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A ponderação de interesses como critério

No documento O risco permitido em direito penal (páginas 92-95)

3.2 SOLUÇÕES EXTRANORMATIVAS

3.2.1 A ponderação de interesses como critério

A ponderação de interesses consiste em uma análise de custo e benefício acerca do risco.283 O benefício estaria na liberdade de ação, ao passo que o custo seria a perda dos bens que ocorre em razão do risco assumido.284 Para que um risco possa ser reconhecido como

permitido deve haver uma relação adequada entre os custos e os benefícios que o mesmo traz.285

Dessa forma, quanto maior for a utilidade social da atividade perigosa, maior será a margem de risco admitida.286 Nessa concepção, “os riscos são aceitos ou tolerados quando os benefícios

pesam mais que os riscos”.287

A fronteira entre o proibido e o permitido deveria ser buscada mediante uma valoração ex ante dos interesses que se encontram em jogo, ponderando-se, por um lado, a utilidade social da conduta e, por outro, a amplitude e proximidade de lesão ao bem jurídico, ou seja o grau de probabilidade de lesão ao bem e os bens jurídicos que podem ser ameaçados. Para que se possa determinar quais são os interesses necessários, deve-se realizar um juízo objetivo a respeito do risco inerente à ação no momento da execução da mesma, a fim de determinar o grau de uma possível lesão ao bem jurídico tutelado.288

Gil Gil também compreende a importância da ponderação de interesses para determinar o nível do risco permitido. Segundo ela:

283 De acordo com Curado Nevez, essa ponderação seria feita através de uma valoração dos bens jurídicos que possam ser afetados pela conduta, e também pelo interesse social que a conduta possuí. Devendo, ademais, verificar o grau de possibilidade de concretização da lesão, ou seja; segundo o autor, a previsibilidade também seria um dos critérios que determinaria o risco permitido, o que, ao nosso ver, não seria correto, conforme veremos nos tópicos seguintes do trabalho. (CURADO NEVES, João. Comportamento lícito alternativo e concurso se riscos. Contributo para uma teoria da imputação objectiva em Direito Penal. Lisboa: Associação Académica da Faculdade de Direito de Lisboa, 1989. p. 336.)

284 JAKOBS, Günther. A imputação objetiva no direito penal. Tradução André Luís Callegari. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2000. p. 36.

285 Segundo Mir Puig, a análise através da ponderação de interesses faria com que se estabelecesse um parâmetro qualitativo que determinaria se o resultado poderia ser imputado como obra do agente. (MIR PUIG, Santiago. Significado e alcance da imputação objetiva em direito penal. In: Revista Brasileira de Ciências Criminais. Ano 13, nº 56, set.-out., 2005. p. 186.)

286 MARTINEZ ESCAMILLA, Margarita. La imputación objetiva del resultado. Madrid: Eds. De Derecho Reunidas, 1992. p. 133s.

287 KRIMSKY, Sheldon; GOLDING, Dominic. Factoring risk into environmental decision making. Disponível em: <http://emerald.tufts.edu/~skrimsky/PDF/Factoring%20Risk.PDF>. Aceso em: 04 de jul. de 2017. p. 108. 288 CORCOY BIDASOLO, Mirentxu. Injusto e imputación objetiva en el delito imprudente. Tomo II. Barcelona, Junio, 1988. p. 433.

El determinar qué riesgos son <<irrelevantes ya desde el principio>> es una cuestión valorativa que, en el momento en que se renuncia, como por otra parte es correcto, a una probabilidad matemática mínima, depende de una ponderación de intereses exactamente igual que el establecimiento del riesgo permitido (…).289

Na concepção de Gil Gil, a ponderação de prós e contras seria o que determinaria se o risco deverá ser permitido ou proibido, e não a probabilidade de lesão. Dessa forma, a autora propõe uma solução diversa para o caso da tormenta,290 pois o risco criado pelo sobrinho não poderia ser considerado como permitido, não por não criar uma possibilidade de lesão, mas sim por não existir nenhum benefício (pró) na sua permissão, havendo, portanto, apenas o contra, o que faz com que tal atividade não possa ser tida como permitida.291

Contudo, Jakobs afirma que o critério da ponderação de interesses por meio do cálculo de custos e benefícios se veria prejudicado em razão da ausência de critérios que delimitem essa valoração. Sem esses critérios não seria possível determinar qual seria o cálculo correto a ser considerado, bem como qual não teria relevância. Quais os valores a serem objeto de ponderação, e como ela deve ocorrer. A ausência de critérios faz com que tudo seja possível.292 Cordech e Crende sustentam que não seria possível realizar sempre uma análise

empírica acerca dos custos e benefícios que cada risco comporta. Dessa forma, ainda que seja possível realizar uma prognose exata sobre a magnitude de um determinado risco, isso nem sempre será possível em relação a outros, uma vez que nem sempre se dispõe de um modelo social vinculante e suficientemente preciso para realizar essa comparação.293

D’Avila se opõe veemente à concepção do risco com base em um cálculo de custo- benefício. Ele afirma que:

289 GIL GIL, Alicia. El delito imprudente. Fundamentos para la determinación de lo injusto imprudente en los delitos activos de resultado. Atelier: Barcelona, 2007. p. 278.

290 O caso da tormenta é explorado por Honig em sua obra Kausalität und objektive Zurechnung e consisite em um tio que envia seu sobrinho, ao qual pretende herdar a herança, durante uma tempestade à uma colina com árvores muito altas, ocasião em que o sobrinho é atingido por um raio e morre. Nesse caso, segundo o autor, a intenção de provocar a morte mediante a queda de um raio não cria um risco mensurável de lesão ao bem jurídico, pois faltaria a possibilidade objetiva de perseguir o resultado. A conduta humana causadora do resultado só seria juridicamente relevante se pudesse ser concebida como disposta finalisticamente com a produção ou evitação do resultado. (HONIG, Richard. Kausalität und objektive Zurechnung. In: Política Criminal: Revista Electrónica Semestral de Políticas Públicas en Materias Penales.2007, (4). p. 186-187)

291 GIL GIL, Alicia. El delito imprudente. Fundamentos para la determinación de lo injusto imprudente en los delitos activos de resultado. Barcelona: Atelier, 2007. P. 238s.

292 Jakobs traz como exemplo para ilustrar o afirmado: “quanto vale uma vida humana no tráfego viário, ou, mais concretamente, no tráfego viário de particulares num feriado? Que valor corresponde ao risco existente para a saúde no posto de trabalho em comparação com as condições de produção rentáveis? Onde está na educação de um filho o ponto ótimo entre a liberdade, carregada de riscos, e a tutela, que necessariamente comporta restrições ao livre desenvolvimento? Essas perguntas só poderiam ser respondidas por quem se dispusesse a não ver a realidade além de estreitos e parciais limites do âmbito social.” (JAKOBS, Günther. A imputação objetiva no direito penal. Tradução André Luís Callegari. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2000. p.36.)

293 CODERCH, Pablo Salvador; CRENDE, Antonio Fernández. Causalidad y responsabilidad. In: Revista para el Análisis del Derecho, nº 1, 2006. p. 11.

a idéia de perigo socialmente aceito não está vinculada a uma ponderação de malefícios-benefícios que esse perigo poderia gerar no âmbito comunitário, o que, em muitos casos, tornaria sua constituição absolutamente impossível. Se observarmos, novamente, a questão do tráfego de veículos automotores não industriais (veículos de passeio), podemos perceber que a lesão dele advinda, concretizada em inúmeras mortes todos os dias, não pode ser compensada pelo simples benefício de deslocamento. Não haveria, sequer uma harmonia entre custo-benefício, muito menos a possibilidade deste suplantar aquele. No entanto, o tráfego automotor legitimou-se por incontáveis fatores históricos e benefícios indiretos, considerados, de certa forma, indispensáveis ao cotidiano contemporâneo.294

O parâmetro da ponderação de interesses se depara, portanto, com um importante problema, o fato de não existirem critérios adequados e objetivos de valoração, de modo que os cálculos feitos através desse método acabariam perdendo sua validade.295 Em razão disso, Reyes Alvarado refere a classificação das atividades sociais proposta por Schünemann como uma forma de determinar de maneira mais clara a ponderação de interesses, tornando-a, assim, menos vaga.

(...) propone SCHÜNEMANN una clasificación de las actividades sociales de acuerdo con sus implicaciones en la vida de relación comunitaria, distinguiendo así entre acciones suntuarias que demostrarían un excesivo interés individual como la de pasear fieras por vías públicas, acciones socialmente habituales, como la posesión de perros, a las cuales se ha acostumbrado la comunidad debido a su frecuencia y frente a las que se han desarrollado mecanismos sociales de protección a través de la exigencia de ciertas medidas de precaución, acciones socialmente útiles como la de conducir vehículos automotores, en las cuales siempre existe un moderado riesgo residual que no pudiendo ser eliminado debe ser soportado debido a la utilidad social de la actividad, y acciones socialmente necesarias como el empleo de medios masivos de transporte, en las que incluso riesgos considerables no pueden ser eliminados porque conducirían a la inoperancia de muchas actividades empresariales. De estas varias modalidades de actuación que socialmente suelen ser desarrolladas, deberían siempre considerarse como generadora de riesgos permitidos las acciones que socialmente son necesarias y útiles, mientras las acciones habituales solo serían toleradas en cuanto las medidas de precaución exigidas mantuvieran el riesgo dentro de niveles moderados, en tanto que las acciones suntuarias generarían riesgos permitidos únicamente en aquellos casos en los que las medidas de seguridad adoptadas mitigaran completamente su peligrosidad.296

Porciúncula também se opõe à utilização da ponderação de interesses como critério para determinar se o risco era permitido ou proibido. Segundo ele, esse critério seria um método arbitrário, que acarretaria inúmeras ameaças a direitos individuais, na medida em que estes

294 D’AVILA, Fabio Roberto. Crime culposo e a teoria da imputação objetiva. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2002. p.48

295 JAKOBS, Günther. A imputação objetiva no direito penal. Tradução André Luís Callegari. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2000. p. 36.

296 REYES ALVARADO, Yesid. Imputación objetiva.3 ed.rev.y corregida. Bogotá: Editorial Temis S.S., 2005. p. 114.

seriam sacrificados em prol de metas e objetivos da coletividade.297 Reyes Romero, por sua vez, afirma que o fato de uma atividade produzir benefícios sociais maiores que outras não possui relevância alguma para fins de imputação penal, pois o que se busca verificar no caso concreto é se o resultado é imputável à conduta, e não se ela é tida como socialmente benéfica.298

O critério de custo-benefício faz com seja admissível dentro do instituto do risco permitido a entrada de critérios naturalísticos, estatísticos ou matemáticos, ou que vai de encontro com a própria essência do risco permitido, um critério eminentemente normativo. Não se pode – sem se deve – tentar reduzir o risco permitido a um simples cálculo ou a uma simples fórmula matemática, tal objetivação se mostra além de inviável, demasiado problemática, especialmente no âmbito do Direito Penal, o qual deve se ocupar da análise do caso concreto, e não em realizar cálculos hipotéticos de custos e benefícios de certos riscos.

No documento O risco permitido em direito penal (páginas 92-95)