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3. ATORES, PREFERÊNCIAS E A POLÍTICA EXTERNA ENQUANTO ESPAÇO DE

3.1. O SISTEMA PARTIDÁRIO E OS PARTIDOS POLÍTICOS

3.1.2. COMPETIÇÃO ESPACIAL

O modo como opera a competição dentro do sistema bipartidário foi formalizado no modelo de Anthony Downs (1999). A partir da análise da estática e da dinâmica das ideologias partidárias através da distribuição de eleitores ao longo da escala ideológica esquerda-direita, Downs concluiu que em sistemas bipartidários os partidos convergem ideologicamente ao centro e que o medo de perder eleitores extremistas os impedem de se tornarem idênticos. Neste sistema, os partidos dispõem de um arco muito mais amplo de políticas do que em um sistema multipartidário. Assim, há no sistema bipartidário uma maior área de políticas que se sobrepõe perto do meio da escala, isto é, para o autor os partidos competem de maneira centrípeta, buscando minorar as diferenças e disputando o jogo da política com moderação responsável, presumivelmente porque os eleitores indecisos são moderados, localizando-se espacialmente entre os dois partidos, mais ou menos no centro do espectro de opiniões. Essa tendência à semelhança entre os partidos seria ainda reforçada por uma ambiguidade deliberada em relação a cada questão específica em debate. Contudo, fomentar a ambiguidade seria, na visão dele, o caminho racional para cada partido no bipartidarismo. Nesse sentido, a perspectiva de Downs sugere que não haveria diferenças de posicionamentos extremadas entre os partidos, de modo que a competição não poderia ser considerada polarizada.

Ao debater o modelo de competição especial downsiano, Sartori (1991) discute três conceitos desconhecidos de Downs (1999) e que foram articulados, em grande parte, depois que ele escreveu sua sobra, para explicar o entendimento do comportamento do eleitor ao votar. São eles 1) questão, 2) identificação e 3) imagem. Por questão o autor entende uma série delimitada de problemas, visíveis e controversos, que pode ser isolada e é realmente compreendida isoladamente, não só em sua peculiaridade, mas também por causa da sua peculiaridade. Sobre o segundo conceito, identificação, sustenta que eleitores identificados são, supostamente, aqueles que votam sempre no mesmo candidato ou partido independentemente do que estes digam ou façam. Estes são ainda distinguidos entre fortemente e fracamente identificados. Já imagem diz respeito a um vago pacote de políticas e programas condensado numa palavra ou frase, e por ela transmitido. A partir disso, Sartori argumenta que o modelo downsiano se sai mal com eleitores interessados em questões, mas aplica-se melhor na suposição de que os eleitores são ideologicamente conscientes e sensíveis à imagem esquerda-direita. A razão disso é que as questões dificilmente poderiam ser reduzidas a uma única dimensão, enquanto que a propriedade mais atraente do modelo de Downs é, precisamente, sua unidimensionalidade. Para dar mais força ao seu argumento o autor incluiu o conceito de posicionamento em duas formulações, isto é, percepção de posição e imagem de posição:

A ideia de uma percepção de posição significa que o eleitor se coloca, e aos partidos, numa espécie de ordem espacial, numa fileira; e a ideia de imagem

de posição significa que os partidos manobram precisamente para transmitir ao eleitorado uma localização de si mesmos. Dadas as percepções de posição e as imagens de posição, então – mas só então – podemos empregar com proveito a noção de “posição em relação a questões” num “espaço de questões” (SARTORI, 1991, p.363. Grifos nossos).

Com base nisso, Sartori (1991) conclui que sempre que a política se desenvolve, que os eleitorados têm capacidade de abstração e que o sistema partidário é estruturado por partidos de massa, prepondera a suposição de que o voto de posição relacionado com as imagens partidárias representa a determinante única e preponderante da escolha eleitoral. Discutindo propriamente o espaço de competição, o autor elenca outras clivagens importantes, tais como autoritário-democrático e religioso-secular, além da tradicional esquerda-direita, que ajudam a organizar as questões políticas e que fazem parte da imagem e identificação partidária em países europeus. No entanto, afirma que, embora as formações políticas segmentadas exijam uma explicação multidimensional para as identificações partidárias, não

se segue disso automaticamente que a competição que nelas existe seja também multidimensional. Assim, sustenta que quanto maior o número de partidos, mais sua competição tende a difundir-se ao longo de um tipo de espaço linear, de esquerda-direita. No caso específico dos Estados Unidos, Sartori, apoiado em uma pesquisa publicada no início dos anos 1970, afirma que com apenas dois partidos o eleitor pode se orientar sem uma percepção espacial do tipo esquerda-direita e que não há uma razão forte para que um espaço de competição seja um “espaço ideológico”.

Aldrich (2011), por sua vez, acredita que os dois principais partidos que conformam o sistema partidário americano têm incentivos para tentar reduzir o espaço político de competição para a unidimensionalidade, pois isso os permite manter sua dualidade ou, ao menos, eles podem tornar unidimensional a primeira dimensão de competição, de modo que qualquer outra dimensão seja insuficientemente saliente perante o eleitorado, tornando inviável a entrada de novos partidos no sistema. Apesar de se filiar à mesma corrente teórica de Downs (1999), Aldrich rompe com ele em muitos aspectos, sendo o mais significativo considerar a obtenção de cargos apenas um dos muitos objetivos dos políticos, já que estes também dispõem de preferências e valores e lutam por objetivos políticos. Segundo Aldrich, uma vez eleitos, os políticos propõem alternativas, moldam a agenda, aprovam ou rejeitam legislações e implementam o que eles sancionam. Assim, o processo de formulação e execução de políticas torna-se fortemente orientado pelos partidos. Os partidos no governo são mais do que meras coalizões de indivíduos que possuem a mesma opinião, eles são instituições duradouras. Tendo isso em vista, poucos incumbentes mudam suas filiações partidárias ao longo de sua carreira, mesmo que tenham discordâncias frequentes internamente. Porém, quando um incumbente muda de partido essa mudança é para aderir ao partido mais consonante com seus interesses políticos. Para o autor, isto implica em afirmar que há diferenças entre os dois partidos em um nível fundamental e duradouro em posições políticas, valores e crenças.

Os militantes, ausentes do modelo de competição espacial clássico de Downs (1999), estão presentes na teoria de Aldrich (2011). Eles são parte do partido enquanto organização e seu papel é tentar constranger os líderes atuais do partido, seus candidatos ambiciosos, além de tentar transformar o partido no governo ao apelar para o eleitorado. Cidadãos na teoria espacial são motivados por políticas. Eles têm preferências sobre o que o governo deve fazer, as quais motivam suas ações. No modelo espacial clássico isso significa que seu comportamento de voto é determinado por suas percepções de quais candidatos parecem mais dispostos a fazer o que esses cidadãos acreditam ser o melhor. Cidadãos podem escolher se

envolver em campanhas como militantes em um partido ou no comitê pessoal de um candidato. Por serem movidos por políticas, os militantes no partido fornecem um peso de compensação em relação ao eleitorado centrista. Na medida em que os incumbentes devem continuamente buscar a reeleição, também devem revelar posições políticas no governo que reflitam aquelas ao longo das linhas de clivagem de seu partido. O resultado é que políticos buscando eleger-se encaram duas pressões concorrentes: a centrípeta, que é proveniente da busca de votos entre os eleitores mais moderados, e a centrifuga, que emana dos militantes dos partidos e constrange os candidatos a defenderem posições políticas. Estas pressões constituem justamente as duas estratégias que os partidos utilizam para competir: uma centrípeta/moderada e uma centrífuga/ideológica. Isto é, quando se posicionam os partidos ocupam um determinado espaço na escala ideológica. O que esses espaços representam, discutimos a seguir.