTITUTO DE ARTES

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM ARTES - MESTRADO

DISSERTAÇÃO DE MESTRADO EM ARTES

MENDONCA, Angie. A Oficina e a Sala de Ensaios. Discussões sobre Criação Compartilhada no Teatro de Animação. Uberlândia, 2015.

Resumo

Esta dissertação se propõe a investigar o trânsito do boneco em fase de criação entre a oficina e a sala de ensaio – nomeado para esta discussão como criação compartilhada – decorrendo em possíveis contribuições que a montagem de uma cena pode oferecer para a construção do boneco e as melhorias que a engenharia e plasticidade do boneco podem angariar à cena/espetáculo. Por meio de uma pequena historiografia que visa reconhecer a trajetória dos grupos de teatro de animação contemporâneos brasileiros Giramundo (Belo Horizonte) e Faz de Conta (Uberlândia) serão analisados o surgimento e o estabelecimento de métodos para criação. Para tanto será feito um levantamento dos seus principais espetáculos, das possibilidades de concepção e produção dos bonecos e cenas, das linhas de pesquisa e das características mais marcantes para cada um deles no entendimento do teatro de animação. Não obstante, será considerada a integração das equipes de construção e animação, as dinâmicas de relação entre esses profissionais e o resultado dessa interação.

Palavras-chave: Criação compartilhada. Teatro de animação. Construção de bonecos. Animação de bonecos. Grupo Faz de Conta. Giramundo.

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Abstract

This dissertation aims to investigate the relationships between the workshop and the essay room in the Puppet Theatre, that could generate a principle named here as shared

creation. Eventually the scene assemblage as well as the puppet’s engineering and plasticity

can contribute to the puppet construction and to the shows’ improvement. A short historiography of the Puppet Companies Giramundo (Belo Horizonte, MG, Brazil) and Faz de Conta (Uberlândia, MG, Brazil) will be analyzed from their beginnings till the most recent shows. Their methods and chief shows will be related since the puppet scene’s conception and production to the research lines and remarkable features from each one, according to an Animation Theatre’s perception. Especially the staff integration, mostly the construction and animation teams integration and their professional relationships will be considered in this research.

Keymords: Shared Creation. Puppet Theatre. Puppet’s construction. Puppet’s animation. Grupo Faz de Conta. Giramundo.

Resumen

Este trabajo tiene como objetivo investigar el tránsito del títere en fase de creación entre el taller y la sala de ensayo - nombrado para esta discusión como creación compartida - transcurriendo sobre posibles contribuciones que el montaje de una escena puede ofrecer para la construcción del títere y la mejoras que la ingeniería y plasticidad del títere pueden brindar a la escena / espectáculo. A través de una pequeña historiografía que busca reconocer la trayectoria de los grupos de teatro de animación contemporánea brasileños

Giramundo (Belo Horizonte) y Faz de Conta (Uberlândia) serán analizados el surgimiento y

el establecimiento de métodos para la creación. Para eso será hecho un levantamiento de sus principales espectáculos, de las posibilidades de concepción y producción de títeres y escenas, de las líneas de investigación, y de las características más llamativas para cada uno de ellos en la comprensión sobre el teatro de animación. Todavía será considerada la integración de los equipos de construcción y animación, las dinámicas de relación entre estos profesionales y el resultado de esta interacción.

Palabras-clave: Creación compartida. Teatro de animación. Construcción de títeres. Animación de títeres. Grupo Faz de Conta. Giramundo.

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LISTA DE ILUSTRAÇÕES

Figura 1: A Bela Adormecida – Boneco de 1970... p. 31 Figura 2: A Bela Adormecida – Bonecos de 2006 ... p. 31 Figura 3: O Baú de fundo fundo... p. 34 Figura 4: El Retablo de Maese Pedro, Dom Quixote... p. 36 Figura 5: Cobra Norato... p. 41 Figura 6: Cobra Norato... p. 42 Figura 7: Cobra Norato ... p. 42 Figura 8: As Relações Naturais... p. 43 Figura 9: As Relações Naturais... p. 43 Figura 10: Auto das Pastorinhas... p. 44 Figura 11: O Guarani Bonecos da 1ª versão (1986)... p. 45 Figura 12: O Guarani Bonecos da 2ª versão (1996)... p. 45 Figura 13: Giz (2008) – Família... p. 50 Figura 14: Giz (2008) – Boneco e ator-animador em cena ... p. 50 Figura 15: Giz (2008) – Luz colorindo boneco e atores ... p. 50 Figura 16: Tiradentes, uma história de títeres e marionetes... p. 52 Figura 17: Pedro e o Lobo... p. 53 Figura 18: Pedro e o Lobo – O ator-animador em cena... p. 53 Figura 19: Antologia Mamaluca... p. 54 Figura 20: Carnaval dos Animais... p. 55 Figura 21: Carnaval dos Animais ... p. 55 Figura 22: O Diário de um Louco ... p.57 Figura 23: O Gato Malhado e a Andorinha Sinhá... p.58 Figura 24: Os Orixás... p.59 Figura 25: Os Orixás... p. 59 Figura 26: Miniteatro Ecológico – Caatinga... p.60 Figura 27: Miniteatro Ecológico – Caatinga... p.60 Figura 28: Miniteatro Ecológico –Cerrado... p. 60 Figura 29: Pinocchio – Policena... p. 62 Figura 30: Pinocchio – Boneco e vídeo... p. 62 Figura 31: Vinte Mil Léguas Submarinas – Ator em cena com boneco... p.63

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Figura 32: Vinte Mil Léguas Submarinas... p. 63 Figura 33: Vinte Mil Léguas Submarinas... p. 63 Figura 34: Vinte Mil Léguas Submarinas... p. 63 Figura 35: Aventuras de Alice no País das Maravilhas... p. 65 Figura 36: Aventuras de Alice no País das Maravilhas – Algumas Alices e

Lewis Carrol... p. 66 Figura 37: Aventuras de Alice no País das Maravilhas – Diferentes

técnicas de manipulação... p. 67 Figura 38: Aventuras de Alice no País das Maravilhas – Policena... p. 67 Figura 39: Aventuras de Alice no País das Maravilhas – Alice e projeção

mapeada... p. 68 Figura 40: Vovó Caximbó contando histórias em 1988... p. 77 Figura 41: Museu da Emília... p. 78 Figura 42: Maria Inês Mendonça (como Vovó Caximbó), Lilia Pitta e

Brenda Marques brincando com os primeiros bonecos da

companhia... p. 79 Figura 43: O Leão e o Ratinho (1994)... p. 83 Figura 44: O Leão e o Ratinho (2011)... p. 84 Figura 45 (A)

e (B): O Leão e o Ratinho (2011)... p. 84 Figura 46: A Floresta que era Verde (2004)... p. 85 Figura 47: A Floresta que era Verde (2010)... p. 85 Figura 48: Uma História de Sexta Feira (1996)... p. 86 Figura 49: Uma História de Sexta Feira (1996)... p. 87 Figura 50: Barata Tonta (1998)... p. 89 Figura 51: Barata Tonta (2006) ... p. 89 Figura 52: Uma História de Amor (2006) ... p. 90 Figura 53: Seu Lima e Luiz Salgado (2010)... p. 92 Figura 54: História Contada: Porta Aberta, Semente Plantada (2008)... p. 93 Figura 55: História Contada: Porta Aberta, Semente Plantada (2008)... p.93 Figura 56: História Contada: Porta Aberta, Semente Plantada (2010)... p.93 Figura 57 (A): História Contada: Porta Aberta, Semente Plantada (2008)... p. 94 Figura 57 (B): História Contada: Porta Aberta, Semente Plantada (2010) ... p. 94

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Figura 58: História Contada: Porta Aberta, Semente Plantada (2008)... p. 95 Figura 59: História Contada: Porta Aberta, Semente Plantada (2008)... p. 95 Figura 60: História Contada: Porta Aberta, Semente Plantada (2008)... p. 95 Figura 61 (A)

e (B): O Casamento da Dona Baratinha (2009)... p. 97 Figura 62: O Casamento da Dona Baratinha (2009)... p. 97 Figura 63 (A),

(B) e (C): O Casamento da Dona Baratinha (2009)... p. 98 Figura 64: Projeto dos bonecos na oficina improvisada... p. 99 Figura 65: Estrutura dos bonecos... p. 100 Figura 66: Boi Pacífico, recebendo pintura de base... p. 101 Figura 67: Boi Pacífico depois da pintura... p. 101 Figura 68: Dona Baratinha dando sugestões... p. 101 Figura 69: Dona Baratinhas... p. 102 Figura 70: Um Natal para Pedrinho (2010). Pedrinho... p. 104 Figura 71: Um Natal para Pedrinho (2010). Maria... p. 104 Figura 72: Um Natal para Pedrinho (2010).Velhinho... p. 104 Figura 73: Maria – o boneco e o projeto... p. 105 Figura 74 (A)

– (J): Cabeça de papel machê... p.107 Figura 75: Um Natal para Pedrinho (2010) – ensaio... p. 110 Figura 76: Boneco em construção... p. 110 Figura 77: Um Natal para Pedrinho (2010) – apresentação... p. 110 Figura 78: Rafael Naufel implantando o imã nas mãos do Velhinho... p. 111 Figura 79: Um Natal para Pedrinho (2010) ... p. 111 Figura 80: Braço com pitão... p. 112 Figura 81: Braço com codornê... p. 112 Figura 82: Um Natal para Pedrinho (2010)... p. 113 Figura 83: Boneco com pega nas mãos... p. 114 Figura 84: Um Natal para Pedrinho (2010) ... p. 115 Figura 85: Um Natal para Pedrinho (2010) – apresentação... p. 116 Figura 86: Um Natal para Pedrinho (2010) ... p. 116 Figura 87: Boneco Pedrinho observando seu projeto... p. 117

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Figura 88: Dum Dum Cererê... p. 118 Figura 89: Mariana... p. 119 Figura 90: Dona Antônia e Mitz, a gatinha... p. 119 Figura 91: Mariana pulando de um pé só... p. 121 Figura 92: Cerrado, entre cascas e raízes – apresentação. Sombras com

pantins e com ramagem natural... p. 125 Figura 93: Cerrado, entre cascas e raízes – apresentação. Sombras com

ramagem natural... p. 126 Figura 94: Cerrado, entre cascas e raízes – apresentação.

A Ema e o Palhaço Pequi... p. 127 Figura 95: Cerrado, entre cascas e raízes – apresentação.

Mulher Barro e Lobo Guará... p. 128 Figura 96: Carcará – o desenho da cabeça... p. 130 Figura 97: Carcará – o mecanismo dos olhos... p.130 Figura 98: Carcará – estrutura para um manipulador... p. 131 Figura 99: Carcará – estrutura com dois manipuladores... p.131 Figura 100: Carcará – sistema de rodas “atropelando” manipulador... p. 132 Figura 101: Carcará – asas caídas... p. 133 Figura 102: Carcará – sistema de rodas sob haste traseira... p. 134 Figura 103: Carcará – cavalete usado para sustentação do colete na ausência

do manipulador... p. 135 Figura 104: Carcará – montagem do boneco... p. 135 Figura 105: Carcará – cenário montado camuflando o boneco... p. 136 Figura 106: Cerrado, entre cascas e raízes – apresentação... p. 136 Figura 107: Cerrado, entre cascas e raízes – apresentação... p. 137 Figura 108: Cerrado, entre cascas e raízes – apresentação... p. 137 Figura 109: Cerrado, entre cascas e raízes – apresentação... p. 138

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SUMÁRIO

Introdução... Trajetória de uma artista e de uma pesquisa

p. 12 1 1.1 1.2 1.3 1.3.1 Giramundo... Uma história iniciada no desenho – Período Lagoa Santa

A tríade: Forma, movimento e fala ... Período Universitário ... Período Institucional... A partida do mentor ... p. 30 p. 37 p. 41 p. 59 p. 61 1.3.2 Alice: Aventuras de Giramundo no País do Reinventando-se... p. 65 2 Grupo Faz de Conta...

Brincadeira de quintal

p. 77

2.1 Renascimento... A segunda fase do grupo

p. 91

2.1.1 De coração aberto... p. 109 2.1.2 Imã nas mãos... p. 110 2.1.3 Pitões por cordonês... p. 111 2.1.4 Pega nas mãos... p. 114 2.1.5 Pernas... p. 115 2.2 Cerrado, entre cascas e raízes... p. 123 2.2.1 O Carcará... p. 129 3 Conclusão... p. 139 Referências... p. 147 ANEXOS... p. 150

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Introdução

Trajetória de uma artista e de uma pesquisa

Este trabalho é fruto da minha pesquisa prática como bonequeira, e da minha vontade de compreendê-la e estruturá-la de forma acadêmica no intuito de contribuir para os estudos acerca do Teatro de Animação.

Solicito a compreensão de quem lê essas rotas linhas para o fato de que utilizarei um estilo de escrita mais afeito às figuras de linguagem, aos devaneios linguísticos da prosa literária, ao invés da dura objetividade da escrita acadêmica mais tradicional. Como artista, sinto a necessidade de deixar brincar as palavras soltas, fazendo uso da livre criação e da intuição, assim como o faço em meus processos de criação. Os resultados dessa pesquisa serão apresentados a partir da subjetividade dos traçados importantes, que o caminho faz.

Para fazer entender esse trabalho autobiográfico como processo de análise da questão-problema, relato, primeiramente, um pouco da minha história nos dois grupos de teatro de animação contemporâneos abordados nesta dissertação – o Giramundo, de Belo Horizonte, e o Faz de Conta, de Uberlândia –, bem como a minha pesquisa prática como bonequeira. Ao final, partirei para a reflexão sobre o ofício do construtor e do animador de bonecos, sobretudo considerando a ideia de criação compartilhada, que veremos adiante.

Filha de uma bonequeira autodidata, vi surgir o Grupo Faz de Conta, em 1993, em Uberlândia. Fundado por minha mãe, a atriz e bonequeira Maria Inês Mendonça, eu tinha sete anos de idade e foi o primeiro contato com meu futuro material de trabalho e profissão: bonecos!

Com o passar dos anos, meu entendimento se ampliou e iniciei minhas brincadeiras dentro do grupo. Vivenciamos processos de criação nos quais a intuição bastava para a construção de um boneco, ou para a produção de um espetáculo. Observei, por muitos anos, que o “fazer bonecos” é algo espontâneo, dedutivo e experimental.

Sob o mote de diversão, construí meus primeiros bonecos e minhas primeiras encenações. Tomei tanto gosto por tudo, tanto que levei a sério. Deixei a cidade interiorana e fui me especializar e profissionalizar em Belo Horizonte.

No curso de Artes Cênicas da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) me formei atriz. No entanto, não pude encontrar uma disciplina ou atividade ligada ao teatro de animação que fossem oferecidas pelo curso, ou mesmo pela vizinha Escola de Belas Artes, onde anos antes o Grupo Giramundo oferecia estágios para os alunos. Assim, como atriz

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bonequeira, fui diretamente ao Giramundo oferecer meus préstimos e solicitar formação, de modo que esse grupo, para minha felicidade, se tornou a minha segunda escola. Iniciava-se uma nova fase no meu envolvimento com o teatro de animação.

Trabalhei por três anos na companhia; dividia meu tempo entre apresentações, sala de ensaio e oficina; inteirei-me do método de trabalho do grupo, inclusive do procedimento de criação e produção de um boneco e das etapas de montagem de um espetáculo. Recebi grandes ensinamentos dentro do Giramundo que contribuíram muito para minha formação de bonequeira.

Nesse período, experimentei uma maneira de trabalho diferente da que eu praticara no Grupo Faz de Conta. Em um processo menos dedutivo e mais formalizado, descobri o projeto técnico de um boneco. Vivenciei as etapas de construção e animação, às vezes, de forma conjunta, em outras separada e não cumulatória. Aprendi novos conceitos sobre a criação de formas animadas.

Após esse intenso aprendizado, voltei para Uberlândia, minha cidade natal, e retornei ao Faz de Conta. Este grupo para além de ter sido minha primeira escola, é e sempre foi minha casa, minha morada, onde eu estou completamente à vontade para criar, sugerir e intervir em qualquer processo.

Assim que retornei ao Faz de Conta, com um olhar mais maduro para a pesquisa, trabalhei unindo a prática que vivenciei no Giramundo aos métodos de produção do Faz de Conta. Com meus companheiros de lida, descobrimos novas possibilidades para a criação e produção de um espetáculo de teatro de animação.

Hoje, como bonequeira pesquisadora, investigo um dos caminhos mais efervescentes e constantes nos experimentos e práticas do Grupo Faz de Conta: a criação compartilhada, o trânsito de um boneco em fase de criação entre a oficina e a sala de ensaio, decorrendo em possíveis contribuições que a montagem de uma cena pode oferecer para a construção do boneco, as melhorias que a engenharia e plasticidade do boneco podem angariar à cena/espetáculo e as possibilidades de diálogo entre construtores e animadores.

Nesta dissertação, apresentarei uma pequena historiografia dos dois grupos, o Giramundo e o Faz de Conta. Farei um levantamento dos seus principais espetáculos, dos métodos de concepção e produção dos bonecos e cenas, das linhas de pesquisa, e das características mais marcantes para cada um deles no entendimento e criação no teatro de animação.

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No intuito de estabelecer diálogos enriquecedores para a pesquisa no teatro de animação, embasamos este trabalho em referências teóricas que dialogam com a prática vivenciada nos grupos citados.

A primeira dessas referências é o trabalho de Josette Féral (2004), que apresenta uma “teoria da produção” em contraponto à análise do resultado artístico (teoria analítica). Féral explicita a abordagem:

Existe um segundo tipo de aproximações, mais empíricas, que poderíamos chamar de teorias da produção, cujos objetivos são compreender o fenômeno teatral como processo e não como produto. Elas buscam promover ferramentas ou métodos para que o teatrista desenvolva sua arte. Apontam ao saber fazer.

Desenhadas quase exclusivamente pelos mesmos teatristas, estas teorias da prática teatral são úteis aos diversos artesãos do espetáculo: atores, diretores de cena, cenógrafos. Não apontam a compreender melhor, senão ao melhor fazer. Constituem uma maneira de teorizar a prática. (FÉRAL, 2004, p. 22, tradução nossa) Segundo Féral, essas teorias iniciadas a partir da prática teatral podem ser utilizadas por diversos “artesãos” do espetáculo. Me entendendo como tal, aproprio-me desse apontamento para refletir sobre determinada prática do teatro de animação. Analiso assim, o fazer artístico com eixo temático nos dois usuais espaços de trabalho durante o processo de montagem no teatro de animação: a oficina para a etapa de construção do boneco1 e a sala de ensaio, para a montagem de cenas/espetáculos.

Considerando a prática vivenciada entre construtores e animadores no fazer teatral, eis a primeira questão: como arbitrar esse jogo? Quais referências e métodos podem ser adotados nessa pesquisa? Féral levanta as perguntas que impulsionam o desafio:

Uma vez reconhecida esta necessidade de ter uma relação com a produção, como abordar seu estudo de modo que não seja impressionista? Que metodologia adotar? Como eleger suas referências? Seus corpos? Sobre que pegadas operar? (FÉRAL, 2004, p. 29, tradução nossa)

Para guiar esta discussão, buscamos diferentes referenciais, que se entrecruzam e dialogam com o objetivo de refletir sobre os procedimentos artísticos dos grupos Giramundo e Faz de Conta. Observando os métodos processuais de ambos os coletivos, foram delineadas algumas instâncias de criação desenvolvidas em cada grupo, ao mesmo tempo, como essas camadas de criação poderiam sugerir algumas concepções de autoria.

1 Apesar do termo boneco ter sido substituído pelo termo formas animadas, empregarei neste texto o primeiro,

pois nos dois grupos objetos de estudo o foco maior de trabalho são os bonecos antropomorfos e zoomorfos em detrimento de objetos e outras formas animadas.

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Para esta pesquisa, é fundamental saber quem são esses grupos criadores, o que faz esses coletivos aproximarem-se daquilo que Dubatti identifica como “indivíduos poéticos” (DUBATTI, 2011). Por meio da discussão de Jorge Dubatti sobre as tipologias poéticas – neste trabalho serão referendadas as poéticas demarcadas e as micropoéticas –, investigamos as camadas do movimento de criação que tornam coesas cada uma dessas companhias. Por meio do trabalho de Dubatti, podemos ainda perceber quais características desses grupos mantêm-se constantes em seus trabalhos, bem como os traços identificáveis em seus processos e resultados que podem estabelecer uma “autoria”. Nesse ponto, nos foi importante a reflexão de Michel Foucault sobre a função do autor (FOUCAULT, 1993). Por outro lado, entendendo que este estudo não está centrado na discussão sobre a autoria, no ato da apresentação teatral e tampouco na recepção do público (apesar de compreendermos o valor desses enfoques), abordaremos com mais profundidade os processos das montagens espetaculares.

O momento da apresentação teatral é posto por Dubatti como acontecimento. Dubatti reflete sobre a importância de pesquisar os caminhos antecedentes e conseguintes ao acontecimento, que estão diretamente relacionados ao mesmo. Esta análise se propõe a traçar os procedimentos de criação que terão interferência e resultado direto nas cenas e nos espetáculos, ou o que vem antes do acontecimento:

Se o teatro é acontecimento, devemos estudar o acontecimento ou aqueles materiais que, sem constituir o acontecimento em si, estão vinculados a ele antes ou depois da experiência do acontecimento. Geralmente, os estudos teatrais não investigam o acontecimento teatral propriamente dito, se não seus entornos, instâncias prévias ou posteriores: os materiais anteriores ao acontecimento, como as técnicas, os processos de ensaio, a literatura dramática, as discussões de equipe, os diários de bordo, os figurinos, o desenho de plantas técnicas, os metatextos, etc. (DUBATTI, 2011, p. 47, tradução nossa)

Considerando-se os materiais que antecedem o acontecimento teatral no caso específico do Teatro de Animação, temos os desenhos dos bonecos, os projetos, fotos do processo e outros. Esses materiais são recorrentes nos dois grupos em questão e também em muitos outros coletivos, mas o caminho da criação não é sempre o mesmo. A experiência artística pode ser diversa ainda dentro do mesmo coletivo, no qual cada espetáculo pode apresentar inovações em seu próprio trajeto criativo – o que veremos ser muito frequente. Salles (2009) afirma que esse movimento nem sempre é passível de ser reduzido a fórmulas;

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de ser tratado como receita: mesmo que os ingredientes sejam os mesmos, o resultado pode ser diferente.

Assim, quais são os procedimentos que identificam e definem o método para criação artística e o traduzam em teoria? A partir dessas questões, Josette Féral sugere o seguinte:

Existe já desde algum tempo, no horizonte da análise literária, um setor de investigação particularmente promissor e interessante que leva por nome “A análise genética dos textos literários”. Criado em 1968 por Louis Hay, quem naquele momento trabalhava com manuscritos de Heinrich Heine, dos quais descobriu um baú repleto, encontrando ali indícios que aclaravam o funcionamento do pensamento desse autor. Louis Hay teve a ideia de deslocar o foco da análise literária da obra acabada à obra ainda em processo de produção, a saber, do estudo da obra tal como o público a recebe ao estudo da obra ainda em gestação.(FÉRAL, 2004, p. 30, tradução nossa)

Reconfigurando o termo de análise genética e transpondo-o do campo literário para o desta pesquisa, o utilizaremos como ferramenta de análise do trabalho artístico através das ações e dos materiais produzidos na execução de uma obra. Segundo Cecília Almeida Salles, a crítica genética se interessa pelo movimento da criação, seus ímpetos e seus trajetos:

A crítica genética é uma investigação que vê a obra de arte a partir de sua construção. Acompanhando seu planejamento, execução e crescimento, o crítico genético preocupa-se com a melhor compreensão do processo de criação. É um pesquisador que comenta a história da produção de obras de natureza artística, seguindo as pegadas deixadas pelos criadores. Narrando a gênese da obra, ele pretende tornar o movimento legível e revelar alguns dos sistemas responsáveis pela geração da obra. Essa crítica refaz, com o material que possui, a gênese da obra e descreve os mecanismos que sustentam essa produção. (SALLES, 2009, p. 17)

Sem fórmulas pré-estabelecidas para a criação, o processo pode ocorrer com inúmeras variáveis. Oscilações, divergências e convergências nos procedimentos entre um trabalho e outro influenciam a prática artística, configuram o resultado cênico e constroem uma identidade conceitual para cada companhia. Jorge Dubatti apresenta essa relação entre a criação e o espetáculo:

A poética (...) é o conjunto de componentes constitutivos do ente poético em sua dupla articulação de produção e produto, integrados no acontecimento em uma unidade material-formal ontologicamente específica, organizados hierarquicamente, por seleção e combinação, através de procedimentos. (DUBATTI, 2011, p. 39, tradução nossa)

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A produção artística, objeto de estudo da crítica genética, pode ser vista de forma ampla, considerando o trabalho de criação e o resultado; Dubatti traz a discussão sobre poíesis: “O termo poiésis envolve tanto a ação de criar – a fabricação – como o objeto

criado – o fabricado –. Por isso preferimos traduzir poíesis como produção, (...) produção é

o fazer e o feito.” (DUBATTI, 2011, p. 38, tradução nossa) Compreendo que a ação de criar abarca diversos procedimentos: análise do texto, construção dos bonecos e cenário, confecção de figurinos, gravação da trilha sonora, ensaios, etc. O espetáculo vem a ser o objeto criado, o produto, que ainda pode sofrer interferência durante suas execuções, tanto por influência do público, quanto da crítica, quanto dos próprios criadores.

É interessante perceber que, se o espetáculo (o objeto criado) pode sofrer interferências e modificar-se durante a execução, se torna a partir desse ato a ação de criar, ou seja, a apresentação teatral – o acontecimento, segundo Dubatti – o objeto criado e a ação de criar ao mesmo tempo. Essa reflexão será válida para entendermos como, em alguns casos, a criação permaneceu durante o ato teatral. Salles defende que a obra considerada finda, o espetáculo já em cartaz, pode ser reconfigurado, tornando-se uma produção em movimento: “O objeto considerado acabado, representa, também de forma potencial, uma forma inacabada. A própria obra entregue ao público pode ser retrabalhada ou algum de seus aspectos – um tema, um personagem, uma forma específica de agir sobre a matéria – pode ser retomado.” (SALLES, 2009, p. 83)

Tentando estabelecer um paralelo entre a poíesis apresentada por Dubatti e o foco específico desta pesquisa, escolhemos nos deter especialmente em duas etapas processuais – que podem ocorrer simultaneamente ou não – no teatro de animação: a construção dos bonecos e a montagem das cenas são ações de criar.

Em alguns casos, quando é concluída a ação de criar o boneco, este é tido como objeto criado, e a ação de criar as cenas podem começar a partir de então. Em outros casos, as duas ações criativas desenvolvem-se simultaneamente, então o boneco, ainda em fase de construção, é introduzido nos ensaios, passa por testes e promove descobertas, podendo voltar à oficina, para ajustes, reparos ou uma nova construção. Assim, o objeto criado torna-se novamente o ato de criar. De alguma forma, estorna-se movimento é cíclico, uma vez que o boneco pode interferir na montagem da cena e a cena pode interferir na construção do boneco.

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Essa possibilidade de intercâmbio entre a construção do boneco e a criação da cena é definida neste trabalho como criação compartilhada. Para situar a criação compartilhada nesta pesquisa, é pertinente a ideia sobre poética demarcada, de Dubatti:

A poética incluída ou poética demarcada implica a inscrição de uma poética dentro da micropoética (que adquire o valor de poética marco). Pode funcionar, em seu caráter de poética de segundo grau, de maneiras muito diferentes: como estrutura em abismo (o todo na parte) que reproduz em escala, concentradas, as regras de organização da poética marco.(DUBATTI, 2011, p. 127, tradução nossa)

Dubatti apresenta uma cadeia de poéticas que pode se iniciar a partir de um pequeno detalhe, seja prévio, concomitante ou posterior ao acontecimento. Esse recorte menor é a poética demarcada, que está inserida em uma esfera maior – as micropoéticas, que por sua vez reúnem características da criação que retratam o indivíduo poético. Dentre os quatro níveis de poéticas elencados por Dubatti, citaremos duas delas pertinentes a esta pesquisa:

(...) podem distinguir-se ao menos quatro tipos básicos de poéticas: -as micropoéticas ou poéticas de indivíduos poéticos (a poíesis considerada em sua manifestação concreta individual). (...)

- as poéticas incluídas ou poéticas demarcadas de segundo grau (poéticas dentro das micropoéticas). (DUBATTI, 2011, p. 126, tradução nossa)

A poética demarcada é, portanto, o menor recorte das poéticas que Dubatti apresenta; é justamente nesse recorte que percebemos a incidência das diferentes maneiras que se instauram no processo de criação compartilhada. O desafio desta pesquisa é investigar como a criação compartilhada acontece em alguns casos específicos, com enfoque nos espetáculos mais recentes de cada grupo; tentar perceber quais são os recursos que essa dinâmica oferece e se há influência sobre a poética de cada um deles, e também como a criação compartilhada pode ser o resultado do diálogo entre os profissionais de cada etapa, construção e animação, quando diferenciados ou unificados nessas funções.

Existem infindáveis possibilidades de combinação das etapas de criação no teatro de animação durante a montagem de um espetáculo, assim como em qualquer outra área artística. A todo momento, o criador se depara com escolhas. Na perspectiva da poética demarcada – criação compartilhada –, uma possível escolha seria a de primeiro construir o boneco e depois criar as cenas, ou fazer os dois concomitante. Essa decisão influenciará todo o processo artístico e, logo, o resultado. Existem trajetos a escolher, cada uma das opções poderá levar a um resultado completamente diferente do outro. Salles comenta que

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De uma maneira bem geral, poder-se-ia dizer que o movimento criativo é a convivência de mundos possíveis. O artista vai levantando hipóteses e testando-as permanentemente. Como consequência, há, em muitos momentos, diferentes possibilidades de obra habitando o mesmo teto. Convive-se com possíveis obras: criações em permanente processo. As considerações de uma estética presa à noção de perfeição e acabamento enfrentam um “texto” em permanente revisão. É a estética da continuidade, que vem dialogar com a estética do objeto estático, guardada pela obra de arte. (SALLES, 2009, p. 29)

Esses dois termos postos em diálogo por Salles – a estética da continuidade e a estética do objeto estático – podem ser percebidos no teatro de animação. O boneco, depois de todas as alterações, caso ocorram, pode ser definido como objeto estático, a figura escultórica que se torna material para uso em cena, contudo inserido no espetáculo. O espetáculo teatral, durante a sua montagem e ainda depois de apresentado ao público, pode sofrer interferências, está em constante movimento, se criando e recriando a partir de estímulos diversos, inclusive da interferência do próprio boneco, ou seja, o espetáculo pertence à estética da continuidade.

Antes de ser considerado objeto finalizado, o boneco pode requerer modificações para se adequar à cena: pode ser um ajuste no mecanismo que possibilite o movimento idealizado pelo animador, ou uma mudança na plástica que atribui características para o personagem descobertas durante o processo, ou a construção de um novo boneco que favorece o ritmo necessário para o desenvolvimento da ação. Assim, são infindáveis as possibilidades de alteração do boneco que a montagem das cenas pode solicitar, em tipos de redes ou cadeias, conforme Salles observa:

O percurso criativo observado sob o ponto de vista de sua continuidade coloca os gestos criadores em uma cadeia de relações, formando uma rede de operações estreitamente ligadas. O ato criador aparece, desse modo, como um processo inferencial, na medida que toda ação, que dá forma ao sistema ou aos “mundos” novos, está relacionada a outras ações e tem igual relevância, ao se pensar a rede como um todo. Todo movimento está atado a outros e cada um ganha significado quando nexos são estabelecidos. (SALLES, 2009, p. 92)

Ao mesmo tempo, as modificações realizadas no boneco podem interferir diretamente na produção do espetáculo. Existe, no âmbito da criação compartilhada no teatro de animação, um movimento cíclico, uma vez que a montagem da cena pode sugerir

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alterações na construção do boneco, assim como a construção do boneco pode influenciar a criação da cena.

A criação compartilhada pressupõe que a produção da obra esteja intimamente ligada nas etapas de construção e encenação. Sendo assim, essas etapas não serão analisadas separadamente neste trabalho. Salles aborda o assunto sendo enfática no entendimento do todo: “A combinação de crescimento e execução, que caracteriza o trabalho artístico, conduz a procedimentos que não podem ser descritos como uma elaboração sucessiva de fragmentos. A construção de cada aparente fragmento atua dialeticamente sobre a outra.” (SALLES, 2009, p. 80)

Quando existe a liberdade no trânsito do boneco entre oficina e sala de ensaio, um processo agrega-se constantemente ao outro. O boneco, que ainda em fase de construção, entra em cena pode apresentar problemas mecânicos, não realizar movimentos que o ator-animador deseja, estar fisionomicamente incoerente com a personalidade construída, não obedecer ao ritmo da cena proposto, recomendando ajustes para a oficina. Da mesma forma, o boneco pode sugerir modificações na cena, quando o animador descobre que o boneco tem movimentos que levam a outra dinâmica, ou a fisionomia indica ao animador outras nuances para elaborar o personagem, ou estimula um ritmo a ser incorporado à cena.

Se a liberdade da criação compartilhada contribui para o processo, não podemos deixar de entender as possibilidades que as limitações instauram nas duas etapas. A cena pode constantemente ser delimitada pelo alcance do boneco. Em certos momentos, não há como alterar o boneco para que se realize a cena idealizada. O limite do boneco torna-se o limite da cena. Por outro lado, a cena pode delimitar a construção do boneco, exigindo um tipo específico de manipulação ou algum material particular.

As limitações impostas pelas duas vias podem propor outras possibilidades de criação. Quando existe uma barreira, faz-se necessário descobrir novas formas para transpô-la. Se o boneco não realiza o movimento idealizado pelo ator-animador, e se não há possibilidades de reformá-lo, esse profissional deverá procurar outros modos de atingir o necessário para a cena, transformando a movimentação do boneco, por exemplo. Essa dinâmica gera a criação de novas estratégias para a animação. Se o diretor entende como imprescindível certa dinâmica para a cena, o boneco será construído em função dessa orientação, e poderá conduzir o construtor a novas maneiras de criar o boneco. Salles explica liberdade e limite: “Poderíamos afirmar, em termos bastante gerais, que a criação realiza-se

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na tensão entre limite e liberdade: liberdade significa possibilidade infinita e limite está associado a enfrentamento de leis.” (SALLES, 2009, p. 66)

Podemos imaginar que o construtor é o limite do animador, e que o animador é o limite do construtor2. A relação entre essas duas funções define a criação compartilhada na medida em que um criador pode interferir no trabalho do outro, e a liberdade de criação se efetiva não só quando o profissional transgride os limites como também ao respeitá-los propondo-se novos caminhos.

Se o trabalho de animação é limitante ao trabalho de construção, a matéria de feitura do boneco também impõe limites à sua construção. Podemos assim considerar que o material – seja a matéria-prima para o construtor, e finalmente o boneco para o animador – também geram limites à oficina e à cena. Quanto mais o construtor e o animador dominam suas matérias de trabalho, seus comportamentos físicos e mecânicos, maiores as chances de superação dos limites:

O conhecimento das leis dadas pela natureza da matéria age sobre essa tendência concretizada no projeto poético do artista, gerando possíveis adaptações diante da impossibilidade de superação.

Esse contato com os limites da matéria faz parte do processo de conhecimento da matéria. (SALLES, 2009, p. 72)

Os limites da construção podem ser minimizados à medida em que o animador entende o boneco enquanto matéria. Essa discussão será desenvolvida ao levantarmos as possibilidades dessas duas funções convergentes ou não no mesmo profissional: 1) quando o construtor e o animador são a mesma pessoa (quem construiu o boneco o anima); 2) quando o construtor e o animador são pessoas diferentes, mas entendem funcionalmente ou intimamente a função do outro (o animador também constrói e o construtor também anima); e 3) quando são pessoas diferentes e que não tem qualquer relação com a função do outro (o animador não constrói e o construtor não anima).

A criação compartilhada, enquanto método ou qualidade processual no teatro de animação, produz efeitos perceptíveis diretamente nos espetáculos apresentados. Os métodos de criação e estruturação da montagem, ainda que não sejam totalmente perceptíveis ao público, contribuem não só para desenhar o espetáculo como são o efeito e a causa dos acordos, das vontades e capacidades que determinam a dinâmica de um grupo ou coletivo teatral. As etapas de construção e animação somam-se para delinear a estrutura do

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Podemos prever que outros profissionais, tais como o diretor, o dramaturgo, o iluminador, o cenógrafo, etc., também sejam agentes delimitadores da criação. Porém, não abordarei a interação com esses profissionais, pois eles não são o foco da pesquisa.

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espetáculo, assim como a soma dos espetáculos esboçam as características do grupo, conferindo-lhe uma identidade. A poética colabora com essa análise ao entender as partes em consonância com o todo, de acordo com Dubatti:

Toda poética se movimenta entre o universal e o particular, entre o abstrato e o interno, entre o geral e o concreto, “entre o um e o diverso” [Guillén]; em termos de teatro comparado e cartografia teatral, entre a supraterritorialidade de um e a diversidade da territorialidade. Isto permite discernir diferentes tipos de poéticas segundo o grau de abstração e de participação de seus traços em um indivíduo ou em um grupo de entes poéticos: micropoéticas, macropoéticas, arquipoéticas e poéticas demarcadas. A relação entre essas poéticas estabelece trajetos de análises dedutiva e indutiva, dentro de uma tarefa dialética que busca desenhar comunidades e cânones. (DUBATTI, 2011, p. 125, tradução nossa)

A criação compartilhada está presente em alguns processos de montagem dos grupos abordados. Algumas vezes a criação compartilhada acontece de forma intuitiva na experiência de algo novo, seja um material, uma técnica, uma escala etc. Os registros e a repetição consciente desses experimentos possibilitam a criação de novos métodos ou a reinvenção de outros. Segundo Salles:

Outra função desempenhada pelos documentos de processos é a de registro de experimentação, deixando transparecer a natureza indutiva da criação. Nesse momento de concretização da obra, hipóteses de naturezas diversas são levantadas e vão sendo testadas. Encontramos experimentação em rascunhos, estudos, croquis, plantas, esboços, roteiros, maquetes, copiões, projetos, ensaios, contatos, story-boards. Mais uma vez, a experimentação é comum, as singularidades surgem nos princípios que direcionam as opções. (SALLES, 2009, p. 22)

Os materiais produzidos durante os processos de montagens dos grupos nos levam a identificar como essas experimentações sugerem o método de trabalho de cada grupo, bem como a variedade desses métodos de um espetáculo para outro e até mesmo dentro de um mesmo espetáculo. É possível encontrar variáveis na criação de determinada cena, ou na construção de algum boneco específico.

É importante notar que a criação compartilhada é um conceito involuntário aos grupos aqui estudados (isto é, ambas as companhias trabalham até hoje sem se pautar conscientemente nesse conceito) e não é sempre a principal guia de trabalho desses grupos. A criação compartilhada pode ser para eles um dos tantos componentes das etapas de criação, construção e montagem de um espetáculo de teatro de animação. Ainda assim, essa

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pesquisa é pautada na criação compartilhada, pois acredita na importância dessa análise para o estudo dos possíveis métodos de cada grupo, que serão refletidos no resultado espetacular. Em suma, o que consideramos aqui como criação compartilhada, por sua natureza de compartilhamento de criação entre profissionais de áreas distintas, pode gerar um ambiente propício para o diálogo, divergências e convergências em torno do mesmo objeto – o boneco –, mas em duas ações diferenciadas: a de construir e a de animar.

Dubatti pondera sobre esse local de confronto como pertinente ao campo da micropoética. Nas palavras dele:

A micropoética é a poética de um ente poético particular, de um “indivíduo” poético. Se trata de uma série de espaços poéticos de heterogeneidade, tensão, debate, cruzes, hibridez de diferentes materiais e procedimentos; espaços de diferença e variação, (...) A micropoética propicia a complexidade e a multiplicidade interna, e costuma conter em suas combinações surpresas que contradizem e desafiam os modelos lógicos, (...) A espessura individual de cada micropoética deve ser analisada em detalhe: cada indivíduo poético está composto de infinitos detalhes. (DUBATTI, 2011, p. 126, tradução nossa)

É também nesse espaço da criação compartilhada que surgem importantes debates entre o construir e o animar. Nesse momento de diálogo, são duas qualificações de artistas se confrontando e contribuindo reciprocamente, dialogando com a hibridez de diferentes materiais e procedimentos citados por Dubatti.

Esse local de tensão, aliado a outros possíveis métodos e outras características plásticas e cênicas, torna esses coletivos de artistas um só indivíduo poético. Faz-se necessário refletir sobre quais possíveis manifestações criariam essa unidade particular, que permite reconhecer os trabalhos variados de diferentes profissionais como de um mesmo grupo.

Se a micropoética pode ser compreendida como a poética de um indivíduo, e se entendemos que, no caso de um coletivo de artistas, tal somatória de pessoas pode produzir um indivíduo poético, parece viável, portanto, considerar cada um dos dois grupos de teatro de animação como sendo indivíduos poéticos produtores, cada um em sua micropoética.

Ponderando que a micropoética é um lugar de heterogeneidade, onde se permite confrontos, diálogos, experimentações, hibridez, e ao mesmo tempo tem em si uma unidade que a torna identificável, faz-se necessário descobrir quais são os desencadeamentos que tornam os diversos espetáculos de um coletivo integrados em um mesmo conceito.

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A repetição é um dos aspectos que podem fazer parte das micropoéticas desses grupos, pois está em vários momentos em seus trabalhos, seja na repetição do tema, do conceito, da estrutura dramatúrgica, da composição sonora, da plástica, do método, do tipo de manipulação, da paleta de cores escolhida, da forma de entalhe dos bonecos, dos materiais utilizados, enfim, na persistência de determinados aspectos que expõe a singularidade do grupo ao longo de seus espetáculos.

O percurso da criação mostra-se como um emaranhado de ações que, em um olhar ao longo do tempo, deixam transparecer repetições significativas. É a partir dessas aparentes redundâncias que se podem estabelecer generalizações sobre o fazer criativo, a caminho de uma teorização. Não seriam modelos rígidos e fixos que, normalmente, mais funcionam como fôrmas teóricas que rejeitam aquilo que nelas não cabem. São, na verdade, instrumentos que permitem a ativação da complexidade do processo. Não guardam verdades absolutas, pretendem, porém, ampliar as possibilidades de discussão sobre o processo. (SALLES, 2009, p. 25)

Por meio da repetição pode-se configurar a identidade de cada companhia, que se encontrará impressa nos espetáculos, assim como em todo o processo de criação. De acordo com Michel Foucault, o autor pode se revelar em cada obra específica (ou mesmo nos fragmentos) e, ao mesmo tempo, no conjunto de sua obra: “Em suma, o autor é uma espécie de foco de expressão, que, sob formas mais ou menos acabadas, se manifesta da mesma maneira, e com o mesmo valor, nas obras, nos rascunhos, nas cartas, nos fragmentos, etc.” (FOUCAULT, 1993, p. 53)

Assumindo um grupo de teatro de animação como autor de seus trabalhos, podemos entender que no processo de criação coletiva coexistem diversos profissionais atuantes que também possuem autoria sobre os seus trabalhos. No caso da criação compartilhada, o construtor é autor de uma etapa do processo, assim como o animador é autor de outra, e juntos constroem uma autoria maior, a identidade da companhia. Foucault corrobora com essa análise da autoria maior como a função autor, que pode contar com muitos indivíduos. “De facto, todos os discursos que são providos da função autor comportam esta pluralidade de ‘eus’.” (FOUCAULT, 1993, p.55)

Ainda sobre a autoria na criação compartilhada, quando esta se estabelece, ou seja, quando há um diálogo proveitoso entre a oficina e a sala de ensaio, apresenta-se uma nova autoria resultante da combinação desses dois autores. Foucault aborda também a complexidade dessas relações: “Terceira característica desta função autor. Ela não se forma espontaneamente como a atribuição de um discurso a um indivíduo. É antes o resultado de

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uma operação complexa que constrói um certo ser racional a que chamamos autor.” (FOUCAULT, 1993, p.50) As relações entre construtor e animador, dentre outros fatores, podem ser identificadas, portanto, na função autor.

Entendemos ser necessário, antes de iniciar os capítulos sobre a trajetória dos grupos, abordar de forma clara as conceituações dos ofícios de bonequeiro, construtor, ator-animador, animador e manipulador, que são de suma importância ao longo deste trabalho.

Não tenho o intuito de julgar ou contestar esses termos, nem de caracterizá-los rigorosamente. Desejo apenas elucidar as nomenclaturas que utilizo para facilitar o cumprimento da finalidade desta pesquisa.

O primeiro conceito, bonequeiro, denomina o artista que é autor das diversas etapas de criação do teatro de animação. Steven Tillis considera que

No teatro de bonecos o artista pode desempenhar todas as funções necessárias à produção da peça, e frequentemente é exatamente isso que acontece. David Currel, um artista de bonecos inglês vangloria-se de que ‘o marionetista é... uma combinação rara de escultor, modelador, pintor, costureiro, eletricista, carpinteiro, ator, escritor, produtor, desenhista e inventor’ (1987 [1985]:1). (TILLIS, 2012, p. 253)

Entendendo então esse artista múltiplo, Tillis dá a sua versão para o surgimento do termo puppetteer, traduzido para “marionetista” por Mário Piragibe, e fala da importância dessa denominação:

A palavra é certamente mais maleável do que locuções tais como construtor de bonecos, operador de bonecos, vocalizador de bonecos e assim por diante. E, assim sendo, como indica Currel, como todas essas funções, há ainda outras, que são usualmente desempenhadas por um única pessoa. Com isso, o surgimento do termo marionetista era algo provavelmente inevitável. (TILLIS, 2012, p. 253)

Tillis apresenta o termo puppetter para o artista que cumpre todas as etapas do fazer teatro de animação. Apesar de entender o significado e uso da nomenclatura, faço uma ressalva, pois, no meu entendimento para esta pesquisa, o termo marionetista não será o mais adequado. Marionetista é derivado da palavra marionete, boneco de técnica específica, na qual o objeto é controlado por fios. Assim, considero que o termo marionetista será esclarecedor, neste trabalho, quando o artista se adequar exclusivamente a essa técnica.

Para o artista que se ocupa de outras diversas técnicas de construção e animação, faço uso do termo bonequeiro; que no Brasil, em 1979, de forma consensual entre vários pesquisadores do Teatro de Animação, foi estabelecido para batizar esse profissional:

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[...] em janeiro de 1979, na cidade de Ouro Preto, durante o Congresso da Associação Brasileira de Teatro de Bonecos - ABTB, os artistas presentes ao evento decidiram que “bonequeiro” era a palavra que melhor definia este profissional. Naquela época, o teatro de bonecos produzido pelos grupos no Brasil já fazia rupturas estéticas visíveis em relação ao teatro de bonecos tradicional, o nosso “mamulengo”, e com o teatro produzido em escolas bastante conhecido como “teatro de fantoches”. E “bonequeiro” passou a ser a nomenclatura corrente. Mas este consenso não durou muito. Logo, apareceram outros nomes com a justificativa de que “bonequeiro” é expressão mais adequada para quem trabalha com boneco do tipo antropomorfo e, por isso, não aglutina outras importantes tendências mais contemporâneas desta linguagem. (BELTRAME, 2007, p. 34) Piragibe, por outro lado, alude ao termo bonequeiro como sinônimo de marionetista para exemplificar o uso comum da definição do artista que exerce todas as etapas da animação. Mário Piragibe aplica o termo ao profissional tradicional, conforme reside no imaginário popular:

Termos tais como bonequeiro e marionetista podem ser empregados indefinidamente para determinar o artista de teatro de bonecos no exercício da função da idealização, da produção, da construção dos bonecos e cenários, bem como das atividades relacionadas à operação dos bonecos à apresentação de espetáculos.

Essa indefinição possui um motivo evidente, pois o emprego desses termos se dá de modo a fazer referência a uma certa qualidade de artista de teatro de animação que, apesar de bastante difundido e presente em nosso imaginário como encarnação emblemática e tradicional desse artista, não está presente em todas as manifestações do teatro de animação. (PIRAGIBE, 2012, p. 93).

Assumo a aplicação do termo bonequeiro que descreve esse artista múltiplo conforme a resolução do termo de 1979, por refletir, a meu ver, a posição que melhor se ajusta ao profissional do teatro de animação incumbido de realizar todas as funções do espetáculo.

Ora, é necessário considerar que nem sempre o artista cumpre as etapas descritas por Currel, citado por Tillis, que de acordo com Piragibe não reflete todas as manifestações do teatro de animação contemporâneo. Muitas vezes, o profissional que constrói o boneco não é o mesmo que anima, e ainda podem existir vários construtores para o mesmo boneco, ou ainda vários animadores tanto para os movimentos quanto para a fala. Tillis também aborda a existência dessa separação de tarefas:

No entanto, a palavra [marionetista] traz em si a pressuposição do artista multi controlador. Se, como se pode perceber no nosso

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exemplo japonês, algumas pessoas projetam e criam a cabeça, a peruca, e o figurino do boneco, ao passo que outras pessoas operam a figura que resulta dessa combinação em cena, ao mesmo tempo em que outras lhe concedem a voz, o termo marionetista não seria, nesse caso, impreciso? [...] Podemos de fato falar de uma união inseparável entre o boneco e qualquer um desses operadores, sem mencionar os diversos construtores, e, especialmente, o vocalizador, que fornece uma contribuição vital à apresentação do boneco; podemos falar, como grande validade, do marionetista no sentido que Currel dá ao termo? (TILLIS, 2012, p. 253)

Entendendo a variedade de profissionais que podem trabalhar na criação de um único boneco, definirei alguns termos para relacionar cada um deles.

Para o caso exclusivo de construtores do boneco, quando não são animadores nem desempenham outras funções, utilizo somente o termo construtor, doravante referindo-se sempre a construtor de bonecos.

Para os artistas que animam os bonecos, seja com movimentos e/ou voz, faço uso da nomenclatura de ator-animador, considerando a análise de Valmor Beltrame.

Certamente por isso, mais recentemente é freqüente o uso de nomenclaturas como manipulador”, bonequeiro”, “ator-animador”. São duas as novidades postas nessas expressões: a primeira é a idéia de “animar” o objeto inanimado, a idéia de dar vida a algo; e a segunda diz respeito à presença do bonequeiro como ator, como compositor da cena. É neste momento que se configura, de modo mais visível, a concepção de que este artista é ator, é intérprete. (BELTRAME, 2007, p. 34)

Há ainda outros dois termos que serão amplamente utilizados neste trabalho: animador e manipulador. Mário Piragibe abarca o entendimento desses dois conceitos:

A essa heterogeneidade de formas e materiais alia-se a colaboração voluntária e específica de alguém que insere em contexto espetacular essas formas num ato relacional, não obrigatoriamente manipulativo, de transformação dos significados originais do material utilizado para o interior de uma cena teatral. Este seria o animador, ator-manipulador, ou simplesmente: o ator. (PIRAGIBE, 2012, p. 16) Faz-se necessário ressaltar dois pontos fundamentais. O primeiro é sobre a separação entre as funções de construtor e animador que se encontra na bibliografia existente sobre o tema. Nas pesquisas sobre teatro de animação, essas duas funções aparecem dissociadas.

Há uma vasta bibliografia sobre o trabalho do animador, seja enquanto ator ou manipulador, sobre preparação corporal, treinamento, presença cênica etc. Para o construtor, a bibliografia é menor; existem textos sobre as possibilidades de construção de formas

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animadas, apresentando materiais, técnicas, estruturas, mecanismos e outros assuntos pertinentes ao ato de construir no teatro de animação.

Essas duas disciplinas de uma mesma área teatral permanecem ilhadas bibliograficamente. De acordo com Féral: “As diversas disciplinas acabam sendo arquipélagos que têm poucos laços entre si.” (FÉRAL, 2004, p.19, tradução nossa) O objetivo deste trabalho é justamente promover o entendimento da intersecção existente nestas duas áreas de conhecimento, e abordar o que resulta desse encontro.

A segunda característica que define este trabalho é o meu lugar de enunciação. Estou discorrendo sobre uma prática que vivenciei. Logo, as reflexões desta dissertação estão amplamente permeadas não só pelo meu próprio fazer artístico como também pelas minhas opiniões e críticas em relação ao trabalho presenciado. Ressalto a consideração de Féral sobre a incursão e a responsabilidade do autor que teoriza a prática:

Tal reflexão nos recorda também que o investigador não deve esquecer que todo ato teórico o coloca, antes de mais nada, como sujeito de enunciação, estando ele mesmo necessariamente inscrito no discurso social e político que transmite. (FÉRAL, 2004, p, tradução nossa)

Procuro neste trabalho “desmontar” os processos de criação dos grupos Giramundo e Faz de Conta, conforme define Ileana Dieguez:

Desmontar esses processos implicou desvelar entre investigação e criação, pois não são princípios repetidos ou conhecidos que se demonstram, se não os labirintos que se experimentam às custas do chamado êxito. Optar por compartilhar processos de trabalho, é não só mostrar resultados, é empreender itinerários arriscados, em uma direção muito distinta da montagem ou representação de um texto prévio. O que se decide compartilhar ou mostrar não é uma técnica ou regra de como fazer o trabalho de mesa para interpretar o texto ou como repartir os papéis entre os atores e marcar-lhes um traçado cênico. Talvez por isso estas experiências contribuem a estender o horizonte de estratégias poéticas, põe à prova os tradicionais cânones, abrem portas, oxigenam os marcos e, muito especialmente, propõe novos caminhos para os que estudam e refletem em torno da cena. (DIÉGUEZ, 2009, p. 10, grifos do autor, tradução nossa) Abordaremos no primeiro capítulo o processo de criação do Giramundo, analisando um possível método do grupo guiado pela ideia do desenho que parte dos esboços até o projeto técnico ou executivo do boneco, uma característica de grande relevância para o grupo (que considera o boneco o elemento central da cena) e pertinência neste trabalho. Para

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tanto, será importante apreciar, ainda que muito resumidamente, a trajetória de 44 anos de existência do grupo.

No segundo capítulo, discorreremos sobre o percurso do Grupo Faz de Conta, seus processos que identificamos estar pautados também em seu processo de criação de grupo, na pesquisa e na investigação indutivas coordenadas pelos seus integrantes. Considerando a integração das equipes, será o capítulo em que mais será compreendida a criação compartilhada.

Com esta dissertação, para além do desejo de ampliar os postulados acadêmicos na área, desejo também homenagear o meu quintal – minha escola, minha mãe, a grande mestra –, minha família Faz de Conta, meus companheiros de jornada.

Na conclusão deste trabalho, faremos uma análise sobre as possibilidades de interação que podem surgir entre o construtor e o ator-animador dentro das etapas de produção de um espetáculo de animação. Buscamos o entendimento sobre o processo de integração e dissociação entre as funções de construir e animar, e a relação deles com o trabalho de pesquisa e criação dos artistas envolvidos.

Foi em tempos de brincadeira que Álvaro Apocalypse iniciou o grupo Giramundo. Foi com pequenas travessuras que Maria Inês Mendonça criou o Grupo Faz De Conta. Talvez, não por coincidência, são chamados de brincantes os mamulengueiros de nordeste e norte do país. Não tinha como ser de outra forma e, dessa mesma maneira, é com grande alegria que apresento este trabalho.

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1. Giramundo

Uma história iniciada no desenho – Período Lagoa Santa

Mas, desde já, a marca que faria do Giramundo um estilo e uma referência importante no Teatro de Bonecos: o desenho que antecipa e a concepção do boneco como obra de arte. Marcos Malafaia

O grupo Giramundo se inicia em 1970 sob a batuta de Álvaro Apocalypse, que desde pequeno esteve envolvido com o universo dos bonecos. Sua mãe, professora, fazia bonecos para lecionar e brincar com os filhos. Álvaro seguiu seus passos. Tornou-se professor da Escola de Belas Artes da UFMG e também fez bonecos, mas não necessariamente para lecionar. Ficou o propósito da brincadeira e brincando construiu o grupo Giramundo, detentor do maior acervo de bonecos da América Latina.

Segundo Marcos Malafaia (2006), componente atual do corpo de diretores do grupo, Apocalypse queria mesmo era fazer cinema3, mas diante de tantas impossibilidades, a total falta de recursos, resolveu construir bonecos de verdade e exibi-los em forma de teatro. O próprio Álvaro Apocalypse relata sua vontade e a decisão pelo teatro de bonecos:

Eu tentei primeiro fazer o boneco para mover quadro a quadro, pra fotografar quadro a quadro, mas eu não tinha técnica pra isso, de jeito nenhum. Aí eu resolvi fazer teatro de bonecos, que aí a gente fazia os bonecos e não precisava filmar, a gente repetia todas as vezes possíveis. (APOCALYPSE, 2001)

Confeccionou os primeiros bonecos em casa, com o propósito de entretenimento para a família. Uma princesa que de tão feia virou um soldado inaugurou os traços do grupo. Mais tarde, esse boneco entraria para o elenco de A Bela Adormecida, que foi a primeira diversão a virar trabalho sério. Junto a Apocalypse, no processo de construção dos bonecos e montagem desse espetáculo, estavam Terezinha Veloso, sua esposa e também professora na EBA/UFMG, e Maria do Carmo Vivácqua (Madu), amiga e aluna que mais tarde ocuparia o cargo de professora na mesma escola.

Naquela época, Julio Varella era produtor do Festival de Inverno da UFMG e assistiu a função, que ainda se dava no quintal da casa dos Apocalypse, em Lagoa Santa.

3 Acredito que esse desejo de Álvaro Apocalypse possa ter certa influência sob seu trabalho. Assim como no

cinema de animação inicia-se o trabalho pelo storyboard, Apocalypse também inicia seus bonecos pelo desenho, que guia a construção. Verifica-se igualmente o uso do storyboard em muitos dos seus espetáculos.

Referências

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