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II. A Democracia de 1976: o contexto histórico e a Instituição parlamentar

II.3. A primeira Assembleia da República

O Parlamento condicionou substancialmente a evolução da cena política neste período. O acesso privilegiado que os representantes do povo têm à produção e aprovação de legislação vinculativa dos seus representados e as prerrogativas de fiscalização do poder executivo assim o fundamenta. A configuração da primeira Assembleia da República encontra na CRP algumas referências genéricas quanto a esta Instituição parlamentar e outras especialmente referentes ao Parlamento da I Legislatura, formada pelos deputados eleitos das duas Eleições Legislativas antes de 1980.

Com uma composição entre um “mínimo de duzentos e quarenta e o máximo de duzentos e cinquenta deputados”162, os poderes dos parlamentares estão legalmente estatuídos na lei163 e a sua substituição obedece ao imperativo de eleição em sistema proporcional de listas de acordo com o Método de Hondt164. Nas suas competências política e legislativa165 sublinha-se o relevo dos seus poderes de fiscalização do Governo e de entidades da Administração Pública pela necessidade de vigiar o “cumprimento da Constituição e das Leis”166. Em matéria de relações internacionais, é também este o Órgão responsável pelo comprometimento do Estado em matérias de competência própria. A aprovação do Programa de Governo167 define uma regra de acção da Assembleia e, até, a necessidade de maioria absoluta de deputados em efectividade de funções para rejeitar o

(sendo 39 deputados do PCP e 2 do MDP/CDE) e a UDP reelege Mário Tomé com 1,4%. A afluência sobe ligeiramente para os 83,9%. DR, I, 2.º suplemento do nº 254, 3 de Novembro de 1980, p. 3716(7).

161 Eanes é reeleito com o apoio da FRS, e beneficiando da desistência de Carlos Brito (APU), com 56,4%

dos votos à primeira volta. Soares Carneiro, candidato da Aliança, obtém 40,2% dos votos. Muito distante do score eleitoral de 1976, Otelo Saraiva de Carvalho não vai além de 1,5% dos votos. Quanto aos restantes candidatos, à direita, Galvão de Melo e Pires Veloso têm 0,8%, e à esquerda, Aires Rodrigues obtém 0,2% dos sufrágios. A afluência às urnas é de 84,4% do eleitorado. DR, I, Suplemento ao nº 297, 26 de Dezembro de 1980, p. 4216(19).

162 Artigo 151.º da CRP. DR, I, 10 de Abril de 1976, pp. 738-775. 163 Artigo 159.º da CRP. In Ibidem.

164 Artigo 156.º da CRP. In Ibidem. 165 Artigos 165.º e 166.º da CRP. In Ibidem. 166 Artigo 165.º, alínea a, da CRP. In Ibidem. 167 Artigo 195.º da CRP. In Ibidem.

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Executivo empossado. Em matéria de organização, esta I Legislatura tem a duração previsível de 4 anos e em “caso de dissolução, a Assembleia eleita não iniciará nova legislatura”, completando a que se encontra em curso168. A Lei Fundamental estabelece ainda o início e o termo anual de cada Sessão Legislativa169 em periodicidade anual e a possibilidade de os parlamentares eleitos elaborarem e aprovarem o regimento, podendo, ainda, eleger os seus Órgãos próprios170 e prover a composição de Grupos parlamentares171. As disposições atinentes à I Legislatura172 ressalvam que “o número de deputados à primeira Assembleia da República” deva obedecer às regras da Lei eleitoral do VI Governo Provisório173.

A temática da representação parlamentar é relevante para a aferição tanto da expressão do discurso produzido neste período como da identificação do grupo em presença. Os deputados não podem ser considerados representantes no sentido jurídico e, em sentido decorrente, concebidos como mandatários da vontade dos seus representados174. São, no entanto, representantes da vontade eleitoral, e ainda que subordinados à disciplina partidária, reflectem a representação possível do pulsar político do país. Maria José Stock identifica estes representantes do povo a partir das listas de eleitos por cada força partidária em cada acto eleitoral175. Em sentido inverso, os estudos de André Freire contemplam apenas parlamentares em efectividade de funções a cada momento de análise. Este autor regista um elevado nível de substituição no Parlamento português desde a Assembleia Constituinte até à VIII Legislatura e confirma algumas dificuldades metodológicas em alargar o objecto de estudo a todos os deputados, argumentando ainda que “muitos não chegaram a exercer efectivamente o mandato”176.

168 Artigo 174.º da CRP. In Ibidem. 169 Artigo 177.º da CRP. In Ibidem. 170 Artigo 178.º da CRP. In Ibidem. 171 Artigo 183.º da CRP. In Ibidem.

172 Artigos 298.º e 299.º da CRP. De forma mais enfática, o artigo 299.º estabelece que “a primeira

legislatura termina em 14 de Outubro de 1980”. In Ibidem.

173 No caso, o Decreto-Lei n.º 93-C/76 de 29 de Janeiro publicado em DG, I, 2.º Suplemento de 30 de

Janeiro de 1976, pp. 236(3)-236(6); faz coincidir os círculos eleitorais com os “distritos administrativos”, cria dois círculos de emigração e define a distribuição de deputados a eleger, no seu artigo 2.º, em função da razão de “um Deputado por 25.000 eleitores inscritos ou resto superior a 12.500”. Esta última regra determinou a Eleição em 1976 de uma Assembleia com 263 representantes. No acto eleitoral de 1979, a Lei n.º 14/79 de 16 de Maio publicada em DR, I, 16 de Maio de 1979, pp. 915-938; elege já de 250 deputados.

174 SÁ, Luís – O Lugar da Assembleia da República no Sistema político. Lisboa: Ed. Caminho, 1994, p. 74. 175 STOCK, Maria José de Souza Dias Fernández – Elites, Facções e Conflito Intrapartidário. O PPD/PSD

e o Processo Político Português de 1974 a 1985, volume 2 [Texto policopiado]. Évora: [s.n.], 1989. Tese de Doutoramento em Sociologia Política apresentada à Universidade de Évora, pp. 98-139.

176 FREIRE, André (coord.) – Recrutamento Parlamentar. Os deputados portugueses da Constituinte à VIII

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A fórmula encontrada para definir o grupo de deputados em questão tende, assim, a ignorar o caracter rotativo da frequência deste Órgão parlamentar, dificultando a sua caracterização e sua compreensão como produtor de discurso político.

Maria da Conceição Pequito Teixeira, abordando padrões de recrutamento parlamentar, aceita o fenómeno de substituição de deputados como intrínseco ao problema da representatividade dos deputados, fazendo uma distinção entre os elegíveis e os inelegíveis. A intuição da heterogeneidade da realidade parlamentar está presente no cálculo diferenciado entre lugares elegíveis e inelegíveis pelas estruturas dos partidos políticos para a renovação das Elites, garantia de um “governo para o povo”177, através da renovação das listas. Distinguindo “Sobreviventes” de “Neófitos” e calculando a taxa de sobrevivência de candidatos nas listas, reconhece um princípio de substituição interlegislativa ao cruzar esses dados com a efectiva detenção de “um mandato parlamentar”178. Ao comparar os deputados eleitos com os candidatos citados nas listas, também contribui para a caracterização de um grupo de substitutos que frequentam o Hemiciclo de São Bento. O tratamento da realidade parlamentar da I Legislatura não se pode esgotar, assim, na compreensão dos deputados eleitos como produtores de discurso político. O âmbito da análise deve ser extensível a todas as individualidades, substitutos intralegislativos, que exerceram o mandato para mais rigorosamente aferir a presença de todos os oradores no plenário parlamentar179.

Produzimos uma Tabela que sistematiza a frequência de Grupos parlamentares por Eleição180. No período equivalente às três primeiras Sessões Legislativas, encontramos um nível de substituição intraparlamentar elevado no PS que determina que 1 em cada 3 deputados que exerceram funções não se encontravam nas listas de eleitos de 1976. Quanto às dissidências, entre os socialistas foram relativamente pontuais. O PPD/PSD apresenta também níveis elevados de substituição, atenuados no grupo de dissidentes das “Opções Inadiáveis”181. A cisão entre sociais-democratas é significativa, reduzindo o partido a uma expressão equiparável à do CDS e do PCP. Entre os centristas, a dissidência de dois deputados é pontual e associada ao descontentamento com o rumo político do

177 TEIXEIRA, Maria da Conceição Pequito – Op. Cit., pp. 636-637. 178 IDEM – Ibidem, p. 645.

179 Em última instância, a Eleição de Teófilo Carvalho dos Santos como Presidente da Assembleia na 3.ª

Sessão Legislativa não seria explicável visto que é deputado substituto em 1976.

180 Infra, p. 150.

181 Alguns dissidentes não se encontram neste grupo pelo motivo de terem renunciado ao mandato ou ter

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partido. Acentua-se, neste caso, uma diminuta rotatividade de eleitos. Entre os comunistas a substituição é ligeiramente mais elevada, não havendo qualquer dissidência. O deputado eleito pela UDP renuncia ao seu mandato após desentendimento político com a direcção do partido, sendo substituído ainda antes do fim da 3.ª Sessão Legislativa. Na última Sessão, a substituição é muito mais elevada. É sobretudo notada nos partidos da direita do Hemiciclo, mais no CDS que no PPD/PSD. No PCP é ligeiramente superior que no PS e inexistente na UDP. Nesta Sessão regista-se apenas a dissidência de Sousa Tavares, que sai do Agrupamento parlamentar dos Reformadores182.

A produção de discurso político é, assim, atribuída a um grupo com uma dimensão mais significativa do que aquela que é nominalmente referida183. Ainda assim a soma do total de deputados das duas tabelas anteriores não nos dá a medida exacta, sendo necessário assinalar o número de 149 deputados que, eleitos ou substitutos, desempenharam funções nas duas Assembleias eleitas da I Legislatura. Uma segunda Tabela expressa o total do grupo de deputados que frequentaram o Hemiciclo nesta primeira Assembleia da República. Esta permite-nos constatar uma renovação significativa das listas do PPD/PSD em 1979, que conta com um absoluto de deputados nas duas Câmaras eleitas inferior ao de partidos médios. Este fenómeno poderá estar naturalmente associado ao afastamento da linha crítica das “Opções Inadiáveis” do partido e afirmação de poder da linha política de Sá Carneiro. A Assembleia produtora de discurso político, para este efeito, é um Hemiciclo com 554 deputados184.