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PARTE 2: A RELAÇÃO PUBLICO E PRIVADO NO GOVERNO

4.2 AS POLÍTICAS PÚBLICAS PARA O ENSINO SUPERIOR NO

4.2.4 A proposta de Reforma Universitária e o PL 7200

Em relação ao processo em torno da reforma universitária global, por meio de um único instrumento legal, as observações e críticas dos autores se dirigem aos aspectos relativos à sua formulação – seja enquanto dinâmica seja enquanto resultado – da função pública da educação, à regulação do setor, ao estreito vínculo com o Mercado e, finalmente, à reforma como um todo.

a) Quanto à formulação

Há duas vertentes de críticas, uma que indica falhas no processo de discussão do texto e outra que vê com bons olhos, principalmente por se distanciar dos processos engendrados pelo governo anterior. Na primeira vertente, Castro e Schwartzman (2007, p. 1) observam que a condução do processo de discussão da Lei teria privilegiado interlocutores, de modo que o Ministério da Educação “não se dignou a dialogar nem responder a quem não compartilhava as suas premissas. Houve um rompimento com a herança das discussões do passado.” Conjugada a essa crítica, eles enfatizam que a proposição do atual governo é uma ameaça ao “pluralismo de idéias e valores que deve ser central aos regimes democráticos e suas instituições educacionais.”(CASTRO e SCHWARTZMAN, 2007, p. 4).

Otranto (2007) segue linha idêntica de crítica, em relação à postura de diálogo com a sociedade, ou melhor, com as entidades que lutam pela educação pública no país. A autora não deixa dúvida que existe da parte do Governo Lula, uma estratégia que passa longe do diálogo:

92 Todas as referências, tanto as nossas quanto as de Sguissardi (2006) dizem respeito à versão do Projeto de Reforma universitária enviada ao Congresso Nacional em 12/06/2006, segundo as informações disponíveis em http://www.camara.gov.br/sileg/Prop_Detalhe.asp?id=327390. Consultada em agosto de 2007.

(...) o discurso de que no Governo Lula existe mais disposição ao diálogo/negociação, para que as decisões possam caminhar por um viés mais democrático, pode ser uma falácia. Freqüentemente, os pretensos diálogos e negociações só têm servido para dar um verniz democrático a decisões tomadas unilateralmente (OTRANTO, 2007, p.16).

Mesmo reconhecendo a publicação de três versões do texto, a autora afirma:

Apesar da divulgação destes três documentos, podemos afirmar que, independentemente deles, os principais marcos da Reforma da Educação Superior no Brasil já foram criados e instituídos legalmente. Roberto Leher apresenta alguns destes marcos por ele considerados como ‘linhas de força: É certo que uma Lei não pode conter, isoladamente, toda a reforma da educação superior no país. Mas, por outro lado, ela não deve surgir travestida de uma aura democrática, somente para reunir em um único texto legal o que já foi determinado pelo governo, acrescentado de uns poucos (e menos importantes) itens negociados no processo (OTRANTO, 2007, p.15).

Na outra vertente coloca-se Carvalho (2006). Ao comentar a proposta da reforma universitária, a autora reconhece diferenças entre o Governo Lula e o Governo FHC:

A ação governamental no jogo político foi diferente do seu antecessor. Enquanto as propostas do MARE e as demais iniciativas foram lançadas sem participação e discussão com os atores sociais, o Governo Lula vem adotando uma postura receptiva ao diálogo com a Sociedade Civil e a comunidade acadêmica, através da realização de seminários e do recebimento de sugestões ao documento oficial. (CARVALHO, 2006, p.9).

Sguissardi (2006, p. 1042) por sua vez, reconhece avanços, mas aponta fragilidades inerentes ao processo. Para o autor, o momento atual é

marcado pelo processo de elaboração do projeto de Lei da reforma da educação superior, foi antecedido, no Governo Lula, por quatro leis e um Decreto (decreto-

ponte), que (as leis) apontam mais para a continuidade do que para descontinuidade

das políticas anteriores no setor e que, direta ou indiretamente, condicionam ou limitam os eventuais avanços dessa futura lei, que possuiria, entre seus objetivos, o fortalecimento do setor público e a regulação do sistema, em especial em seu setor privado/mercantil.

Por outro lado, o autor reconhece que a principal distinção entre o PL n.º 7200 e a moldura legal em vigor estaria no processo de sua formulação, pelo menos até a sua terceira versão, justamente, por ter contado com ampla participação de agentes sociais e não apenas acadêmicos, por um período de dois anos. Os problemas começariam a partir da quarta versão, já na elaboração do Projeto de Lei, com a participação da Casa Civil da Presidência da República:

(...) os principais interlocutores parecem ter sido o Ministério da Fazenda e do Planejamento (mão direita do Estado, na expressão de Bourdieu), do que teria

decorrido sensível redução dos já pouco animadores avanços da versão anterior em relação tanto à questão da autonomia, quanto à do financiamento das IFES (SGUISSARDI, 2006, p. 1045).

O resultado desta intervenção da chamada “mão direta do Estado” teria sido o retrocesso em relação à autonomia e ao financiamento das IFES, pois,

O grande eixo da versão anterior [terceira], do fortalecimento do setor público federal – pela via da autonomia de gestão financeira e financiamento, ainda que em condições bastante precárias – não é retomado nos mesmos termos na quarta versão, como se verá. A ênfase, nesta versão, mais do que na autonomia e no financiamento estaria posta na organização e nos marcos regulatórios do sistema federal de educação superior, Público e Privado, correspondendo, pois, apenas parcialmente aos princípios e metas do Plano de Governo para esse nível da educação (SGUISSARDI, 2006 p. 1045).

O autor aponta, então, as ausências do PL n.º. 7.200: a) despesas com atividades que não se caracterizam como manutenção desenvolvimento de ensino; b) despesas com as ações de saúde nos hospitais universitários; e, c) custos com ações judiciais anteriores à Lei. Além disso, anota o autor, também é excluído o dispositivo que garantiria a incorporação automática de excedentes. E acrescenta: “Diferentemente da versão anterior, não se faz menção a qualquer percentual do orçamento a ser aplicado em despesas de custeio e capital, excluídas as despesas de pessoal, apesar do avançado sucateamento de edifícios e laboratórios da maioria das IFES” (SGUISSARDI, 2006, p. 1047).

Sabemos que as críticas carregam pertinências, mas carregam, igualmente, a força de um discurso que procura demarcar posições. O processo de formulação da reforma universitária em curso se não foi o mais, foi um dos mais discutidos temas universitários na história recente do país. Nos meios de comunicação, por exemplo, ele ocupou mídia televisiva em Rede Nacional [o assunto foi tema de dois programas especiais, um na TV Cultura, programa Roda Viva, no dia 07/03/2005 (CULTURA, 2007)], enquanto na mídia impressa, o Jornal Folha de São Paulo apresenta 573 referencias ao termo Reforma Universitária, sendo que 370 referem-se diretamente ao tema a partir de janeiro de 2004 (FOLHAONLINE, 2007), numa clara demonstração de que a universidade se tornou pauta, numa perspectiva propositva e não naquela perspectiva de crítica e denuncias como, por exemplo, o mesmo Jornal tratou-a, denunciando os improdutivos da USP em 1998 (FSP, 2007d) e a predominância de estudantes com maior poder aquisitivo nas IFES (SAMPAIO, 2000). Além disso, foram feitas diversas audiências públicas pelo país, num processo, enfim, que resultou em quatro versões do mesmo texto. Por outro lado, especificamente Castro e Schwartzman (2007) ao se referirem a uma determinada “herança do passado”, não definem qual o passado. Seguramente não pode

ser o passado do Governo FHC, no qual houve, reconhecidamente, indisposição para o diálogo.

Consideremos também que o potencial dessa participação não pode ser aquilatado apenas nos resultados imediatos, isto é, no que, efetivamente, se será escrito no texto da Lei. Com efeito, o envolvimento aberto dos agentes dos subsetores, estatal, privado e comunitário, influencia não apenas os resultados em si, mas a forma de diálogo entre eles, influenciando, também no funcionamento do próprio campo da educação superior.

Por sua vez, as observações de Sguissardi (2006) são pertinentes, principalmente porque ele vai além da crítica sobre o processo público, e adentra no processo intra-estatal, localizando dificuldades reais. Com tal observação, Sguissardi (2006) consegue, inclusive, construir a ponte entre a política econômica, que serve como pano de fundo, e as PPES no Governo Lula. Com efeito, mudanças no processo de financiamento das IFES terão que passar pelo crivo de sua política econômica.

É preciso considerarmos, porém, que existem avanços no texto, não obstante o “filtro” da “mão direita do Estado”. Nessa perspectiva, as metas relativas ao número de matrículas no Sistema como um todo (crescimento de 30%) e nas IFES, em particular (40% das matrículas do sistema), e as exclusões de determinadas rubricas do orçamento que permanecem, ganham força justamente pelo fato de terem passado por aquele crivo.

Vale a pena ressaltar ainda, a última observação de Sguissardi (2006), quanto ao condicionante ou o “motor” da viabilidade da reforma está no conflito com o setor privado, ou na postura de regulação desse setor assumida pela proposta do Governo Lula. Realmente, aí se localizarão as principais discussões na fase legislativa da reforma, aumentando os riscos, em função da fragilidade, menos numérica e mais política, do governo no Congresso. Se conseguir avanços internamente, no Poder Executivo, foi difícil, será muito mais no tortuoso e conflitante ambiente de interesses que reina no Congresso Nacional.

Por fim, as críticas e os levantamentos realizados sobre o tema, nos confirmam a compreensão de que o Estado e suas ações ocorrem sob e em meio a um intenso jogo de interesses dos principais agentes envolvidos no processo, confirmando a complexidade e a impossibilidade de clivagem total entre o Público e o Privado.

b) Quanto à regulação

O PL n º 7.200 de 2006 (BRASIL, 2006a) é visto pelos autores como rígido, no tocante à regulação do setor privado. Para Sguissardi (2006, p. 1045),

A regulação e o controle do sistema federal Público e Privado, que se darão pelo Sistema Nacional de Avaliação da Educação Superior (SINAES), já em fase de implantação, pelas normas muito mais rígidas quanto a credenciamento e recredenciamento de cursos e instituições, assim como com o estabelecimento de critérios muito mais exigentes em relação ao vínculo institucional e à qualificação dos docentes das IES universidades, centros universitários e faculdades, respondem a preocupações relativas principalmente às IES de natureza privado/mercantil.

O autor aponta, inclusive, uma queda da diversificação do sistema, aspecto de grande relevância para as IES do setor mercantil da educação superior, reconhecendo que “A diferenciação institucional, tão incentivada nas ‘recomendações’ do Banco Mundial, é minorada, quando, no Artigo 9º, as IES são classificadas em universidades, centros universitários e faculdades” (SGUISSARDI, 2006. p. 1049).

Já Castro e Schwartzman (2007) criticam a excessiva regulação do setor privado. Em seu texto, pelo menos em nove momentos, eles abordam o assunto, destacando a rigidez dos processos de credenciamento e re-credenciamento das IES e autorização para o funcionamento de cursos, sempre exigindo que o setor privado tenha mais liberdade para auto-regulação, porque, este processo, realizado pelo Mercado possibilita vantagens como “uma dramática descentralização do ensino privado, em contraste com o ensino público federal que dificilmente sai das capitais” (Castro e Schwartzman, 2007, p. 7).

Mas, existem, igualmente, críticas relativas à regulação do setor estatal. Para Sguissardi (2007, p. 1048),

O projeto, embora anunciando preocupação dos proponentes com a democratização interna da gestão das IFES – autonomia na indicação dos dirigentes – e também com a democratização do acesso, incluindo, pela primeira vez, numa Lei de reforma da educação superior, questões polêmicas como a das denominadas ações afirmativas ou de inclusão social, retrocede em relação à versão anterior, quanto à escolha de dirigentes. Em seus Artigos 40 e 41, respectivamente, estabelece a livre nomeação de reitor de universidade e de diretor de centro universitário pelo Presidente da República, ‘mediante escolha em lista tríplice eleita diretamente pela comunidade acadêmica, na forma do estatuto’. Mas, exatamente por se tratar de questão polêmica, as determinações legais restringem-se ao âmbito das IFES.

Castro e Schwartzman (2007, p. 17), por sua vez, exigem uma maior criteriosidade do Estado na distribuição dos recursos públicos, indicando que a

(...) qualidade de desempenho de uma instituição depende de um alinhamento adequado de estímulos, recompensas e penalidades, assim como da definição de objetivos compatíveis com seus recursos materiais e humanos. Mas isso não existe em situações de monopólio, rigidez institucional e dissociação entre resultados e benefícios.

Trata-se das leis de Mercado que, segundo os autores devem ser aplicadas indistintamente. Para eles parece não haver nada mais do que o próprio Mercado, de maneira que sua racionalidade deve ser implantada, também, na esfera das IES estatais. A razão de ausência de maior criteriosidade, segundo os referidos autores, estaria na fragilidade política do governo diante das IFES:

O projeto de Lei do Ministério reitera a importância da avaliação, mas não quer pagar o preço político de uma atitude corajosa, estabelecendo uma associação clara entre resultados e benefícios para o setor público. (CASTRO e SCHWARTZMAN, 2007, p. 17).

O Estado, ou melhor, o Governo Lula, sucumbe, segundo os autores, ao corporativismo dos agentes das IES estatais. A crítica procede no sentido de que existe este corporativismo e que constatamos, efetivamente, uma tensão entre o MEC do Governo Lula e tais agentes, com destaque para o ANDES-SN, ANDIFES e Federação dos Servidores das universidades Brasileiras (FASUBRA) (SAMPAIO, 2000). Isso, não obstante, o Projeto de Lei n.º 7.200 (BRASIL, 2006a), estabelece, verdadeiramente, no Art. 44, critérios para a distribuição da verba excedente. Não, porém, com critérios usados pela lógica do Mercado, estando, nesse caso, mais próximos do interesse público que do interesse privado.

É importante notarmos que Sguissardi (2006) chegou, quase, a fazer uma declaração de que sua análise não envolve o setor privado, ao afirmar que o tema da regulação deva ser uma preocupação do setor “privado/comercial”, contradizendo os objetivos apresentados por ele, visando a analisar o setor educação superior e não apenas uma parte deste. Para além de uma falha de composição, parece-nos fundamental a manifestação do autor sobre esse aspecto, afinal, a postura do governo/Estado diante do setor privado é contraponto no processo de análise sobre a continuidade ou ruptura entre o Governo Lula e o Governo FHC. Em outras palavras, a manifestação de uma política que privilegia a dimensão estatal da educação é, necessariamente, em proporção inversa ao privilégio conferido ao setor privado. Pelo menos assim foi no Governo FHC, de maneira que flexibilizar a regulação do setor privado faz-se acompanhar pelo relaxamento da manutenção do setor estatal.

E é, justamente, o contrario que vemos no processo da reforma da educação superior em curso, o aumento ocorrido na atenção às estatais (notadamente no que existe de mais sensível, o financiamento) é acompanhada, como afirma o autor, de um cuidado todo especial na regulação do setor privado, isto é, igualmente na redução do que seria o processo de liberalização do setor privado, ou de sua auto-regulação pelas leis de Mercado. Uma análise

do PL da reforma indica que há, pelo menos, trinta e duas passagens que explicitam diretamente reações negativas à liberalização em favor do Mercado, a exemplo das passagens abaixo citadas:

• No Art. 3°, ao definir a educação superior com um “bem público” e os limites da liberdade de ensino à iniciativa privada;

• No Art. 4º, ao: i) transformar os objetivos da educação superior em função social e privilegiar o tema da democratização e acessibilidade à educação superior; ii) desvincular a qualidade das questões de Mercado, definidos na própria lei; iii) a partir do Inciso III, detalhar o papel (compromisso) social da educação superior com a sociedade e garantir a democracia interna, sempre numa linha da lógica política e acadêmica e nunca da lógica mercantil;

• Retirada do texto do termo “responsabilidade social”, termo típico do mundo empresarial que reflete determinadas compreensões sobre o os problemas sociais (tendendo transformar direitos sociais em carência pessoais), sobre o papel do Estado (desresponsabilizado ou incapacitado de solucionar tais problemas) e de cidadania (fazendo-a migrar da postura política na busca de resolução de conflitos sociais, para postura caritativa, de cunho moral) ainda que ele esteja presente na Exposição de Motivos; • No Art. 5º, ao normatizar o Ensino a Distância, definindo o controle do Estado sobre o

mesmo;

• No Art. 6º, ao articular expansão da pós-graduação a um projeto de país (II, IV e V); • No Art. 7º, ao excluir a possibilidade de outros fins para o empreendimento educacional

privado, que não seja a própria educação, ou, no parágrafo 5º desse Artigo, com o impedimento da franquia na educação superior.

A importância de analisar esse conjunto de dispositivos normatizadores consiste justamente em identificarmos evidências de continuidade ou de ruptura com o modelo anterior e, nesse sentido, as constatações apresentadas acima, são exemplos incontestes dessa ruptura.

Nessa perspectiva, o argumento de Castro e Schwartzman (2007) em favor da liberalização do setor privado, configurada na capacidade de descentralização da oferta, é pertinente à ação do Estado ao longo do tempo, pois, a ampliação das IFES tendeu sempre a se concentrar nas capitais. Contudo, o que se tem testemunhando no Governo Lula é diferente. O seu plano de expansão das IFES indica a criação de campi e novas universidades mediante

política de interiorização das instituições. Dos 48 campi criados, apenas, três se localizam em capitais (BRASIL, 2007c).

No tocante às críticas relativas à regulação das estatais, no caso de Sguissardi, sobre a eleição do reitor, há razões de sobra para acreditarmos que o melhor seria a autonomia plena, sem nenhum tipo de interferência do Estado. Contudo, sua crítica à realidade das IES privadas, ao proceder a homogeneização desse sub-setor, esquece de dois aspectos: i) a lógica usada que confere ao Presidente da República, a palavra final no caso das IFES é a mesma que estabelece a mantenedora, como instância ulterior dessa mesma decisão, de maneira que um procedimento para as particulares poderia implicar no mesmo critério; ii) no sub-setor das comunitárias há diversas universidades em que a eleição para reitor é por votação direta, a exemplo da Universidade de Passo Fundo (UPF), da Universidade de Cruz Alta (Unicruz), da Universidade da Região de Joinvile (UNIVILLE) e da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo - PUC-SP.

Finalmente, o tema trazido por Castro e Schwartzman (2007) sobre a fragilidade do Governo Lula diante das IFES parece-nos importante. Não se trata, contudo, de concordarmos com os autores sobre a aplicação de critérios mercantis para se avaliar o emprego dos recursos. Sobre isso, temos clareza de que a universidade possui fins e lógicas distintas do Mercado, isto é, como tivemos oportunidade de examinar sobre a categoria ensino superior. Observe-se, porém, que, como contraponto a esta crítica, a de Sguissardi (2006) é, justamente, o contrário. Ao analisar a redistribuição orçamentária nas IFES, o autor observa que:

É importante também sinalizar o que estabelece o §2º desse Artigo, isto é, que “A aplicação de que trata o caput será apurada a cada quatro anos, a partir da publicação desta Lei”. Primeiro, parece duvidar-se da estrita aplicação da Lei; segundo, se isto deve ser feito, não deveria sê-lo desde o primeiro ano de vigência da Lei e anualmente? (SGUISSARDI, 2006, p. 1048).

Ora, a dúvida sobre a “estrita aplicação da Lei” é algo pertinente, do contrário, não haveria nenhum tipo de acompanhamento em nenhum caso, bastaria a existência da Lei para que ela fosse cumprida. E não somos ingênuos, a ponto de acreditarmos que vivemos numa sociedade de homens de bem. Mas, o que chama atenção são as reações frente às medidas de regulação direcionada às estatais. Nessa perspectiva, o discurso do autor traz um contexto mais amplo dando razão ao argumento de Castro e Schwartzman, acerca da fragilidade do Estado, diante do peso político das IFES.

O aspecto relativo à função social da educação faz um contraponto com a relação estabelecida com o Mercado, isto é, a aproximação da concepção de educação superior como um bem social tende a negar justamente a contraconcepção da mesma como commodity. Nesse prisma, as análises se opõem. Para Carvalho e Schwartzman (2007, p. 2), o uso do termo

“bem público” por parte do MEC é inapropriado e dá margem a confusões. Este termo é uma expressão consagrada na teoria econômica para denominar bens que não podem ser apropriados privadamente, como a qualidade do ar ou a segurança de um país, e que, por isto, precisam ser supridos pelo governo. Como o seu consumo não pode ser impedido, não há como cobrar de quem beneficia. Portanto, agentes privados não poderiam oferecê-lo, pois teriam custos sem ter receitas. A educação, ao contrário, pode ser, em grande parte, apropriada e trazer benefícios privados.

E concluem:

Em suma, ao confundir “bem público” – um termo rigorosamente definido pela teoria econômica - com interesse social, o projeto erradamente justifica a intromissão ilimitada do Estado, aproveitando-se da presunção de que bens públicos precisam ser financiados e controlados pelo governo. Mas como, pela definição estabelecida, educação não é “bem público”, é errado invocar uma intervenção

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