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PARTE 2: A RELAÇÃO PUBLICO E PRIVADO NO GOVERNO

4.2 AS POLÍTICAS PÚBLICAS PARA O ENSINO SUPERIOR NO

4.2.2 A política de avaliação da Educação Superior

As ações na educação superior começam ainda em 2003, sendo a política de avaliação da educação superior uma das primeiras áreas a serem atingidas. Em dezembro de 2003, foi editada a Medida Provisória n.º 147/2003 (BRASIL, 2003b), instituindo o SINAES, fruto do trabalho da Comissão de Estudos da Avaliação e, já em abril de 2004, o Presidente sancionou a Lei n.º 10.861 (BRASIL, 2004b), instituindo o Sistema Nacional de Avaliação da Educação Superior (SINAES) e criando a Comissão Nacional de Avaliação da Educação Superior (CONAES), que foi regulamentada, em julho de 2004, pela Portaria do MEC n.º 2.051 (BRASIL, 2004c).

Por sua vez, a CONAES publicou dois documentos em agosto de 2004: as Diretrizes

para a avaliação das IES (BRASIL, 2004l) e o Roteiro para a Avaliação Interna (BRASIL,

2004j). Em novembro de 2005, a mesma Comissão publica mais um documento: Avaliação

Externa de Instituições de Educação Superior: Diretrizes e Instrumento (BRASIL, 2006c)

Finalmente, em 23 de fevereiro de 2006, o MEC apresenta a proposta de Decreto- ponte, regulamentando pontos da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB – Lei

n.º 9.394/1996) e da Lei n.º 10.861/2004, que institui o Sistema Nacional de Avaliação da Educação Superior (SINAES), sendo editado em 09 de maio de 2006 o Decreto n.º 5.773, conhecido como o Decreto-Ponte (BRASIL, 2006b).

Essa trajetória revela que o tema parecia urgente para o novo Governo, diante da repercussão alcançada pelo principal instrumento de avaliação anterior, o Exame Nacional de Cursos, conhecido como o “provão”. Para Rothen (2007), subjacente aos instrumentos da avaliação encontramos duas concepções, duas vertentes de avaliação:

A primeira, que tem a sua origem em algumas universidades na Década de 1980, tem como pressuposto que a avaliação é, por um lado, o ato autônomo da Universidade em prestar contas à sociedade e, de outro, a avaliação é uma das ferramentas de gerenciamento e de tomada de decisões das Instituições escolares. A segunda vertente tem como base a idéia neoliberal de que o papel do estado em relação à educação consiste em avaliar as instituições escolares. (ROTHEN, 2007, p.1)

A marca neoliberal da segunda vertente estaria no fato de nela “os técnicos das Agências Estatais é que definem o que é qualidade bem como os indicadores a serem utilizados para aferi-la. Por sua vez, na avaliação participativa e emancipatória a definição da qualidade e dos indicadores é negociada com os agentes do processo” (ROTHEN, 2007, p.1). Para o referido autor, o processo de elaboração do novo sistema de avaliação teve, como marca principal, o conflito interno, desde a CEA até os últimos documentos em torno das duas vertentes:

O processo de elaboração da nova proposta foi marcado por conflitos no Ministério da Educação em relação à função prioritária da avaliação: a formação/emancipação ou a regulação/controle das instituições. O então Ministro da Educação, Cristovam Buarque defendia explicitamente a manutenção, em linhas gerais, dos procedimentos da avaliação do governo anterior Por sua vez, o relatório da Comissão Especial da Avaliação apresentou uma proposta com a visão da avaliação como formação/emancipação. (ROTHEN, 2007, p.8).

Essa tensão será recorrente nos instrumentos legais, segundo o autor, a Lei 10.861/2004 “é coerente com a concepção de Estado Avaliador adotada pelo governo anterior, isto é, a idéia de que compete ao Estado apenas avaliar e controlar as IES” (ROTHEN, 2007, p.10). Contudo, nos dois documentos seguintes, produzidos pelo CONAES, intitulados As Diretrizes para a Avaliação das Instituições de Educação Superior e o Roteiro

para a Avaliação Interna, o autor identifica mudanças: “Nesses documentos, nitidamente os

autores buscam resgatar o espírito da proposta da CEA (...)” (ROTHEN, 2007, p.11). Além disso, é importante ressaltar que nas, Diretrizes, não se utiliza a expressão “avaliação com fins

regulatórios” ou “avaliação regulatória”. Nas Diretrizes, a regulação não se vincula à avaliação. Nela é explicita a centralidade da auto-avaliação (ROTHEN, 2007).

A retomada da vertente de cunho “neoliberal”, segundo o autor, apresenta-se no documento Avaliação Externa de Instituições de Educação Superior: Diretrizes e

Instrumento.

Com a justificativa da existência das referências universais, no restante do documento é elaborada uma proposta de avaliação externa que se distância das

Diretrizes para a avaliação das Instituições de Educação Superior e aproxima-se

da dinâmica da avaliação do governo anterior, isto é, um conjunto de indicadores pré-estabelecidos que permitiriam a elaboração de um conceito final. Essa semelhança pode ser percebida no quadro que introduz, no anexo III, a apresentação do formulário eletrônico. No quadro, é atribuído peso para cada uma das deis dimensões do SINAES previstas no Artigo 3o da Lei 10.861.(ROTHEN, 2007 p.14).

A análise de Rothen (2007) parece-nos exagerada ao classificar de neoliberal o SINAES, em virtude da atribuição de pesos distintos para cada uma das dimensões. Ora, o que se passou a chamar de neoliberalismo é muito mais complexo, envolve outras características e atributos (ANDERSON, 1998) que ultrapassam o estabelecimento prévio de metas. Observe-se que, no caso da auto-avaliação, também são requeridos parâmetros, tomados como os objetivos e metas auto-atribuídos pela IES. Isso é o básico de qualquer processo de avaliação que se quer instrumento de avanço e, por si, não exclui os atributos que fazem da avaliação um processo formativo e emancipatório. Na verdade, o problema não é pré-estabelecer parâmetros, mas como e quais serão esses parâmetros pré-estabelecidos. No caso da avaliação do Governo FHC, como vimos, havia ênfase numa avaliação finalística, em que o importante é o “produto”, no caso, o graduando “produzido” pela IES, ele seria a voz principal da avaliação (SAMPAIO, 2000).

O autor – Rothem – parece entrar numa polarização impertinente, pois não é possível exercer regulação sem avaliação, sem os dados por ela – a avaliação - gerados. Por sua vez, não há instituição formativa que escape as garras do processo regulatório. O problema é se a regulação se dá por intermédio do Mercado, ou pelo Estado, ou ainda, uma combinação das duas.

Por outro lado, em nenhum momento no texto, o autor comenta sobre a necessidade de uma avaliação sistêmica, isto é, uma avaliação que considere o conjunto das IES não apenas, como um simples somatório da avaliação de cada instituição. O SINAES tem, justamente, esse objetivo de avaliar o sistema enquanto tal, em sintonia com projetos mais amplos da sociedade.

Contudo, o mais grave na análise de Rothen (2007) pode ser traduzido pela pergunta: até que ponto atribuir pesos diferenciados às dimensões é pré-estabelecer parâmetros? Sim, é à medida em que “forçará” as IES a considerarem mais uns aspectos que outros; não é à medida em que não aponta as metas a serem realizadas, nem atribuem a “outrem” que não seja a própria IES o estabelecimento destas metas, considerando a auto-avaliação como central. Em síntese, parece-nos que Rothen exagera ao conceituar, a partir da ação reguladora, o SINAES como sendo de cunho neoliberal.

A síntese final do autor, contudo, deixa clara sua posição:

Assumindo que o papel do Estado em relação à educação é mais do que simplesmente avaliar e controlar as instituições; que é necessária a formulação e implantação de políticas públicas pelos governos e gestores da educação; entendemos que a avaliação da educação superior, além da função de regulação, tem a função formativa, de gerar o debate interno e externo dos rumos das IES e de emancipá-las da tutela do Estado. (ROTHEN, 2007, p. 17).

O autor, porém, não chega a dizer como exatamente acontecerá essa emancipação e, mais importante, como podemos coordenar os processos em relação ao sistema. Mais uma vez, não se explicita a necessidade de uma avaliação do sistema, como se as políticas públicas se dirigissem a cada uma das IES e que estas, por que meios não sabemos, conformassem um conjunto, um sistema. Num país com a diversidade social, econômica, cultural, política e geográfica do Brasil, e diante da importância que a produção de conhecimento e a formação das pessoas ganham, a cada momento, seja na perspectiva de participação cidadã, seja na perspectiva de ação para o desenvolvimento econômico, não se pode simplesmente desconhecer a necessidade de organização sistêmica, que provoque relações efetivamente orgânicas entre as instituições, tendo como horizonte, objetivos traçados nacionalmente. Ação esta que, justamente, se aproxima da perspectiva pública, privilegiando interesses do todo em detrimento das partes e apresentando o Estado como o ente que busca garantir tal perspectiva, e a educação superior como instrumento que materializa o interesse do todo em detrimento das partes.

A análise de Otranto (2007, p. 10) é mais dura:

Uma análise da Portaria do MEC n.º 2.051, de 9 de julho de 2004, que regulamenta os procedimentos de avaliação, permite a constatação de que será através do SINAES que as instituições de educação superior serão credenciadas e reconhecidas, obterão autorização e reconhecimento para o oferecimento dos seus cursos de graduação, além da renovação periódica da oferta desses cursos (Art. n.º 32). Isso reforça o papel assumido pelo Estado brasileiro no contexto das reformas dos anos de 1990, de ente avaliador e regulador das ações que se passam na esfera social. O Governo Lula fortalece, desta forma, os mecanismos de controle sobre as

instituições de educação superior, favorecendo a regulação das ações de vários órgãos que desenvolvem as políticas públicas e privadas.

Ora, a autora parece cometer mais uma incoerência. A ação de controle por parte do Estado indica justamente uma opção defendida, justamente, pelos críticos da política de avaliação do Governo FHC, com o sentido de se contrapor à auto-regulação pretendida pelo Mercado. Mesmo que este fosse o único aspecto existente para analisarmos as PPES do Governo Lula, de maneira que por meio dele pudéssemos classificá-lo como “avaliador e regulador”, e mesmo nesse caso, os processos e a moldura legal apresentada em nenhum momento restringe o papel do Estado como avaliador que deixa para a sociedade, mais precisamente, para o Mercado, o poder de decisão sobre a qualidade da educação superior.

Sguissardi (2006, p. 1042) considera que

O novo sistema teria trazido avanços inegáveis, mas, ainda assim, é questionado porque não respeitaria a autonomia universitária e seria centralizador no que tange à constituição da Comissão Nacional de Avaliação do Ensino Superior (CONAES), responsável pelas principais diretrizes e normas relativas ao sistema. Sua eficácia está em processo de prova, com sua aplicação em andamento.

Em que exatamente a autonomia não é respeitada? E a centralização apontada é suficiente para se dizer que se trata de uma política aos moldes da de FHC, incluindo um modelo de “universidade de ensino” subjacente ou uma compreensão da educação como bem de consumo individual? Não acreditamos. Aliás, faz-se necessário, justamente, a análise de um dos principais instrumentos tomados pelo Governo Lula para regulamentar da educação superior a partir da avaliação, o Decretonº 5.773.

Rothen (2007) analisa o Decreto-ponte, voltado para fazer a ligação entre o procedimento avaliativo e o de regulação, identificando a mesma orientação de outros documentos, qual seja:

Identifica-se aqui, em relação à questão da centralidade ou não da auto-avaliação institucional, que a proposta de Decreto irá seguir a mesma solução apresentada no documento Avaliação Externa de Instituições de Educação Superior, a saber, separar a auto-avaliação da avaliação externa (ROTHEN, 2007, p. 16).

Já Sguissardi (2006, p. 1044) afirma que “Este Decreto, dada a presumível demora na aprovação do Projeto de Lei da Reforma enviado ao Congresso Nacional, visaria antecipar algumas de suas principais medidas”. Este é único comentário que o autor faz, acerca do Decreto no 5.773, se restringindo apenas a descrevê-lo.

O Decreto n.º 5.773 de maio de 2006 (BRASIL, 2006b), chamado Decreto-ponte e, ao que parece, ser uma das principais medidas relativas ao Sistema de Educação Superior do país, em função de seu impacto na regulação do sistema, incluindo o detalhamento de penalidades. Nessa perspectiva, trata-se de manifestação clara da perspectiva de ruptura com as políticas orientadoras do governo anterior, pois fortalece o papel regulatório do Estado, em detrimento da liberalização do setor não-estatal ou mesmo da autonomia de orientação pelas regras do Mercado. Ressaltamos, inclusive, a existência de dispositivo, no Art. 46 deste Decreto n.º 5773, que possibilita alunos, professores e técnico-administrativos, por meio de seus órgãos representativos, a representação junto ao MEC, solicitando supervisão da instituição. Tal procedimento confere peso nunca visto ao controle social dessas instituições, algo radicalmente negativo ao Mercado e à sua lógica.

Observe-se ainda que, pelo Decreto-Ponte, Art. 8º e Art. 59º, a CONAES tem um papel instrumental, ou seja, as instâncias de decisão são o CNE, as Secretarias de Ensino Superior de Educação Tecnológica e de Ensino a Distância e o próprio Ministro da Educação. A posição da CONAES é bastante, relativizada, quando o tema é a determinação de parâmetros e penalidades, numa palavra, de efetividade regulatória.

Corroborando essa perspectiva temos a análise de Castro e Schwartzman e (2007). Em três momentos os autores criticam o sistema de avaliação do Governo Lula. Para eles, trata-se de um sistema excessivamente complexo, para o qual o MEC, “dadas as [suas] conhecidas limitações administrativas” (CASTRO e SCHWARTZMAN, 2007, p. 8), não teria condições de implementá-lo devidamente. Ao contrário, a melhor alternativa seria a implementação de sistemas que possibilitassem a competição, dentre as quais “o antigo Exame Nacional de Cursos, o “provão”, foi o melhor exemplo” (p. 10). Para os autores,

(...) é necessário indagar se o sistema que o governo está tentando implementar, através do SINAES, de fato, representa, um avanço em relação às tentativas do governo anterior. O sistema agora é muito mais ambicioso, mas também muito mais complicado, dando uma grande ênfase aos processos de auto-avaliação das instituições, que, embora possam ser úteis internamente, não se traduzem em informações sistemáticas e inteligíveis para a sociedade. O ENADE, que substituiu o antigo Provão, produziu resultados pouco claros, não só pelo mau uso de procedimentos estatísticos e de testagem, mas sobretudo, porque o Ministério ainda não decidiu se vai ou não vai apresentar à sociedade informações simples que permitam a comparação entre diferentes instituições em função de seu desempenho, deixando para um tratamento separado a questão das eventuais explicações para os resultados, e as políticas necessárias para melhorá-los. Além disto, enquanto outros países instituem seus sistemas de avaliação fora do governo, em mãos de instituições autônomas, o projeto do Ministério mantém as avaliações sob controle de sua própria burocracia (CASTRO e SCHWARTZMAN, 2007, p. 18).

Antes de mais nada, é importante lembrarmos que a idéia do “Provão”, como instrumento de referência para a escolha dos cursos por parte dos vestibulandos e instrumento que permite a regulação do setor pelo próprio Mercado consumidor, foi apresentada por Cláudio de Moura Castro (SAMPAIO, 2000). Esta, portanto, é a idéia que subjaz a concepção de avaliação da educação dos autores. Vale a pena, também, ressaltar que a própria Sampaio (2000), critica a sugestão, por não ver no dado “qualidade acadêmica” um critério capaz de determinar a escolha, por parte da “clientela”, da instituição onde deva estudar. Além do possível fator qualidade que, teoricamente, seria mostrado pelo “Provão”, pesam outros critérios,a exemplo do custo das anuidades (SAMPAIO, 2000). Assim, a crítica dos autores é a crítica não ao instrumento em si mesmo, mas à orientação que lhe dada: ao invés de subsidiar o Mercado, a avaliação tem um viés regulador.

Podemos, então, observar que a crítica desses últimos autores é a afirmação de que o SINAES e o Decreto-Ponte materializam a alternativa a um sistema que enfatizava o Mercado como principal regulador do sistema, enquanto o Estado tinha como papel o subsídio desse Mercado. Ao tomar a perspectiva da regulação e do papel do Estado como ente que busca garantir a qualidade da educação superior, baseada em critérios acadêmicos, construídos a partir da comunidade acadêmica90, o SINAES se aproxima da concepção de Estado como ente que busca garantir o primado do público, fazendo emergir uma concepção de universidade como organização de interesse público e da educação na perspectiva de formação integral.

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