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A previsão de impactos no mundo periférico e subdesenvolvido

Capítulo V – A previsão de impactos na construção de cenários do futuro

5.1. A previsão de impactos no mundo periférico e subdesenvolvido

Os estudos de previsão de impactos em diferentes projetos para áreas do mundo periférico, particularmente no caso brasileiro e, devido a sua ampla representatividade, estes estudos encerram diferenciadas e complexas variáveis, uma vez que, em sua elaboração, torna-se indispensável um empenho particular na recuperação de acontecimentos semelhantes, havendo ainda a necessidade de estudos aprofundados, caso a caso, sobre os fatores impactantes e os sistemas considerados virtualmente impactáveis (Ab’ Saber, 2006:28).

A previsão de impactos com relação a qualquer tipo de projeto, destinado a uma região específica e particularmente a um lugar, constitui uma operação técnico-científica transdisciplinar e de fundamental importância para os países do mundo periférico (Ab’ Saber, 2006), porque:

1. Demonstra o nível de esclarecimento atingido pela sociedade do país, em relação à capacidade de antever quadros futuros da organização espacial de seu território.

2. Constitui, ainda, bom indicador da força de pressão social dos grupos esclarecidos em relação ao bom uso dos instrumentos legais, para garantir antecipadamente um razoável quadro de qualidade ambiental e ordenamento territorial.

3. Significa um extraordinário teste para examinar a potencialidade da legislação disponível, como também a sua aplicação a casos concretos.

Nesse sentido, os trabalhos de previsão de impactos contêm todo um estoque de transdisciplinaridade, voltados para atitudes culturais de importância social e de relevância para os cenários do futuro (op. cit.).

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Significa, sobretudo, aplicar um antídoto contra os resultados da utilização incorreta de tecnologias ou de argumentações inverídicas, que envolvem a avaliação das prováveis consequências de distintos projetos, seja uma nova estrada em ecossistemas de grande vulnerabilidade, seja a instalação de uma nova indústria em lugares incompatíveis com as funções preexistentes; ou seja ainda projetos de loteamento e urbanização, a comprometer espaços costeiros através de processos de expansão de uma fronteira desordenada de lazer. Daí a importância e a grande responsabilidade cultural e ética das equipes responsáveis pela avaliação de impactos. Porém, segundo Aziz Ab’Saber, mesmo que bem preparados, técnicos e especialistas, não têm poder para “isoladamente, transformar a estrutura da sociedade, mas têm força para exigir seriedade e melhorias na organização dos espaços, para os quais se endereçam projetos ditos desenvolvimentistas” (2006:29). Para tanto, segundo este autor, bastaria empregar a legislação existente, tendo por base bons conhecimentos e adequadas estratégias de monitoramento e gerenciamento.

5.1.1 – A importância da previsão de impactos humanos e econômicos para

cenários futuros

Além da importância de saber os limites e, também, as possibilidades acerca dos trabalhos técnicos e científicos de prever impactos, na realidade, exige-se uma reflexão diante de um quadro complexo de resultados em cadeia, que podem derivar de um projeto a ser implantado em uma determinada região e num dado lugar. É preciso ter em vista o cenário preexistente de ocupação espacial e qualidade ambiental, bem como os possíveis cenários a serem criados em distintas profundidades de tempos futuros (op. cit.).

A construção de cenários constitui importante ferramenta da gestão social que apoia a exploração de imagens futuras. Expressa parte da planificação estratégica, além de contribuir para a construção de uma visão de futuro, no sentido de um futuro desejável e possível da organização, em termos de sua missão, serviços e recursos tangíveis e intangíveis, uma vez que os imaginários resultantes deste exercício se convertam em panos de fundo das estratégias e planos da organização. Além disso, a construção de cenários constitui um método de análise e projeção da realidade intrinsecamente valioso, porque ajuda a estudar os problemas críticos de uma dada sociedade, e a prever seus possíveis resultados (Licha, 2002). Os cenários são definidos como um conjunto formado pela descrição de uma condição futura e a sequência de acontecimentos que

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possibilitam avançar em direção a ela. Este método permite transitar, desde a situação presente até uma situação futura, possível e desejável, descrevendo de forma lógica esse trânsito (Godet, 1993; Licha, 2002; Saragoça et al., 2012).

A construção de cenários inscreve-se teórica, instrumental e empiricamente no campo das ciências sociais, como um subcampo denominado “estudos do futuro”, e encontra-se também inserido nas técnicas de planificação, como um método de previsão, estando associado ao campo específico da prospectiva (Licha, 2002). Onde a prospectiva desenha o futuro no presente, tendo por base o conhecimento adquirido dos atores, do passado e do presente, e do resultado da aprendizagem desenvolvida através da reflexão coletiva e das múltiplas interações (Perestrelo, 2007).

O método de cenários possíveis constitui um dos instrumentos, que nos deixam agrupar diversas e importantes variáveis em diferentes visões do futuro. Esses cenários representam alternativas mais ou menos coerentes, não importa qual seja a probabilidade de elas virem a se realizar ou concretizar (Nitsch, 2010). Diferem igualmente das alternativas, que pressupõem “um único indivíduo ou corpo tomador de decisões, cujas atitudes são capazes de determinar o resultado. Em situações e processos complexos, um grande número de protagonistas e objetos (...) têm de ser levados em consideração, de modo que o que se visa, ao formular cenários possíveis, é uma gama de retratos holísticos do futuro, e não uma extrapolação ou projeção de uma única variável” (idem, 11).

A partir do método de previsão, a formulação de um quadro com as prováveis consequências depende de uma minuciosa revisão de todos os campos de influências que possa existir com o meio ambiente físico, ecológico e social, necessitando um aprofundamento no conhecimento, na funcionalidade plena e em que, e a quem poderão prejudicar: ecossistemas naturais, comunidades humanas, fluxos de água, patrimônios construídos, harmonia dos espaços humanizados, entornos próximos ou distantes; enfim, conhecer os sistemas impactáveis, que se entrecruzam e se sobrepõem, uma vez que “o jogo dos fatores impactantes sobre os sistemas impactados apresenta variabilidade infinita (Ab’Saber, 2006; Nitsch, 2010). Daí a exigência das chamadas ‘medidas mitigadoras97’” (Ab’Saber, 2006:29).

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São aquelas destinadas a prevenir impactos negativos ou reduzir sua magnitude. É preferível usar a expressão "medida mitigadora" em vez de "medida corretiva", uma vez que a maioria dos danos ao meio ambiente, quando não pode ser evitada, pode apenas ser mitigada ou compensada (Arruda et al., 2001). In: ambientebrasil [acedido 22novembro2012] - http://ambientes.ambientebrasil.com.br/educacao/glossario_ambiental/glossario_ambiental_- _m.html?query=medidas+mitigadoras

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5.1.2 – O conceito de espaço total no centro das considerações

Como todo projeto tem um local de implantação e uma determinada região de localização, é imprescindível conhecer sua estrutura, sua composição e a dinâmica dos fatos que caracterizam o espaço total da área escolhida. Apesar da importância da análise do local para implantação de um projeto, a área de entorno – considerada em sua composição: a população residente, a qualidade do ar, das águas e do solo, os caminhos e ruas, e remanescentes da biodiversidade dignos de preservação – ganha relevância em termos de curto, médio e longo prazos. Por essa razão, o conceito de espaço total passa a ocupar o centro das considerações, em face de qualquer projeto que se pretenda introduzir em um território específico.

Diante da importância deste conceito, em sua definição, o espaço total constitui “o arranjo e o perfil adquiridos por uma determinada área em função da organização que lhe foi imposta ao longo dos tempos. Nesse sentido, pressupõe um entendimento – na conjuntura do presente – de todas as implantações cumulativas realizadas por ações, construções e atividades antrópicas. A gênese do espaço – considerado de um modo total – envolve uma análise da estruturação espacial realizada por ações humanas sobre os atributos remanescentes de um espaço herdado da natureza” (Ab’Saber, 2006:31). Por esse motivo, é preciso perceber como se dá o funcionamento dos fluxos vivos da natureza que, embora perturbados, não foram totalmente eliminados, como também conhecer a história das formas de ocupação dos espaços produzidos pelos homens.

Para tanto, convém lembrar que o espaço precisa ser visto como um conjunto indissociável onde participam: de um lado, determinado arranjo de objetos geográficos, naturais e sociais e, do outro, “a vida que os anima ou aquilo que lhes dá vida. Isto é a sociedade em movimento” (Santos, 1988:16). Uma vez que a sociedade existe em movimento contínuo, cada movimento dela significa uma transformação no conteúdo das formas geográficas e uma mudança na distribuição do valor no espaço.

Nesse sentido, a previsão de impactos, além de garantir a harmonia e conciliar ações no interior do espaço total no futuro, pode ser também considerada como um ato de bom senso, ao procurar afinar o desenvolvimento com uma atitude de proteção ambiental e ecológica.

Deste modo, projetos desenvolvidos por grupos participantes do mundo urbano- industrial, para áreas onde ainda pode-se encontrar populações dotadas de tecnologias brandas, adaptadas às condições e ritmos da natureza, (estes projetos) podem gerar interferências e

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agressões em grandes extensões do território, necessitando, assim, de maior percepção e compreensão sobre a realidade local; sobretudo no que diz respeito à região onde desejam empreender novos padrões de uso, comumente considerados provocadores de profundas transformações. Para Zaoual (2006), fica evidente a impossibilidade da transposição de modelos de economia e administração de um espaço para o outro, onde a experiência dos países periféricos mostra o quanto essa transposição de modelos de desenvolvimento vem causando desequilíbrios na autonomia dos lugares e dos atores sociais. Além do grave problema da alienação territorial, por poder transformar culturas, lugares e antigos saberes técnicos em ruínas. A imensa variedade das configurações socioeconômicas e culturais, bem como das dotações de recursos que predominam em diferentes regiões, afastam a aplicação generalizada de semelhantes estratégias de desenvolvimento. Estas estratégias, para serem eficazes, necessitam responder aos problemas mais urgentes e aos anseios da comunidade. Mas para isso é preciso garantir a participação de todos os atores envolvidos no processo de desenvolvimento (Sachs, 2008).

Nos países do mundo periférico, a percepção das características regionais, por parte dos cientistas e daqueles responsáveis pelo planejamento, é de vital importância,pois qualquer erro de avaliação, análise e/ou previsão de impactos pode causar prejuízos irreparáveis para o futuro da região, da sociedade e do país (Ab’Sáber, 2006). Portanto, é imprescindível um conhecimento aprofundado dos espaços geográficos e sociais que compõem os países das regiões tropicais, sujeitos a um desenvolvimento desigual.

Nesse sentido, o Arquipélago dos Bijagós, localizado na Guiné-Bissau, África Ocidental, surge como um exemplo, dentre tantos existentes no mundo periférico, que poderia evidenciar o quanto as ações hegemônicas, com suas promessas de desenvolvimento, para as áreas nas quais exercem forte pressão para se instalarem, na realidade continuam a provocar impactos de grande magnitude, particularmente sobre regiões onde ainda se pode encontrar populações caracterizadas por seu conhecimento tradicional, considerado de grande importância para a conservação do seu patrimônio natural e cultural, garantidores de sua existência enquanto grupo. Ao atuarem de forma descontextualizada, tais atores hegemônicos acabam por provocar danos irreparáveis sobre comunidades, encontradas ainda hoje, a utilizar tecnologias brandas adaptadas aos ritmos e às condições da natureza local, causando a exclusão dessas populações das áreas onde sempre viveram dentro de uma relação harmônica e de modo sustentável.

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5.2 – Arquipélago dos Bijagós: um importante patrimônio natural e cultural