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A doutrina francesa tem se mostrado mais propensa a abarcar, em um mesmo complexo negocial, os variados instrumentos que, ao fim e ao cabo, servem à estruturação da sociedade em seu dúplice aspecto, ou seja, como

relacionamento e como organização91.

Nesse contexto, YV E S GU YO N figura como autor fundamental para o

entendimento do fenômeno societário na atualidade, envolvido e sustentado pelas mais variadas manifestações contratuais92.

A nota diferenciadora da leitura de GUY ON sobre os pactos

parassociais é, justamente, a sua percepção de que esses contratos são

internos ao fenômeno societário, e não se situam em seu exterior como

poderia fazer sugerir o fato de que se consubstanciam em instrumentos diversos do contrato ou estatuto social ou que possam não gerar efeitos sobre a organização e funcionamento da sociedade.

Essa posição pode ser verificada na metáfora de que se vale GU YO N

para explicar o fenômeno, já referida: a sociedade seria a estrela maior de

90 Mais uma vez, cabe aq ui reprod uzir a cr ítica d e CR IS T IN A CE R O N I de q ue as so luções

cogitadas pela do utrin a sobr e o s pacto s p ar associais apresentam lacunas pelo seu desco mpasso co m a r ealidad e prática ( “le ar go metazio ni a sostegno d i ogni so luzio ne avanzata, tro vano q uind i una loro giustificazio ne solamente pensando di affro ntare e riso lver e la q uestio ne dibattutta entro una lo gica meramente astratta e avulsa d alla realtà, mentre valutand ole alla str egua di um criterio che tenga pari conto anche dei risultati giuridici pro venienti dalla pratica ap plicazio ne del feno meno in q uestio ne, esse si rivelano ind ubb iamente lacuno se”. Simulazion e..., cit., p. 1121).

91 Co mo exemplo, GE O R G E S RIP E R T e G. RO B LO T, Traité de Dro it Co mmercial, atual.

MIC H A E L GE R M A IN, T . 1, Vol. 2 – Les Societés Co mmercia les; GÉ R A L D IN E GO F F A U X- CA L LE B A U T, Du contra t…, cit. e SO P H IE SC H I L L E R, Les limites..., cit..

92 Nesse peculiar, vale refer ir a bela nota de JO S É MI G U E L EM B ID IR U J O sobre a vid a e

obra de Guyo n, em q ue ressalta o êxito ímpar q ue a obr a Les Sociétés – Aménagemen s

sta tuta ires et con ven tio ns en tre a ssociés alcançou na França e no exterior, tendo sido

contemp lada co m o prêmio de melhor obra de prática juríd ica pela Compagn ie des

Avocats- Con seils d’En trep rises d e Pa ris et d e l’Île de F ran ce. ( Necro lógica: Yves Guyon (1934 -2005 ), in Revista de Der echo Mer cantil, nº 257, j ulho – setembro , 2005,

uma nebulosa contratual que a envolve. O estatuto refere-se a essa “estrela maior”, enquanto os pactos parassociais dão sustentação à “nebulosa” em que ela se insere. O relacionamento societário, ora se conclui, é estruturado e regido por essa teia de instrumentos jurídicos que se imbricam

mutuamente.

GU YO N contribui, portanto, para desfazer a impressão de que, porque

não relativos necessariamente ao funcionamento da sociedade ou inseridos no estatuto social, pactos parassociais seriam imperceptíveis ao direito societário93.

Ao tomar os contratos parassociais como manifestações da autonomia contratual no direito societário, GUY ON focaliza apropriadamente o cerne

do problema: os contratos parassociais integram o arsenal com o qual as partes se armam na entabulação de um negócio societário e são tão ou mais relevantes que o próprio estatuto social94.

Seguindo o raciocínio de GU YO N, parece ser crucial avaliar se a

utilização desses instrumentos é compatível com os ditames, princípios e lógica próprios do relacionamento societário. A autonomia existente entre o negócio representado pelo estatuto social e o contrato parassocial passa a ser, sob o prisma do relacionamento a que ambos se referem, menos nítida,

93 Na mesma linha, GE O R G E S RIP E R T e G. RO B LO T, MIC H E L GE R M A IN (atual.), Traité de

Dro it Co mmercia l, cit., p. 397.

94 A classificação propo sta por GU Y O N par a o s contrato s extra-estatutár ios engloba a)

pacto s sobre a situação dos asso ciados; b) pactos sobre a situação do s dir igentes; c) pacto s sobre a situação da so ciedade ( neles incluíd os os acordo s d e vo to e acordos para o financiamento da so ciedad e) e d) pacto s celebr ados por ocasião da liq uid ação e partilha (Les sociétés…, cit.). No presente trab alho, além do s acordo s de voto, não se examina o s p acto s so br e a situação do s d irigentes por envolverem temas de d ireito do trabalho e, mais q ue isso, por trazerem à d iscussão asp ectos ligado s às preocup ações co m boas pr áticas de corpora te go vernance. Os p acto s ora estud ados refer em-se precip uamente a posiçõ es invidid uais dos sócio s, aind a que em benefício da sociedad e (co mo acordo s pr evendo prestação acessó ria) . SO P H IE SC H I L LE R faz leitura peculiar do fenô meno, ind icando a seguinte divisão dos pacto s (ou “a ménagements”) : (i) acordo s relativo s à necessid ade de una gar antia par a toda cr iação de atividade; (ii) acordo s relativo s à necessidade de uma proteção d a garantia p ara todo o d esenvo lvimento de uma atividade; ( iii) acordos r elativo s à co nexão entre o poder e a r espo nsab ilidade entre o s associado s; ( iv) acordo s relativo s à co nexão entre o poder e a r espo nsab ilidade dos d irigentes e ( v) aco rdos r elativo s à co nexão entr e o poder e a respo nsab ilidade dos associado s o u dir igentes p ara a co nclusão de um co ntrato de caução ( Les limites d e la

sobretudo tendo em vista que, em grande parte dos casos, as partes coincidem.

Em todos os casos, a contratação não poderia ferir o que a tradição francesa designa como ordem pública societária. Contudo, como é sabidamente impossível definir com exatidão o que se enquadra nesse conceito, GUY ON evidencia a necessidade de se examinar os pactos

parassociais ou extra-estatutários com vistas aos objetivos da ordem pública societária, que aponta serem a proteção dos minoritários, a igualdade dos acionistas e a proteção dos credores sociais95.

Nesse sentido, segundo o autor, seriam válidas as convenções que não contrariassem os objetivos da ordem pública societária, as estipulações imperativas dos estatutos e o interesse social96.

Ou seja, ao ampliar a análise dos pactos parassociais, preocupando-se com seus efeitos perante a ordem pública societária e não apenas perante a companhia, GU YO N contribui significativamente para a construção do

raciocínio que permeia este trabalho.

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