• Nenhum resultado encontrado

A POLÍTICA EXTERNA ENQUANTO QUESTÃO ELEITORAL

5. POSIÇÕES PARTIDÁRIAS EM QUESTÕES DE POLÍTICA EXTERNA NA ARENA

5.1. A POLÍTICA EXTERNA ENQUANTO QUESTÃO ELEITORAL

Conforme discutimos na seção anterior, entendemos o espaço de competição partidária como um lugar onde os partidos escolhem estratégias de posicionamento tentando conciliar os apelos da maioria da opinião pública (DOWNS, 1999) e dos seus militantes (ALDRICH, 1983; 2011) de acordo com variações no contexto político doméstico e externo. Há, no entanto, mais uma especificidade na arena eleitoral, a de que quando competem os partidos enfatizam certas questões. Essa ideia foi desenvolvida por David Robertson (1976), precursor da saliency theory, cujo argumento central é o de que a competição partidária seria focada em ênfases seletivas ao invés da confrontação direta.

Posteriormente, este argumento seria desenvolvido por Budge e Farlie (1983), sustentando a perspectiva de que durante a campanha eleitoral, os partidos mais do que se contrapor às declarações dos seus adversários sobre as políticas defendidas, concentrariam atenção em outros temas nos quais considerariam ter vantagens sobre seus competidores. Dessa forma, o eleitorado teria diante de si não uma escolha entre respostas diferentes para os mesmos problemas, mas uma escolha entre questões diferentes a serem priorizadas pelo futuro governo. A mesma noção acerca da importância da ênfase em questões guia o modelo de evolução de questões, desenvolvido por Carmines e Stimson (1986), que mais tarde Carmines (1991) evoluiu para um modelo de alinhamentos partidários e concorrência de

questões. Além disso, a teoria da saliência também se baseia no conceito de “issue ownership”, entendido através da ideia de que certos partidos são percebidos pelos eleitores como sendo mais competentes do que seus adversários em uma área política específica (BUDGE, 1982). Desse modo, os partidos políticos tendem a priorizar certas questões durante as eleições, ao passo que suas atitudes políticas podem mudar lentamente (PETROCIK, 1996).

Compreendemos a política externa, especificamente a manifestação de posições sobre diplomacia, economia, segurança e assuntos intermésticas, como questões enfatizadas pelos partidos na competição eleitoral. A combinação dessas questões emitidas pelos partidos com ênfases liberais, conservadoras e moderadas sinalizam uma estratégia de posicionamento que vai situar o partido em um ponto ideal ao longo do espectro ideológico liberal-conservador.

Todavia, é importante destacar que a política externa enquanto questão da competição eleitoral tem sido um assunto pouco explorado e controverso. Em uma das primeiras análises sobre esse objeto, Craig (1960) afirmou que as eleições são geralmente influenciadas por questões econômicas e de saúde e que é difícil prever o momento em que a política externa pode desempenhar um papel muito importante na eleição presidencial americana. Todavia, devido a uma fonte profunda de apreensão em relação a aquilo que o autor chamava de falta de sentido de propósito do país, ele acreditava que os candidatos indicados para a eleição de 1960 iriam prometer que a liderança dos Estados Unidos no mundo fosse mais inspiradora e mais exigente.

Ao problematizar a disputa partidária no campo da política externa, Epstein (2000) concluiu que é essencial a construção de um consenso bipartidário ou apartidário se a nação persegue uma política externa eficaz, pois a adoção de políticas distintas ameaçaria a coerência e continuidade da busca da nação de seus interesses nacionais. Nesse sentido, salienta que haveria uma fonte especial de dificuldade para os partidos programáticos lidarem com a mesma na arena eleitoral:

A política externa é particularmente inadequada como tema de debate na arena da competição eleitoral, não apenas porque ela é difícil e complexa, mas principalmente porque ela raramente permite alternativas reais de escolha. A este respeito, a política externa é diferente em espécie da política interna (EPSTEIN, 2000, p.272, tradução livre).

Esta diferença, para o autor, se deve ao fato de que na política interna existe a possibilidade do emprego de uma política nitidamente diferente. Ademais, Epstein (2000) entende que haveria uma dificuldade para os partidos vincularem seu programa de política

internacional com suas propostas de política interna, na medida em que historicamente, os partidos tendem a desenvolver seus programas em torno de questões nacionais, através das quais eles atraem os eleitores. Dessa forma, quando um partido adota posições em política externa seus seguidores seriam convidados a apoiar posições que tem pouco a ver com a atração original ao partido programático. Apesar disto, o autor admite que a ausência de posições partidárias divergentes sobre a política externa não prova que essa divergência é impossível em uma sociedade democrática.

Esse tom de desconfiança em relação ao papel da política externa nas eleições pode ser verificado também no estudo de Ornstein e Schmitt (1988). Para os autores, em muitos aspectos a política externa define e delimita as eleições presidenciais, uma vez que define e delimita a presidência. Desse modo, nas eleições americanas, eles entendem a política externa como o resultado de um processo, mas que não é crítica para a eleição do Presidente. Assim, eles a caracterizam como ubíqua, mas insuficiente. Quatro anos mais tarde, Ornstein (1992) afirmou que apesar das questões de política externa raramente serem o foco de eleições presidenciais, dificilmente elas estariam ausentes. Em tempos de conflitos com atores externos, a política externa costuma ganhar um grande espaço nos debates e manifestos presidenciais estadunidenses.

Em contrapartida, Winslet (2012), não considera que exista uma incompatibilidade entre política externa e disputa partidária na arena eleitoral. Para o autor, a competição partidária influencia a política externa ao colocar em risco a posição de poder do partido governante. Nesse sentido, se uma questão de política externa ameaça o partido governante com a derrota eleitoral sua agenda inteira torna-se comprometida. Além disso, considera que as mudanças de política externa impulsionadas por motivações competitivas são suscetíveis de seguir uma direção mais linha-dura e que a competição partidária deverá ter um efeito maior sobre questões de política externa que têm um alto grau de relevância. Nesse sentido, a política externa pode ser entendida como uma questão relevante para ser estudada no contexto da disputa eleitoral.

Ainda que sejam escassos, os estudos que apresentamos sobre a política externa como questão de disputa na arena eleitoral demostram que a relevância da mesma para os resultados eleitorais foi aumentada na percepção dos autores cronologicamente. Enquanto as análises dos anos 1960 davam pouca importância ao tema da política externa na disputa eleitoral, as análises produzidas após o fim da Guerra Fria indicaram sua importância. Particularmente, acreditamos na relevância dos assuntos internacionais para a definição da disputa eleitora l nos Estados Unidos, principalmente nos contextos em que a segurança do país está em risco.

Adicionalmente, como vimos na terceira seção, pesquisas de opinião pública mostram que os eleitores têm sustentado percepções favoráveis ao envolvimento dos Estados Unidos nos assuntos internacionais.

Ainda que possamos afirmar que o tema da política externa esteve na pauta de todas as eleições disputadas entre 1992 e 2012 e que em algumas delas foi mais debatido do que outros temas, existe uma dificuldade de se mensurar empiricamente o tamanho da importância dessa temática para os partidos em cada certame. Há uma infinidade de possibilidades para obtenção de dados nesse sentido, que vão desde coberturas da impressa à agenda de política externa dos candidatos, passando pelos debates entre eles, entrevistas concedidas, além é claro, do programa de governo de cada partido. Tendo em vista que este último é publicado periodicamente em cada eleição por ambos os partidos e que se trata de uma visão dos mesmos sobre os vários temas que compõem a agenda de políticas dos EUA, optamos por mensurar a importância da referida temática através dessa base de dados.

Os manifestos de campanha representam um retrato mais fiel dos posicionamentos partidários porque na arena eleitoral não há constrangimentos institucionais capazes de modificá-los em sua essência, como ocorre no Executivo e no Legislativo, onde a composição de forças que determina se o partido terá ou não controle do governo influencia decisivamente suas posições. Acrescenta-se a isso, o fato de existir uma metodologia especifica desenvolvida pelo Manifesto Project na esteira da literatura de competição partidária para a análise do conteúdo de programas partidários. As posições expressas nos manifestos de campanha revelam o espaço ideológico que os partidos ocupam na escala liberal-conservador e deixam claras as estratégias que eles escolheram visando vencer a disputa presidencial. A seguir passamos a caracterizar a escolha dessas estratégias como um jogo.

5.2. A POLÍTICA EXTERNA ENQUANTO JOGO DE SOMA ZERO NA ELEIÇÃO