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5.3 Sempre: confrontando as informações

5.3.1 A pergunta que não cala: sempre perfectivo ou imperfectivo?

Originalmente, esta questão estava no âmago da presente pesquisa. Contudo, com a progressão da revisão bibliográfica e da análise dos dados, ela foi devidamente redimensionada. Aqui, portanto, apresentaremos duas possibilidades de resposta a essa pergunta.

A primeira possibilidade é a não necessidade de uma resposta, uma vez que esta pesquisa trabalha numa visão composicional de Aspecto, na qual vários elementos se inter- relacionam para compor uma determinada leitura aspectual para o enunciado. Assim, o

sempre seria apenas um dos elementos responsáveis por atribuir aspectualidade ao enunciado, não sendo, então, interessante, sob essa perspectiva, categorizá-lo como perfectivo ou imperfectivo. Mais relevante, para nós, é a descrição de como ele interage com outros marcadores aspectuais, relatando que ele participa da atualização de determinados Aspectos.

Encontramos, no entanto, na literatura aspectual consultada, trabalhos composicionais que categorizam o sempre como perfectivo (COSTA, 2002) e como imperfectivo (CASTILHO, 1999), o que gera um conflito em termos principalmente de

nomenclatura, já que estes mesmos trabalhos pouco contribuem para a descrição da interação do sempre com outros marcadores aspectuais.

A segunda possibilidade, considerando o dito logo acima, é propor uma discussão sobre qual classificação seria mais apropriada levando em conta os nossos resultados e as “premissas” que os autores empregaram na classificação do sempre. Para tanto, precisamos retomar as asserções de Castilho (1998;1999) e de Costa (2002) – os únicos a classificarem o

sempre em termos de perfectividade e imperfectividade - sobre como identificar se um advérbio é perfectivo ou imperfectivo, haja vista que tal classificação costuma ser associada às formas verbais em português. O único problema, e ele não é pequeno, está no fato de que os autores não afirmaram diretamente como classificar, embora o tenham classificado. Mas vamos ver o que é possível depreender das afirmações dos autores.

Comecemos por Castilho (1999) que afirma ser o sempre capaz de quantificar as situações, acrescentando-lhes o conteúdo de permanência, ficando assim a meio caminho entre advérbios aspectuais Quantificadores e Qualificadores (neste último se inserem os Aspectos perfectivo e imperfectivo). O autor demonstra indecisão quanto ao estatuto do

sempre, se quantificador ou qualificador. Indecisão esta não verificada em uma outra afirmação sua - Castilho (1998-99:290) -, em que o sempre é considerado um aspectualizador qualitativo, sendo inserido na classe dos imperfectivos, responsável por codificar o valor durativo. Por extensão, depreendemos disso que o autor considera que o sempre está associado à quantificação, quando quantifica situações, por um lado, e à qualificação, por outro lado, quando faz as situações serem vistas como durativas, saindo daí sua classificação como imperfectivo. Ou seja, o sempre é classificado pelo autor como imperfectivo, pois marca a duratividade, um dos subtipos aspectuais normalmente associado ao imperfectivo. Agora que conhecemos o raciocínio empregado por Castilho na classificação do sempre como imperfectivo, vamos tentar entender a linha de pensamento empregada por Costa (2002).

Costa (2002) nos reserva um pouco mais de trabalho, posto que, ao tratar do sempre, a autora primeiramente o qualifica como perfectivo (e só!), em seguida fornece duas ocorrências para discussão (ver exemplos (32) e (33) na p. 48-9). Na primeira, a interpretação obtida, segundo a autora, é de uma situação habitual por continuidade e na segunda, uma situação habitual por iteração. De acordo com Costa, as interpretações são diferentes porque na segunda a habitualidade se configura por meio de repetição, e na primeira, por meio de

uma situação que não se repete, mas sim que é vista em desenvolvimento, com duração. A autora conclui a discussão de seus exemplos dizendo que a interpretação envolvendo repetição não é Aspecto (já nos posicionamos sobre isso) e a que não envolve repetição é Aspecto, para ser mais exata, é Aspecto imperfectivo cursivo. Disso depreendemos o seguinte: da interpretação com repetição, a autora não pôde tirar uma classificação aspectual para o sempre, já que não considera esse valor um tipo ou subtipo de Aspecto. A interpretação sem repetição e durativa, considerada Aspecto imperfectivo pela autora, também não serviu na classificação do sempre, já que ela o considera perfectivo. Considerando apenas essas afirmações da autora não é possível ainda conhecer o raciocínio de Costa em relação à classificação do sempre, precisaremos prolongar um pouco mais esta discussão.

Voltemos, portanto, ao ponto em que a autora apresenta seu entendimento sobre a relação de tempos verbais perfectivos (o PP, por exemplo) e imperfectivos (o PI) com advérbios imperfectivos e perfectivos (no qual insere o sempre). De acordo com a autora, ao se relacionarem, num enunciado, um tempo verbal perfectivo e um advérbio imperfectivo ou um tempo verbal imperfectivo e um advérbio perfectivo, prevalece para o enunciado o Aspecto imperfectivo. Isso porque, conforme Costa, um advérbio pode imperfectivizar uma forma verbal perfectiva, mas ele não pode perfectivizar uma forma verbal imperfectiva. Isto é, o imperfectivo prevalece sobre o perfectivo, uma vez ocorrido em um enunciado. Disso tudo podemos depreender as seguintes consequências:

(i) em enunciado com PP e advérbio imperfectivo, a interpretação é imperfectiva;

(ii) em enunciado com PI e advérbio perfectivo, a interpretação é imperfectiva; (iii) em enunciado com PI e advérbio imperfectivo, a interpretação é imperfectiva; (iv) em enunciado com PP e advérbio perfectivo, a interpretação é perfectiva; (v) se um advérbio é capaz de imperfectivizar (levar um Aspecto imperfectivo

para o enunciado), então ele é imperfectivo; caso contrário, ele é perfectivo.

Com isso, chegamos ao raciocínio empreendido por Costa (2002) na classificação dos advérbios aspectuais em perfectivo e imperfectivo, que, afinal, não se distancia muito do procedimento de Castilho (1998 – 99). Agora podemos aplicar o raciocínio desses dois autores aos nossos dados, considerando que se o advérbio atualiza um aspecto imperfectivo, mesmo em face de uma forma verbal perfectiva, ele é imperfectivo; se ele não apresenta essa

capacidade, ele é perfectivo. E dessa maneira, seguindo os passos adotados por Costa (2002) e Castilho (1998 – 99), podemos discutir qual classificação seria mais apropriada para o

sempre, caso precisássemos classificá-lo.

Pela análise elaborada na seção sobre os valores aspectuais associados ao sempre, vimos que das 247 ocorrências de forma verbal perfectiva (PP), 166 apresentaram a leitura cursiva, chamando atenção para a duração da situação, o que se constitui tanto para Costa quanto para Castilho como um significado aspectual imperfectivo. Abaixo apresentamos uma dessas ocorrências para discussão:

(109) Eu sempre quis ser goleiro. (nilc\corrigid\jornal\folha\espor-es\es94fe6) (110) Eu quis ser goleiro. (adaptado de 109)

Em (109), o verbo está sob a forma perfectiva com o sempre o precedendo. Neste enunciado, a situação “querer ser goleiro” é entendida como algo durativo, é um “querer” que perdura, implicando uma interpretação aspectual imperfectiva para o enunciado, uma vez que é chamada a atenção para sua duração. Em (110), o verbo está sob a forma perfectiva e não há a presença do sempre. Sua leitura é de que “querer ser goleiro” é algo do qual não sabemos se durou (ela pode ter durado, mas isso não está marcado), pois a situação é apresentada como um todo único, nos fazendo crer que ela não durou, caracterizando o Aspecto perfectivo. Tendo consciência de que o ocorrido em (109) se concretiza em 166 dos 247 enunciados com forma perfectiva, e considerando o raciocínio de Costa (2002) e Castilho (1998-99), o mais plausível, se precisássemos classificar o sempre, seria considerá-lo imperfectivo, já que em face de formas verbais perfectivas ele pode atualizar leituras imperfectivas.

Ainda haveria o caso das leituras habituais com PP e PI, verificadas em nossa análise, das quais o sempre também participa (cf. seção sobre valores aspectuais associados ao

sempre). Nesse caso, como o habitual envolve repetição, para Costa ele não seria Aspecto e, por isso, não interferiria na proposta de classificação. Para Castilho, o habitual, coberto por ele sob a nomenclatura de iterativo, é Aspecto. Nesse caso, proporíamos o que o autor propõe: uma face qualitativa e uma quantitativa para o Aspecto. Na qualitativa, o sempre seria imperfectivo, e na quantitativa, ele quantificaria as situações sem alterar a perfectividade ou imperfectividade de cada repetição (sobre esta última possibilidade, exemplos podem ser encontrados na p.53). Com isso, encerramos nossa discussão sobre a classificação do sempre

e também damos fechamento ao confronto das conclusões de nossa análise às informações encontradas durante a revisão de literatura. Fica, então, a esperança de que a discussão realizada aqui suscite outras, com as quais possamos dialogar.