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A pesquisa psicológica sob o ponto de vista feminista

PARTE 1: FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA

1.4 A pesquisa psicológica sob o ponto de vista feminista

Compatível com as formulações teórico-conceituais dos três autores clássicos da

Psicologia do Desenvolvimento - Piaget, Vigotsky e Wallon -, asseveramos que defendiam

o que hoje denominamos de método de análise qualitativa, com foco no sujeito humano e

sua subjetividade com a preocupação central de ultrapassar a ideia da causalidade biológica

e as clássicas dicotomias da psicologia (Fávero, 2005). Por essa razão, nosso trabalho,

conforme veremos a seguir, segue uma linha que visa retomar o sujeito cognoscente na

análise psicológica.

Articulada junto à pesquisa, com foco no desenvolvimento humano, pontuamos a

necessidade de situar nossa dissertação numa investigação científica desenvolvida sob o

ponto de vista feminista. Várias implicações conceituais e metodológicas advêm dessa

articulação, entre estas, a consideração dos participantes como inseridos num contexto de

mediação semiótica que inclui o gênero como fundamento para o desenvolvimento dessas

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Beetham e Demetriades (2007), por exemplo, citam algumas características da

pesquisa que considera as questões de gênero, sendo aquelas pertinentes a esse trabalho:

[...] a/ Consideração das relações hierárquicas de poder entre homens e mulheres que tendem a apresentar desvantagens para elas. Isso envolve tanto o reconhecimento das desigualdades de gênero na vida cotidiana das pessoas e também a natureza do processo de pesquisa em si. b/ A integração da diversidade, incluindo as diferentes formas como raça, etnia, classe social, sexualidade, idade, deficiências afetam as relações de gênero, com especial atenção para as vozes dos marginalizados em todos os níveis do processo de pesquisa. c/ A análise das relações entre todas as partes, incluindo o pesquisador. d/ O uso comum de métodos qualitativos considerados métodos não tradicionais nas ciências físicas e sociais e na pesquisa em desenvolvimento em particular. e/ A adaptação de métodos quantitativos na consideração de aspectos de difícil mensuração, tais como o empoderamento de mulheres e itens sensíveis à violência baseada em gênero (Beetham & Demetriades, 2007, p. 200, tradução livre).

Interagindo com as proposições das autoras acima, Mary Gergen (1988) defendeu

as seguintes questões, como princípios centrais de um método feminista:

Reconhecimento da interdependência do experimentador e assunto; contextualização do assunto ou experimentador em seu meio social e histórico; reconhecimento e revelação dos valores e sua natureza em um contexto de pesquisa; aceitação de que os fatos não existem independentemente de seus códigos de produtores linguísticos; desmistificação do papel dos cientistas e estabelecendo uma relação igualitária entre os fabricantes de ciência e ciência consumidores (Gergen, 1988, p. 47, tradução nossa).

A partir dessas proposições, fundamentamos a necessidade de considerar a

complexa trama envolvida na construção dos papéis sociais de gênero e suas articulações

com a identidade individual e psicológica das pessoas. Por isso, partimos de uma

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matemática para, no fim, fundamentar a tese de que existem articulações fundamentais

entre ciência, gênero e a mediação da disciplina da matemática na escola.

Nesse estudo, faz-se necessário analisar de que forma o gênero se constitui e em

que medida essa categoria se articula junto ao conhecimento humano construído. A fim de

se entender essas questões, vamos recuperar algumas teses que analisam o gênero a partir

dessa perspectiva. Consideramos pertinentes tais investigações com foco em gênero, tendo

em vista as transformações sociais que estamos defendendo a partir de pesquisas que

tenham esse objeto de análise. Para isso, na próxima parte dessa dissertação, são

focalizadas as contribuições de autoras feministas para a constituição de um método que

analise sujeitos gendrados socioculturalmente.

Pelas razões acima, discutiremos na próxima parte, o método de nosso estudo com

base na crítica aos procedimentos metodológicos de fundamento positivista. Segundo

Riger (1992), o uso de métodos científicos para estudar seres humanos tem algumas

características específicas: quando os procedimentos metodológicos das ciências naturais

são utilizados como um modelo, os valores humanos entram no estudo dos fenômenos

sociais e são considerados apenas como objeto. Além disso, o objetivo da investigação

científica social passava a ser a construção de leis ou generalizações como as ciências

naturais. Por último, as ciências sociais tem um componente demasiadamente técnico, com

instrumentos de conhecimento único.

Riger (1992) aponta que a investigação psicológica de gênero nem sempre caminha

fora de uma concepção teórico-metodológica fechada. Nesses casos, a pesquisa psicológica

contém uma fonte de preconceitos, com um vácuo acerca do contexto social que envolve

os elementos da pesquisa. O propósito da experiência de laboratório é isolar o

comportamento de variáveis tidas como contaminantes, de modo a ser afetada apenas pela

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estatuto social, história, crenças e valores por trás, como eles quando entram no laboratório

(Fine & Gordon, 1989; Parlee, 1979; Sherif, 1979, conforme citados por Riger, 1992).

A autora postula que, em vez de elementos contaminadores da pesquisa, estes

fatores podem ser determinantes críticos do comportamento. Pelo comportamento

desvinculado de seu contexto social, pesquisadores em Psicologia com bases behavioristas

podem desconsiderar o estudo de fatores socioculturais e históricos, e implicitamente

atribuir causas a fatores intrínsecos à pessoa. Além disso, uma ausência de consideração do

contexto social de pessoas e de ações não se limita ao laboratório de pesquisa. Em uma

inversão irônica do ditado feminista da década de 1960, quando o contexto social é

ignorado, a política é mal interpretada como pessoal (Kitzinger, 1987).

Para Morawiski (1990), aqueles que defendem uma ciência neutra argumentam que

o conhecimento produzido de forma imparcial irá servir como base para uma política

social mais justa. No entanto, alguns autores ponderam que a frequente análise de casos de

pesquisas enviesadas pela ideologia da dominância masculina tem levado-os a concluir que

uma pesquisa livre de valores é impossível, sejam eles quais forem, mesmo se for feito por

aqueles de boa fé (Hare-Mustin & Maracek, 1990, conforme citados por Riger, 1992), até

mesmo na definição dos problemas da pesquisa. Por essa razão, críticos afirmam que os

métodos tradicionais não revelam a realidade; eles limitam a nossa compreensão acerca das

experiências humanas.

Alguns pesquisadores argumentam que os processos cognitivos das mulheres e

modalidades de pesquisa são diferentes dos masculinos. Tem sido evidenciado nas

mulheres pesquisadoras um estilo comum feminista de pesquisa que enfatiza a cooperação

do pesquisador e sujeitos, além de uma valorização de contextos naturais e o uso de

métodos qualitativos. Essas características contrastam com um modelo masculino que

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ambiente, e a utilização dos dados quantitativos (Carlson, 1972, conforme citado por Riger,

1992).

Articulada junto às teses de Chodorow (1974), Fox Keller (1985) tentou dar

motivos para esta posição com uma visão psicanalítica do desenvolvimento infantil. Ela

argumentou que a necessidade da criança do sexo masculino para diferenciar-se da sua

mãe o leva a desenvolver sua autonomia com a distância de outros no seu processo de

socialização. Essa posição reflete e produz uma ênfase na ciência da distância, poder e

controle. Fox Keller (1985) identifica um modelo alternativo de ciência baseada não no

controle, mas sim na “conversação” com a natureza.

Numa visão pós-estruturalista, de ciência feminista, a questão central não é como as

produções científicas formam os fatos, ou como esses fatos constituem a realidade. Ao

invés disso, o foco da crítica desses autores pós-modernistas é quais instituições sociais,

valores e grupos podem ser favorecidos pelas múltiplas versões de realidade (Riger, 1992).

Essas concepções pós-estruturalistas de produção e prática científica interagem com

as críticas de Gergen (1985) acerca do que consideramos realidade, com base nos

resultados científicos. Para esse autor, construcionistas sociais veem métodos de pesquisa

tradicionais como objetificações ou ilustrações dessa realidade, semelhantes a fotografias

usadas para argumentação persuasiva, ao invés de verdades tidas como validadas.

Dessa forma, como veremos na Parte 2 desse trabalho, procuramos construir uma

investigação pautada nos princípios socioculturais, considerando o vínculo entre a

realidade social e o trabalho de pesquisa psicológica. No nosso trabalho de campo,

procuramos entender de que forma os processos de mediação de significados estavam

relacionados à subjetivação dos sujeitos participantes, conforme explicaremos na segunda

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PARTE 2: ENTRANDO NA SALA DE AULA DE MATEMÁTICA