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A PERSPETIVA GEOGRÁFICA

Capítulo III O Naufrágio

3. A PERSPETIVA GEOGRÁFICA

Desde 1976 a esta parte, o território português sofreu incontornáveis mutações

no seu território.180 Uma das mais notórias foi a expansão e melhoria do sistema de

transportes, sobretudo em finais da década 80 e durante toda a década de 90, fruto de

avultados financiamentos comunitários, que a adesão181 do nosso país à Comunidade

Económica e Europeia, a então Europa dos Doze, possibilitou.

Os recursos públicos, então disponíveis, permitiram ao Estado a construção de novas infraestruturas, revolucionando por completo o transporte rodoviário, ferroviário, marítimo e aéreo. Da ligação da rede de transporte nacional à rede transeuropeia, ao

transporte multimodal, passando por um ambiente económico favorável182, a

mobilidade183 e acessibilidades184 em Portugal sofreram um significativo incremento em

pouco mais de duas décadas.

Adicionalmente, a crescente eficiência dos meios de transportes permitiram uma redução expressiva na relação distância-custo e distância-tempo. A noção de distância deixou de ser entendida em termos absolutos (distância em quilómetros), para ser aferida em termos relativos (distância-custo e distância-tempo). As barreiras físicas e as longas distâncias entre extremos opostos do território continental, e entre este e as ilhas,

deixaram de constituir um constrangimento.185 Tudo isto conduziu, à diminuição do

(180) Sobre o tema, vide TERESA SÁ MARQUES, “Um Território em Mudança: Padrões Territoriais, Tipologia Urbana e Dinâmicas”, in Inforgeo – Espaços Urbanos, N.º 14, Associação Portuguesa de Geógrafos, 1999, p. 21-42.

(181) O tratado de adesão assinado por Portugal e Espanha entrou em vigor a 1 de Janeiro de 1986. Os dados estatísticos referentes à extensão das autoestradas transitáveis em 1986 (196,1 km) e 2001 (1659,0 km) demonstram bem esta evolução.

(182) Originando uma massificação dos transportes públicos, que rapidamente se estendeu à utilização do automóvel particular.

(183) Para DIOGO ABREU “desde o início da Revolução Industrial que, em Portugal, como em todos os

outros países e regiões do mundo, se tem vindo a verificar um ininterrupto aumento da mobilidade, especialmente intenso no decorrer do século XX.”; in Geografia de Portugal – Actividades Económicas e Espaço Geográfico, Vol. 3, 1.ª Edição, Círculo de Leitores, 2005, p. 334. Também TERESA BARATA SALGUEIRO ensina que “na época contemporânea tem-se assistido a um crescente aumento da

mobilidade individual. As pessoas deslocam-se mais e fazem-no a maior distâncias.”;in A Cidade em Portugal – Uma Geografia Urbana, Edições Afrontamento, 1992, p. 370.

(184) Trata-se de um conceito geográfico “(…) defined as the measure of the capacity of a location to be

reached by, or to reach different locations”; JEAN-PAUL, CLAUDE COMTOIS and BRIAN SLACK, The Geography of Transport Systems, p. 28.

(185) CARLOS VEIGA escreve que “os progressos nos transportes, nas telecomunicações e na

informática, e a sua confluência, criaram as condições favoráveis para ligar o mundo e torná-lo mais pequeno, mais próximo.”; “Sociedade Digital: Impactos na Sociedade”, in Direito e Cidadania, N.º 12/13,

março-dezembro, 2001, p. 252. De acordo com TERESA BARATA SALGUEIRO “O transporte visa

vencer as descontinuidades próprias da superfície terrestre e tornar próximos lugares geograficamente separados, encurtando a distância entre eles.”; A Cidade em Portugal – Uma Geografia Urbana, Edições

isolamento das populações entre si, e por acréscimo, na aproximação da administração aos administrados.

Um outro aspeto de ordem geográfica a ter em consideração é o da hierarquia dos lugares. Na verdade, a importância do território é díspar, alternando em função da “(…) importância relativa de cada uma das aglomerações, avaliada tanto do ponto de vista demográfico como funcional; extensão e intensidade das respectivas áreas de influência (...).”186

No caso das freguesias, a sua centralidade é diminuta, ou mesmo inexistente quando confrontada com a do respetivo município. Basta pensarmos na realidade apagada existente em redor das sedes de freguesia e que contrasta com o dinamismo social, económico e cultural, que se desenvolve em torno das sedes de municípios.

Por essa razão, o território circundante às sedes de municípios é, em regra, qualificado como sendo um lugar central, o mesmo não sucede com as sedes de freguesia, com exceção porventura de algumas integradas em grandes cidades. De resto, os principais serviços públicos da administração pública, designadamente, repartição de finanças, segurança social, conservatórias do registo, forças de segurança e tribunais,

localizam-se junto às sedes de município. Também o sector privado187 é avocado pelo

efeito centralizador que o município incorpora, consumindo deste modo, a relevância de

todas as freguesias que nele coexistem.188

O município é portanto a única autarquia local capaz de melhor prosseguir o

interesse público das populações189, beneficiando de um conjunto de serviços públicos e

(186) JOÃO FERRÃO, “Rede Urbana Portuguesa: Uma Visão Internacional (I)”, in Revista Janus, 2001. Vide ainda: TERESA BARATA SALGUEIRO, A Cidade em Portugal – Uma Geografia Urbana, Edições Afrontamento, 1992, e JACQUELINE BEAUJEU-GARNIER, Geografia Urbana, in Raquel Soeiro de Brito (trad.), 2ª Edição, Fundação Calouste Gulbenkian, 1997.

(187) Instituições bancárias, comerciantes, advogados, entre outros.

(188) JOSÉ ANTÓNIO SANTOS reconhece, igualmente, este desígnio dizendo que “as freguesias

inseridas na malha urbana das sedes dos municípios carecem de espaço funcional para a consecução de qualquer actividade relevante, em virtude de, na prática, essas áreas urbanas estarem quase exclusivamente confiadas à acção e aos meios camarários. Simultaneamente, é na edilidade municipal que as populações depositam as suas expectativas para a resolução dos problemas e aspirações na causa pública.”; in As Freguesias – História e Actualidade, 1.ª Edição, Celta Editora, 1995, pp. 97-98. Do

mesmo modo ARMANDO PEREIRA e M. CASTRO DE ALMEIDA, salienta que “os residentes são

simultaneamente munícipes e fregueses, mas é mais como munícipes que os cidadãos se assumem, já que é relativamente ao município que se estabelece uma rede maior de ligações, dependências e responsabilidades, o mesmo se verificando no sentido contrário.”; in Conhecer as Autarquias Locais,

Porto Editora, 1985, p. 13.

(189) Na verdade, a autarquia local município mostra-se ser “(…) mais adequada [do que a freguesia] ao

prosseguimento de boa parte das funções que é necessário desenvolver e portanto com a existência a nível municipal de uma estrutura técnica e administrativa de suporte robusta e suficientemente diversificada, em termos das especializações técnicas imprescindíveis ao desenvolvimento dos serviços públicos em causa.”; Idem, ibidem p. 15.

privados que orbitam à sua volta, e que lhe permitem assegurar uma maior celeridade e eficácia de atuação para com os particulares.

Um último aspeto geográfico a ter em consideração é o da população e território português. Observando o mapa europeu, Portugal é sem dúvida um país de

pequena/média dimensão.190 Segundo dados estatísticos do Instituto Nacional de

Estatística (INE), em 2014 a população total residente representava cerca de 10,3

milhões191 (vide Anexo V), enquanto, que o território sob a soberania portuguesa192

esgota somente pouco mais de (vide Anexo VI).

Esta realidade não pode ser alterada nem ignorada pelo Estado, exigindo-se portanto, um mínimo de coerência entre a dimensão do país e a sua máquina política e

administrativa.193 Por outro lado, não se esqueça que as atuais freguesias não são

dotadas de população e território suficientes para prosseguir interesses locais, que cada vez mais, se tendem a dilatar.

(190) Segundo ORLANDO RIBEIRO, “Portugal forma um rectângulo, alongado no sentido norte-sul, na

faixa ocidental da Península Ibérica, de cuja superfície ocupa pouco mais de um quinto. Disposto entre os paralelos de 37˚ e 42˚ N, mede 561 km de comprimento máximo norte-sul, e a largura leste-oeste varia entre 218 e 112 km.”; Geografia de Portugal, Vol. I, Suzanne Daveau (org.), Edições João Sá da Costa, p.

26.

(191) Derivado dos fenómenos demográficos de litoralização e bipolarização das áreas metropolitanas de Lisboa (AML) e do Porto (AMP), assistiu-se nos últimos anos a uma maior concentração populacional em pequenas parcelas do território. Exemplo disso mesmo são as AML e AMP, que embora representem apenas 5% da superfície do território nacional, são habitadas por, aproximadamente, 42% da população total do país. Estes dados estatísticos, são reveladores de uma distribuição assimétrica da população pelo território.

(192) Constituído pelo território historicamente definido no continente europeu e pelos arquipélagos dos Açores e da Madeira (artigo 5.º CRP).

(193) JOSÉ CASALTA NABAIS, A Autonomia Financeira das Autarquias Locais, ob. cit., p. 23. No mesmo sentido MARCELLO CAETANO afirma que “Portugal continental é um país pequeno que a

facilidade de comunicações tornou mais pequeno ainda. Daí resultam várias consequências a tomar em conta.”; in O Município na Reforma Administrativa, Empresa Universidade Editora, 1936, p. 10.