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Capítulo II O “lugar” das comunidades tradicionais

3.1. Políticas públicas

As políticas públicas surgiram no século XX, a partir de uma nova e importante função do Estado, que é a promoção do bem-estar social. Essa nova demanda passa a requerer uma ação mais direta e diferenciada do Estado, no atendimento aos problemas cotidianos da sociedade com o objetivo de oferecer respostas às necessidades específicas da coletividade.

Tradicionalmente, as políticas públicas compreendem “o conjunto das decisões e ações propostas por um ente estatal, em uma determinada área (saúde, educação, cultura, meio ambiente), de maneira discricionária ou pela combinação de esforços com determinada comunidade ou setores da sociedade civil” (Tude, s/d: 11). De certa forma, as Políticas Públicas constituem a totalidade de ações, metas e planos que os governos nacionais, estaduais ou

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municipais delineiam para alcançar o bem-estar da sociedade e o interesse público. As ações selecionadas pelos dirigentes públicos (governantes ou tomadores de decisões) têm como prioridades aquelas que eles entendem como as necessidades ou expectativas da sociedade. Ou seja, o bem-estar da coletividade é sempre deliberado pelo governo e não pela sociedade (Lopes e Amaral, 2008).

No caso das sociedades em desenvolvimento, Frey (2000) adverte que as peculiaridades socioeconômicas e políticas não podem ser tratadas como fatores institucionais e processuais específicos; é preciso uma adequação do conjunto de instrumentos da análise de políticas públicas às condições características dos grupos.

A política pública em geral e a política social em particular, do ponto de vista teórico- conceitual, são campos multidisciplinares, e seu foco encontra-se nas interpretações sobre a natureza e nos processos da política pública. “Por isso, uma teoria geral da política pública implica a busca de sintetizar teorias construídas no campo da sociologia, da ciência política e da economia. As políticas públicas repercutem na economia e nas sociedades, daí por que qualquer teoria da política pública precisa também explicar as inter-relações entre Estado, política, economia e sociedade” (Souza, 2006:25). Razão pela qual, pesquisadores de tantas disciplinas – economia, ciência política, sociologia, antropologia, geografia, planejamento, gestão e ciências sociais aplicadas – partilham um interesse comum na área e têm contribuído para avanços teóricos e práticos.

Com o desenvolvimento da ciência política, alguns estudos ocuparam-se da análise do entendimento da evolução do conceito de políticas públicas. Os estudos sobre a interação dos atores estatais e privados no processo de produção das políticas públicas, nas últimas duas décadas, têm sofrido expressivas reformulações. Grande número de pesquisas empíricas e ensaios teórico-conceituais tem revelado a inabilidade dos modelos tradicionais na interpretação dos mecanismos de intermediação de interesses, de entender a diversificação e a complexificação desses processos, caracterizados por interações não hierárquicas e por um baixo grau de formalização no intercâmbio de recursos e informações, como também pela participação de novos atores, como as organizações não governamentais de atuação transnacional e redes de especialistas (Faria, 2003).

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Vale Lembrar que os problemas vivenciados pela sociedade, particularmente aqueles que afetam diretamente as populações pobres, são caracterizados como complexos (Ckagnazaroff & Melo, 2005), e o modelo tradicional que gerencia as políticas públicas, segue o modelo burocrático. Segundo Bourguignon (2001), as políticas são implementadas de forma setorial; deste modo, cada área conta com instituições e serviços próprios e isolados; logo, esta forma de gestão poderá gerar segmentação no tratamento das necessidades sociais, ações paralelas, decisões, recursos e informações centralizadas, objetivos divergentes e o fortalecimento das hierarquias e dos poderes políticos, em detrimento do cidadão.

Tal estruturação dificultará a prática de direitos e o controle social, uma vez que os problemas vivenciados derivam de diversas causas e ações isoladas, que não dão conta de promover a qualidade de vida, de gerar o desenvolvimento, de superar a exclusão social (Inojosa, 2001:103).

Uma lógica muito aquém das necessidades das pessoas ou dos grupos populacionais que apresentam perfis diferentes; todavia, referidos ao lugar, à região onde vivem, as suas características socioeconômicas e culturais, e que necessitam, em sua totalidade, de condições de desenvolvimento social, de condições ambientais e de infraestrutura (Inojosa, 2001). São as características socioeconômicas e culturais que distinguem os grupos que o governo deveria atender, e assim, garantir os direitos constitucionais, como é de sua responsabilidade

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Nesse sentido, surge a perspectiva da transetorialidade ou intersetorialidade em políticas públicas, entendida como uma articulação dos saberes e experiências no planejamento, na realização e navaliação de ações para alcançar efeito sinérgico em situações complexas, visando ao desenvolvimento social. Apesar de ser uma abordagem recente, é considerada mais adequada para a resolução dos problemas sociais (Ckagnazaroff e Melo, 2005).

A transetorialidade ou intersetorialidade vincula-se à discussão da transdisciplinaridade enraizada na teoria da complexidade, desenvolvida por Edgar Morin, cuja essência está em “procurar entender o todo sem perder de vista as partes que o constituem e, inversamente, ao lidar com as partes não perder de vista o fato de que elas compõem o todo” (Morin, 2006: 436). A transdisciplinaridade questiona a separação das ciências em disciplinas, pois este recorte impossibilita apreender ‘o que está tecido junto', ou seja, no sentido original do termo, o complexo (Morin, 2000: 41). Os termos transetorialidade ou intersetorialidade são encontrados

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na literatura com o mesmo significado: “a articulação de saberes e experiências para a solução sinérgica de problemas complexos” (Inojosa, 2001: 103).

O conceito de intersetorialidade ou transetorialidade relaciona-se com o de descentralização48, que é considerado como uma estratégia possível para suplantar as decorrências das políticas realizadas de forma centralizada (Ckagnazaroff & Melo, 2005).

Este processo descentralizador poderá, de certa forma, contribuir para a ampliação da democratização da sociedade, uma vez que as resoluções serão tomadas por diversas esferas, o que permitirá um olhar mais atento às necessidades da coletividade. Outro dado importante a ser observado está no fato de que uma estrutura governamental descentralizada favorece a redução dos riscos, por exemplo, de que os tipos ou quantum de bens públicos ofertados não correspondessem às preferências dos cidadãos ou, ainda, de que os benefícios relativos a um grupo (jurisdição) sejam arcados por outro grupo (jurisdição) (Melo, 1996).

No campo das organizações, o que se pretende está muito além de unir projetos criados e executados setorialmente. O objetivo está em desenvolver uma nova dinâmica para o aparato governamental, uma nova perspectiva de política pública, através de um processo de planejamento participativo, com a eliminação do assistencialismo e do “modelo piramidal e setorializado do aparato do Estado”, visto como insustentável, devido a sua baixa capacidade de operar com mudanças significativas (Inojosa, 2001: 107). E, conforme a autora, a atuação em rede de compromisso social poderia ser considerada como parte para a solução do modelo atual, em setores, pois significaria uma abertura do Estado à sociedade e a outros atores independentes, ligados tanto à coletividade, quanto ao aparato governamental, e que, de forma conjunta, poderiam trabalhar determinado problema do grupo e, deste modo, obter resultados comuns dentro de uma visão compartilhada de futuro.

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A descentralização consiste na transferência do poder central às unidades a ele subordinadas, dotando os organismos intermediários de competências e recursos, de modo a desenvolverem suas administrações próximas dos cidadãos e dos grupos sociais, e desta forma contribuir para ações mais eficazes (Ckagnazaroff e Melo, 2005).

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