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Contratos parassociais patrimoniais: precisão terminológica

Há uma categoria específica de contratos parassociais intensamente debatida na doutrina: os acordos de voto (voting agreements). As motivações que determinam a celebração desses acordos geralmente se ligam à estabilidade de poder dentro da companhia e/ou à reunião de minoritários para melhor defesa de seus interesses na sociedade.

As questões que surgem a respeito dos acordos de voto, assim, tocam temas muito relevantes para o direito societário, razão pela qual a doutrina jurídica construída a seu respeito é vastíssima, e as poucas regras legais existentes sobre o tema de contratos parassociais neles se concentram104. De fato, desde o início do século XX, a doutrina é abundante e detalhada sobre os acordos de voto e seus efeitos no direito societário105.

O voto, ao gerar consequências diretas na vida societária, é fator

natural de atração do direito societário a referidos acordos, o qual impõe

limites de validade, para que esses pactos não possam servir a propósitos

104 Cf. item “Notas de co mparação legislativa” no Cap ítulo 1.

105 Além das obr as q ue tratam d e acordo de acio nistas e, portanto exp licam a sistemática

dos acordo s de vo to s, cf. GA S TO N E CO T T IN O, Le conven zion i di voto nelle società

comercialle, M ilano, Giuffr è, 1958; PIE R GIU S T O JAE G E R e FR AN C O BO N E L L I (coord. ),

Sindacati di vo to e sind acati d i blocco, Milano , Giuffr è, 1993; MÁ R IO LE IT E SA N T O S,

Contra tos pa rassociais e aco rdo s de voto na s sociedades anón ima s, Lisbo a, Co smo s,

1996; HAR TM U T LÜ B B E R T, Ab stimmung svereinbarungen in den Aktien- um GmbH-

Rechten der E WG-S taaten, der S ch weiz und Gro βbritann ien s, B aden-Baden, No mo s,

1971; CH A R LE S FR E Y R IA, Étude de la jurisprud ence su r les conven tion s portan t attein te

a la liberté du vote dans les sociétés, in Revue trimestrielle de droit co mmercial, n.º

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Derecho M ercantil, n.º 55, Janeiro – Mar ço, 1955, pp. 91 -107. GIO R G IO SE M IN O, Il

problema della va lid ità dei sindaca ti di vo to, Milano, Giuffrè, 2003 ; RA Ú L VE N TU R A, Acordo s de vo to: algu mas questõ es depo is do Código das Sociedades Comercia is (CSC, art. 17 º ), in Estudo s vário s sob re sociedades anônima s: co men tário s ao Código da s Sociedades Comercia is, Coimbr a, Almed ina, 1 992, pp. 7-101; VA S C O D A GAM A LO B O

XAV IE R, A va lidade d os sindicato s de vo to s no direito português con stitu ído e

constituendo, in Revista da Ord em do s Ad vo gad os Portugueses 3 (dez. 1985), pp. 639 -

53; AAVV., Tra vaux de L’a ssocia tion Hen ri Cap ita t pou r la Cu ltu re Ju ridique

França ise, T. X - Les co nso rtiums d'actionna ires et la p rotection des minorités dan s les sociétés anonymes (Jou rnée de B erne). Vente à tempérament (Journ ée de Neu chatel),

indesejados, conforme os preceitos de cada ordenamento jurídico106, sobretudo aqueles ligados à regulação do mercado de capitais.

Com relação às demais espécies de acordos extraestatutários ou parassociais, a multiplicidade de conteúdos que podem apresentar em decorrência dos diversos interesses que as partes procuram com eles tutelar dificulta que sejam agrupados em uma única categoria jurídica, sendo que, como adiante ver-se-á, esses outros ajustes não são examinados em profundidade na perspectiva de sua função no relacionamento societário existente entre os pactuantes.

Pouco se comenta, em sede doutrinária, sobre as variadas formas de contratos parassociais que não se identificam com acordos de voto. No mais das vezes, os autores enunciam e explicam as principais modalidades desses pactos sem, contudo, proceder ao exame sob o contexto da relação em que se fundam.

Por essa razão, a presente tese tem como objeto de análise, os pactos parassociais voltados exclusivamente a disciplinar direitos individuais e

patrimoniais de sócios, que ora se convenciona tratar por pactos parassociais patrimoniais107 – em oposição, portanto, a contratos parassociais cujas cláusulas refiram-se a direitos sociais como o voto e temas correlatos, que afetem a organização da sociedade de forma direta e

imediata108.

106 Cf., por exemp lo, o § 2º do art. 118 da LSA, que d eter mina q ue o s “acordo s não

poderão ser invocado s para eximir o acio nista de respo nsab ilidade no exercício do direito de voto ( art. 115 ) ou do poder d e co ntrole (arts. 116 e 117) ”.

107 Ainda que a escolha ter minoló gica po ssa se mo str ar relativamente imp erfeita, não se

enco ntr a na do utr ina o utra d esignação específica para o subco nj unto d e ajustes q ue se procura estudar, dentro do amp lo co njunto dos pacto s parassociais. Por outro lado, não parecendo igualmente correto d eixar de incluir o ter mo pa rassociais p ara designar o s contratos e m exame, opto u-se por qualificá-lo utilizando a mesma distinção entr e direito s po lítico s e p atr imo niais de q ue se vale a Lei n. 6 .404/76 par a evidenciar as diferentes prerro gativas conferid as ao s acio nistas.

108 Co mo acima se apo ntou LU I G I FA R E N G A, na mesma linha, designa esse gr upo de

contratos co mo con trato s pa rassociais extra ssociais (co ntratti parasociali extrasociali), considerando q ue não gera m efeito s sob re a organização da so cieda de, mas apena s

sob re d ireitos ind ividu ais do s só cio s, em op osição àq ueles q ue designam contrato s para sso cia is stricto sensu, capazes de prod uzir efeito s sobre a organização da

sociedad e (acordo s d e voto e de ad ministração, por exemp lo) (I con tra tti para sociali, Milano, Giuffrè, 1987, pp. 224-25). Op to u-se por não utilizar a mesma expressão, pois

Dito de outra maneira, os ajustes de que ora se ocupa dizem respeito, portanto, a posições patrimoniais e individuais (i.e., não políticas) de seus

celebrantes, em oposição aos “contratos parassociais organizativos”, os

quais, relacionando-se a direitos políticos do acionista, possibilitam a interferência direta na organização e funcionamento da companhia (e, com isso, mais diretamente se verifica a sua sujeição ao direito societário).

Por óbvio, forçando-se a análise, mesmo o direito de voto tem conteúdo patrimonial, no sentido de que seu exercício pode gerar vantagens ou desvantagens para a companhia e para acionistas. Todavia, uma vez presente a proibição de negociação de voto109, os acordos que o tem por

objeto são encarados sob a perspectiva de seu caráter de direito político do acionista. De outro lado, é evidente que os acordos patrimoniais são mais frequentemente acompanhados de acordos de voto que possibilitam sua concreção perante a companhia. Todos eles servem, como se viu, para ajustar a relação societária aos desígnios dos celebrantes.

Com a designação pactos parassociais patrimoniais, é preciso esclarecer, ainda, que não há a pretensão ou o intuito de apresentar rol completo de todas as suas manifestações ou mesmo detalhar o regime aplicável a cada um deles110.

Isso não apenas porque é impossível elencar e descrever todos os ajustes parassociais que a criatividade empresarial pode originar, mas

se entend e algo tautoló gico cha má-los ao mesmo tempo pa ra sso cia is e extra ssociais. Fica registrada, de q ualquer maneir a, a proximidade de co nceitos. Já na classificação proposta por OP P O, os contrato s de q ue se ocup ará são aq ueles previsto s nos gr upo s “a”

(contrato s celebrado s por sócio s co m relação a seus dir eitos ind ivid uais) e “b” (contrato s celebr ados p or sócio s q ue geram b enefício p ara a so cied ade – mas não alteram o u tê m o co nd ão de alter ar a sua or ganização).

109 Código Penal, art. 177, § 2 – Incorre na pena de detenção, de 6 (seis) meses a 2

(dois) anos, e muulta, o acio nista q ue, a fim de obter vantagem par a si ou par a outrem, nego cia o voto nas delib erações d a assemb léia geral.

110 Co mo be m saliento u Prof. FR A N C IS C O SA T IR O por ocasião do exame d e qualificação

da tese, esses pacto s, pela co mplexidad e q ue envo lvem, ensejariam cada q ual uma mo no gr afia o u tese a seu respeito. Deixe-se vincado, portanto, q ue não é o intuito do trabalho realizar o u pretend er tamanha façanha: reunir e m apenas u ma tese de doutoramento o q ue seria objeto de várias delas.

também porque se tomou por base apenas pactos que, na experiência societária, são mais frequentes, quiçá típicos111.

Tem-se, assim, acordos de compra e venda de participações societárias (incluindo opções de compra e de venda - call options e put

options) e cláusulas de saída conjunta (tag along e drag along rights clauses); acordos de preferência (first offer ou first refusal rights) ou sobre

a transmissibilidade de ações (como a cláusula de aprovação, “clausola di

gradimento”, “clause d’agrement”); acordos de não-concorrência,

permanência na sociedade (lock in) e não-restabelecimento e acordos prevendo prestação acessória com conteúdo patrimonial, incluindo obrigações de capitalização e financiamento, fornecimento e transferência de tecnologia, prestação de serviços ou conferência de bens em favor do empreendimento comum.

Esses ajustes, já se apontou, são comumente celebrados em momento

anterior à constituição da sociedade ou ao ingresso de determinado sócio

como parte do relacionamento societário, no bojo de acordos de associação, investimento ou joint venture. Nesse sentido, são mais frequentemente firmados por todos os sócios que se lançam em um empreendimento comum.

A nota unificadora desses variados pactos reside na incidência sobre

a esfera patrimonial dos signatários, seja ela presente ou futura, mediata

ou imediata, e o objetivo deste trabalho seria então, partindo dessa constatação, apontar elementos de interpretação desses ajustes, considerando que suas disposições integram a disciplina que as partes de comum acordo escolheram para reger seu relacionamento societário.

111 É possível afir mar, co m OP P O, q ue o s pactos parassociais são demo nstração do

fenô meno d a tipicid ade social q ue não pode ser desco nsid erado p elo intérprete ( “a questo punto no n è esagerato par lar e di una certa tip icità sociale del feno meno : tipicità che no n p uò essere igno rata o so tto valutata dall’interp rete” Le conven zioni para socia le

tra d iritto delle obblig azion i e d iritto delle società, cit. , p. 519). Confor me assinala

PA U LA A. FO R G IO N I, co m escólio em BO B B IO, “[a] prática reiterada e disse minad a de

ato s dá origem a co mpo rtamento s so cialmentes típico s ou à “tipicid ade social” e, nesse sentido, pod e-se vislumbr ar certa “racio nalidade espo ntânea” na for mação do ordenamento jur ídico” ( A evo lução do d ireito co mercia l... cit., pp . 237 -2 38).

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