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A política energética do final da década de 1960 até

QUADRO 02 POSEIDON OS SENHORES DAS ÁGUAS

1.3.3 A política energética do final da década de 1960 até

É neste período que o território brasileiro passa a ser, pouco a pouco absorvido pelo novo meio técnico-científico-informacional (SANTOS, 1994, p. 44), mesmo que sob uma forma atrelada aos interesses transnacionais, consubstanciada no modelo desenvolvimentista baseado em pesado endividamento, adotado pelo Estado brasileiro nas décadas de 1960, 1970 e parte da de 1980, o qual teve no setor elétrico uma de suas mais importantes áreas de atuação.

A matriz energética brasileira tomou traços definitivos nessa época, sendo que o modus operandi iniciado com os projetos da CANAMBRA foi mantido e desenvolvido: o Banco Internacional para Reconstrução e Desenvolvimento (BIRD) e/ou o Banco Interamericano para o Desenvolvimento (BID) financiavam estudos sobre a viabilidade de usinas que, a seguir, eram incorporados à planificação oficial e acabavam por ser construías com recursos advindos de financiamentos das referidas instâncias multilaterais. Dito de outra forma, os bancos internacionais emprestavam dinheiro para planejar e construir grandes hidrelétricas, incluindo as gicantescas hidrelétricas de Itaipu e Tucuruí, dilatando a dívida externa brasileira35.

A novidade, a partir da Conferência da Organização das Nações Unidas (ONU) sobre meioambiente de 1972, em Estocolmo, e da ascenção dos movimentos ambientalistas, foi a introdução de estudos específicos sobre as consequências ambientais da implantação das hidrelétricas, exigidos pelos principais agentes financeiros, como o Estudo de Impacto Ambiental (EIA) e o Relatório de Impacto Ambiental (RIMA). Todavia, os estudos de impacto ecológico eram, no mais das vezes, conduzidos por firmas de engenharia e consultoria associadas às emprenteiras que erigiam as usinas hidrelétricas, com consequências previsíveis.

Como veremos mais adiante, as coisas não mudaram muito desde então.

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O que na época parecia um grande negócio para nossos mandatários, já que os juros dos empréstimos eram baixíssimos e o resgate de longo prazo. Quando sobrevieram as grandes crises financeiras (e de financiamento) da década de 1970, especialmente a segunda, denominada justamente ―Crise da Dívida‖, foi o povo brasileiro que passou a pagar o débito das ―obras faraônicas‖ do período militar, pagamento que vem sendo creditado a décadas (a maioria da dívida externa foi transmutada em dívida mobiliária[interna] durante o governo de Fernando Henrique Cardoso (FHC), com consequências gravíssimas sobre a possibilidade de crescimento futuro da infraestrutura e da economia do país).

O estabelecimento da Secretaria Extraordinária do Meioambiente (SEMA), mediante o Decreto nº 73.030/73, não alterou sensivelmente este quadro. No ano de 1974, a Eletrobrás elaborou um plano de expansão para o Sul e o Sudeste até 1990, o "Plano 90", e outro para todo o país até 1995, o "Plano 95", ambos com assessoria das firmas de consultoria internacionais. Tais planos estavam em consonância ao II Plano Nacional de Desenvolvimento (PND), elaborado no mesmo ano, sob o peso da crise energética mundial.

A ―Crise do Petróleo‖ foi a "pá de cal" no longo boom econômico do capitalismo no pós-guerra, o qual já vinha sofrendo uma grave retração industrial, em que a obsolescência no parque industrial, incentivada pela política econômica keynesiana onipresente entre os governos gestores dos países industrializados na época do grande boom, vinha de braços dados com a sobrecapacidade produtiva, com queda na demanda e aumento contínuo da produção, associados à intensa concorrência comercial entre Alemanha, Japão e EUA36. Foi o início de um longo período de depressão econômica que atingiu em cheio o ―milagre econômico‖ brasileiro, mas não diminuiu o investimento governamental na construção de grandes hidrelétricas, calçado em vultosos financiamentos junto aos organismos financeiros internacionais. Nem mesmo a cataclísmica ―Crise da Dívida‖ (1979/82) reduziu sensivelmente tais investimentos, apesar de o crédito internacional passar a ser cada vez mais escasso em outras áreas.

De fato, foi nesse período que a matriz energética brasileira definiu-se claramente, tornando-se a geração de energia elétrica a partir de hidrelétricas não só predominante, como vinha sendo até então, mas quase que absoluta.

A proporção entre a geração hídrica de energia e a geração a partir de combustíveis (termoelétricas), que durante quase 100 anos sempre se mantivera na casa dos 80% por 20%, começou a alterar-se sutilmente na década de 197037. Mas foi na década de 1980 que esta proporção alterou-se significativamente. Dos 18,4%

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Sobre a insolúvel crise secular, gestada no final da década de 1960 e presente até hoje, apesar de bolhas de crescimento como a verificada nestes últimos anos. Ver: Brenner (1999) e Mészáros (2002). Alguns aspectos desta crise serão estudados no subcapítulo 1.5.

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No final desta década, a participação da geração de energia a partir de termoelétricas no total nacional caíra de 20,7%, em 1970, para 18,4% em 1980, embora, em números absolutos, este setor permanecesse em crescimento, já que a geração total de energia elétrica subira, no mesmo período, de 11.460 MW para 31.352 MW (ELETROBRÁS, 1988).

que representava do total gerado no país em 1980, o coeficiente de energia gerado por termoelétricas no Brasil caiu para 10,48% em 1985 (ELETROBRÁS, 1988).

Trata-se da era de construções de grandes hidrelétricas, como Itaipu, iniciada em janeiro de 197538 pela empresa Itaipu Binacional39, organizada pela Eletrobrás e pela sua congênere paraguaia, com custos previstos em 10,3 bilhões de dólares,40 cujo enchimento do reservatório iniciou-se em outubro de 1982 após os quatro anos decorridos nas titânicas obras de desvio do Rio Paraná e de construção da barragem propriamente dita, e Tucuruí, a maior hidrelétrica inteiramente brasileira, cujo início da construção se iniciou em no ano de 1976, e sua inauguração em novembro de 1984, com um custo estimado em US$ 10 bilhões41, que estabeleceram o padrão-limite que vem sendo mantido na matriz de geração de energia elétrica no Brasil até a atualidade42, em que pese do crescimento do setor termoelétrico após o ―apagão‖ de 2001.

Em 1973, a Lei n° 5899, que pretendia aperfeiçoar a coordenação do planejamento e da operação do setor elétrico brasileiro, aumentou sensivelmente as atribuições das agências regionais de energia, como a Eletrosul, que, além de assumir as responsabilidades de coordenação e operação do sistema interligado,

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A consultoria da viabilidade do aproveitamento de Itaipu foi feita pelo consórcio formado pelas empresas IECO (dos EUA) e ELC (da Itália), vencedora da concorrência internacional para a realização dos estudos de viabilidade e para a elaboração do projeto da obra, em 1970, com o início do levantamento dando-se em fevereiro de 1971. No dia 26 de abril de 1973, foi celebrado o Tratado de Itaipu, institucionalizando o aproveitamento hidrelétrico do rio Paraná pelos dois países signatários, Brasil e Paraguai.

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Criada em 17 de maio de 1974, a entidade binacional Itaipu, como previsto no Tratado de Itaipu, gerenciava a construção da usina.

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Os custos efetivos da construção superaram em muito esta já astronômica cifra projetada, num total de 50 bilhões. A inauguração ocorreu em 1984, após vários atrasos e a potência total, de 12.600 MW (1.140 MW a mais do que a totalidade da geração de energia elétrica no Brasil em 1970!), só tornou- se operacional em 1991. Ver: DÓRIA, Pedro. O verdadeiro preço de Itaipu. Entrevista com Ivone Carletto Lima - Historiadora, professora da Universidade Tecnológica Federal do Paraná - Uma negociação a portas fechadas, no tempo dos militares, volta para assombrar o Brasil. Sítio Jornal O Estado de São Paulo, 27 de abril de 2008. Disponível em: http://www.estado.com.br/suplementos/ali/2008/04/27/ali-1.93.19.20080427.8.1.xml. Acesso em 12 de dez. de 2008.

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A potência total planejada, de 8.370 MW, ainda não é totalmente operacional até hoje (em junho de 2006, mês da entrega do projeto desta dissertação, a geração operacional era, segundo dados colhidos na página da Eletrobrás na Internet, de 8.000 MW.)

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Recentemente, o atual presidente da Eletrobrás Sr. José Antonio Muniz Lopes, afirmou que a geração de energia elétrica a partir de usinas hidrelétricas ―é uma vocação nacional‖. Sítio Clube de Engenharia. Almoço com presidente da Eletrobrás teve expressiva repercussão nos veículos de comunicação. Disponível em: http://www.clubedeengenharia.org.br/08maio_almoco.html. Acesso em 12 de dez. de 2008.

teve que responder pela compra da parte destinada à região sul da energia produzida em Itaipu.

Para agilizar as operações, os escritórios da Eletrosul, instalados em Brasília e Rio de Janeiro, foram transferidas para Florianópolis em 1975, embora a sede definitiva somente tenha tornado-se operacional em 1978 (ELETROSUL, 1993b).

Até a década de 1970, a Eletrosul utilizou-se da prudente estratégia de construir pequenas usinas hidrelétricas que lograram fornecer aos estados do Sul do país a energia necessária para seu desenvolvimento. Durante a década de 1980, as diretrizes da política energética para o Sul do Brasil tomaram novos rumos.

Os técnicos dos governos catarinense e gaúcho acreditaram que a oferta de energia elétrica em Santa Catarina e no Rio Grande do Sul estaria totalmente comprometida a partir do início da década de 90, caso não viessem a ser criadas novas usinas geradoras. Projeções arbitrárias, baseadas sobre o consumo da época, justificaram tais expectativas.

A opção da Eletrosul foi colocar em prática o supracitado projeto do governo federal, da década de 1960, iniciando a implantação de uma série de grandes empreendimentos, destinados a cobrir toda a demanda excedente que os tecnocratas do governo estadual projetaram para o ano de 1992 dentro do projeto nacional de integração à divisão internacional do trabalho desenvolvido pelo governo militar desde os tempos da CANAMBRA.

Quanto aos interesses envolvidos neste setor advêm de naturezas e origens bastante distintas, condicionadas pelas relações Estado/sociedade, e a natureza e complexidade das contradições das organizações, de seus múltiplos interesses.

O que torna mais complexo este exame é a mudança de eixo que o setor elétrico apresentou após o processo de privatizações, que esconde permanências e manifesta mudanças, já que na época em questão nesta subseção não haveria como deixar de considerar o setor elétrico como parte componente da organização governamental brasileira.

Por isto, no momento, devemos realizar uma rápida visualização dos interesses em jogo até o final da década de 1980, para, posteriormente, analisá-los mais de perto nos capítulos posteriores.

Antes de qualquer coisa, deve ficar claro que a distribuição do consumo de energia elétrica no Brasil é tão vinculada ao modelo concentrador adotado pelo país como a produção e distribuição de energia.

Enquanto, no final da década de 1980, cerca de 63% do consumo nacional dava-se na região Sudeste, o setor industrial aumentava sua participação no consumo de energia de 45% para 53% entre 1973 e 1989.

As indústrias eletrointensivas, aço, alumínio, ferroligas, petroquímica, soda- cloro, cimento, papel e celulose, eram responsáveis, em 1990, por 45% deste consumo industrial43, sendo que boa parte da produção destes setores é destinada ao mercado externo.

Já o consumo residencial cresceu durante a década de 1960, mas a partir do início dos anos de 1970 manteve-se estável em torno dos 25%, sendo que, no final dos anos de 1980, aproximadamente 74% dos domicílios eram atendidos pela rede de distribuição de energia elétrica.

O consumo comercial e agrícola cresceu muito nesse período, mas sua participação relativa no consumo global não cresceu significativamente, em que pese à difusão dos Shopping-Centers e dos programas de irrigação.

Porém, os interesses envolvidos no setor elétrico não se restringem aos consumidores, mas comportam também os produtores e fornecedores de Bens e Serviços.

Podemos ter uma idéia do interesse destes setores no setor elétrico pelo número de indústrias de equipamentos elétricos que passaram a se instalar no país a partir do lançamento e implantação do II PND, incluindo representantes de grandes corporações como a Westinghouse, a General Electric do Brasil S/A (GE), a

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Estimativas para um novo cenário de 2004 a 2014 não são diferentes. Ver: Premissas básicas -

grandes consumidores industriais ciclo 2004. Sítio da Eletrobrás. Disponível em:

http://www.eletrobras.gov.br/downloads/IN_Informe_Mercado/Gconsumidores-dezembro2004.pdf. Acesso em 12 de dez. de 2008.

Siemens, a Brown Boveri, ASEA, Coensa e o grupo Alsthon, entre outras empresas, (Quadro: 03) sem que a sua instalação representasse a incorporação de suas tecnologias e processos de produção pelo sistema produtivo nacional.

QUADRO 03 - EMPRESAS DE EQUIPAMENTOS ELÉTRICOS ATUANTES NA