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CAPÍTULO 3 | A dimensão religiosa na educação escolar

3.2. A presença do religioso nas escolas da Europa

Como já vimos anteriormente, o regresso do fenómeno religioso não é propriamente um regresso no verdadeiro sentido da palavra. Trata-se, antes, de uma mudança de face relativamente ao religioso. Na verdade, falar do regresso do religioso é uma certa maneira de identificar, por um lado, a quebra de vínculo que os crentes mantinham com as instituições religiosas tradicionais e, por outro, observar como o vazio que ficou após aquela quebra, despertou nos sujeitos uma demanda de sentido e de construção de uma identidade religiosa a partir de outros referentes que não as tais instituições religiosas tradicionais. Mas não deixa de ser notório como aquela ausência ou vazio, se assim lhe podemos chamar, revela ao próprio sujeito a sua necessidade de se manter religioso ou, no limite, de querer desenvolver – porque a reconhece em si – a sua dimensão religiosa.

A questão que se mantém dirige-se à constatação do facto das pessoas não regressarem, em sentido geral, às religiões tradicionais e às suas instituições. A demanda pelo sentido e a construção de uma identidade religiosa assumiu uma forma pessoal, personalizada, feita à medida da biografia de cada um, no contexto de uma modernidade que se caracteriza

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pela promoção da autonomia e da liberdade dos sujeitos. Daí que se torne muito complexo quando se chega o momento de pensar o religioso dentro da escola. No caso de uma Europa democrática, em processo de secularização, caracterizada por divisões políticas e religiosas, mas também por grandes ondas migratórias que foram mudando a sua identidade homogénea, prevalece o valor do pluralismo social. Os valores da tolerância e do respeito pela liberdade de cada um conduziram-nos a um certo «pluralismo passivo».91 A expressão é de van der Vloet e revela-nos o ponto em que as sociedades podem estar caso não se resolvam alguns impasses.

O autor holandês identifica esta situação dicotómica na Europa: por um lado temos a erosão silenciosa da educação religiosa das escolas. Na Europa, a escola declara-se pluralista. Ora, esta designação cria muitas ambiguidades dado que é pouco clara e pouco definida. O perigo em que o pluralismo nos pode deixar é uma certa passividade social, onde se aceitam e toleram-se opiniões, perspetivas e formas de vida mas sem qualquer movimento de busca, de diálogo, de dialética que permita o desenvolvimento e aprofundamento das diferentes identidades que cada comunidade, cada escola e cada país assume. Ora, esta erosão silenciosa, por vezes, é apelidada de «neutralidade». Mas a ideia de neutralidade aqui presente, sugere inação e ausência de compromisso. Será impossível crescer e desenvolver a dimensão religiosa na escola se não houver explicitamente um caminho proposto para se fazer em ambiente de diálogo e de liberdade. Em alguns países, como Itália, em nome deste pluralismo – cujo autor apelida de passivo – está a deixar de se oferecer obrigatoriamente a possibilidade de escolha do ensino religioso no sistema de ensino público. Aliás, a justificação encontrada é que a população já não é mais religiosa, ou pelo menos, já não se identifica com a matriz cultural ali presente e que, neste caso, é o catolicismo. Mesmo no seio da escola, a tendência para ter professores, diretores, alunos e famílias com tradição religiosa é diminuta. Contudo, estes temas não estão a ser refletidos devidamente e, por infelicidade intelectual, corremos o

89 risco de, ao deitar fora a água do banho, seja também deitado fora o bebe. É certo que é importante assumir que o ensino religioso não pode revestir-se de confessionalidade. Mas daí não se pode concluir que o ensino religioso deva abandonar o espaço escolar.92

Contra um pluralismo passivo, Vloet defende um pluralismo ativo. Este pluralismo caracteriza-se, de imediato, pelo reconhecimento de que a educação da dimensão religiosa não é neutra e, como tal, é necessária uma tomada consciente de posições. Sem ser fundamentalista ou dogmática, esta atitude deve ajudar a formular pontos de partida, tornar visíveis os vários pressupostos em jogo e contribuir para que cada aluno tome também a sua posição pessoal, seja crente ou não. O pluralismo ativo entende também que a escola deve permitir aos alunos e professores a descoberta e o desenvolvimento da sua espiritualidade. Por isso, a escola deve criar as oportunidades práticas através das quais se façam experiências de contacto com o religioso e o espiritual de modo a entender a outro nível a vitalidade das religiões.93 Para que se concretize, este pluralismo ativo necessita de reflexão, de debate, de cruzar diferentes interlocutores e criar plataformas de entendimento comum dentro da sociedade que saibam reconhecer e justificar que o ser humano é religioso e isso é um grande contributo que a escola – enquanto instituição de formação humana – pode dar.

Não há dúvida de que parece existir uma certa preocupação com a presença do radicalismo religioso e o reconhecimento da necessidade da presença do religioso nas escolas, na Europa, para combater esse mesmo radicalismo, por um lado, e potenciar cada cidadão em todas as suas dimensões humanas, por outro. De facto, existe um consenso na Europa de como este tema é importante e urgente tratar. Veja-se como a Assembleia Parlamentar da Europa, em 2005, na sua recomendação 1720, declara no ponto 6 que:

“a educação é essencial para combater a ignorância, os estereótipos e a incompreensão das religiões. Os governos deveriam fazer mais para garantir a liberdade de consciência e de expressão religiosa, para encorajar o facto religioso, para promover o diálogo com e entre as religiões e para favorecer a expressão cultural e social das religiões. [No ponto 8, afirma ainda

92 Cf. Ibidem, pp. 412-415 93 Cf. Ibidem, p. 420.

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que] o conhecimento das religiões faz parte integrante da história dos homens e das civilizações. Ele é completamente distinto da fé numa certa religião e da sua prática. Mesmo os países em que uma confissão é largamente predominante, devem-se ensinar as origens de todas as religiões em vez de privilegiar uma ou promover o proselitismo”.94

Para compreendermos melhor o cenário em que este pluralismo ativo se pode promover, é importante considerarmos o estado do ensino religioso na Europa e observar de que maneira alguns países integram a educação religiosa nos seus sistemas educativos.