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A primeira impressão: como se apresenta a seção Em resumo

4. EM RESUMO EM ANÁLISE

4.2 A primeira impressão: como se apresenta a seção Em resumo

O lugar de destaque que ocupa a seção, do ponto de vista gráfico, já seria algo que ajudaria a pensar o que é o Em resumo. A terceira página de toda publicação impressa tende a ser a mais cobiçada pelos repórteres e anunciantes: é aquela que inicia a publicação, visto que a capa anuncia a existência da publicação. É uma página ―nobre‖, de grande visibilidade. A terceira página, em todos os números da Pif Paf, traz, logo em seu topo, a frase: ―Um ponto de vista carioca‖, acompanhada do logotipo da revista e da caricatura de uma mulher deitada, de biquíni. Ao referir-se a ―um ponto de vista‖, produz-se a compreensão de que é este o espaço reservado para apresentar as ideologias da revista, de como ela irá se apresentar ao leitor, ou seja, caracteriza o espaço do editorial. Como se dissessem: ―Olha, este é o nosso ponto de vista‖.

Como dito no primeiro capítulo desta monografia, no primeiro número da revista a seção está localizada na página cinco. Isso pode ser decorrente do que justamente foi dito: a página três parece ter a função de dar início à publicação. Em vez de acomodar a seção Em resumo nesta página, publicou-se um texto nomeado ―Como princípio‖, o qual traz, por meio de tópicos semelhantes aos Dez Mandamentos cristãos, as intenções da revista. Por exemplo: ―I / Estamos convencidos de que o pior da nossa Democracia é que ela acaba sempre na mão dos democratas. [...] III/ Pretendemos meter o nariz exatamente onde não formos [sic] chamados. Humorismo não tem nada a ver e não deve absolutamente ser confundido com a sórdida campanha do ‗Sorria Sempre‘ [...]‖46

. Excetuando-se a número um, devido apenas ao deslocamento da seção para a página cinco, todas as demais sete edições apresentam, esteticamente, semelhante configuração: praticamente a mesma diagramação, presença de charge (assinada pelo cartunista Claudius no primeiro número e nas sete demais assinada por

Fortuna) e ocupando a página inteira, apenas dividindo pequeno espaço com a ―Nota da redação‖ e um pensamento, denominado ―Pensamentão‖.

É certo que a intenção de análise nesta monografia é o texto verbal, mas essa breve pontuação de características visuais da seção permite entender que, por mais que Millôr Fernandes e sua publicação nos levem a um lugar caótico, de certa forma há regularidades, sua configuração não foi feita aleatoriamente. Visto isso, passemos a algumas observações iniciais sobre o texto, objeto de análise em questão, que também apresenta regularidades (tipos relativamente estáveis, em referência ao capítulo sobre gêneros visto sob a ótica de Bakhtin).

Quando Roland Barthes (1988) diferencia obra de texto, em seu livro O Rumor da Língua, as distinções mais evidentes entre eles são aquelas que trazem o texto enquanto objeto não fechado hermeticamente e a obra enquanto fechada sobre determinado significado. Do ponto de vista de Barthes47 (1988), o texto está no campo do significante e a obra está na do significado. Estar no campo do significante é estar no campo do jogo: ―[...] movimento serial de desligamentos, de cruzamentos, de variações‖ (p. 74). Parto daí para pensar na configuração de Em resumo. O texto, para o autor, é de difícil classificação, pois traz certa experiência do limite, ou seja, sua estrutura foge de fronteiras, é descentralizada e sem fechamentos:

[...] o Texto é o que se coloca nos limites das regras da enunciação (racionalidade, legibilidade, etc.). Essa ideia não é retórica [...]: o Texto se coloca exatamente atrás do limite da doxa (a opinião recorrente, constitutiva das nossas sociedades democráticas, poderosamente auxiliada pelas comunicações de massa, acaso não se define por seus limites, sua energia de exclusão, sua censura?; tomando-se a palavra ao pé da letra, poder-se-ia dizer que o Texto é sempre paradoxal. (BARTHES, 1988, p. 73, grifo do autor).

O texto é plural, mas não no sentido da coexistência de inúmeros sentidos, mas sim na passagem deles, o que Barthes (1988) chama de travessia. Não se trata de perceber a ambiguidade dos conteúdos que o compõem, mas sim ao que ele denomina de pluralidade estereográfica desses significantes. Essa pluralidade tece o texto, e é nesse momento que a definição de tecido vem à tona: ―etimologicamente, o texto é um tecido‖ (p. 74). Por ser texto, e, portanto um tecido, os conteúdos que nele se inserem são múltiplos: ―[...] luz, cor,

47 Importante destacar que a opção pela referência a Barthes (1988) neste momento se dá pela sua especificidade em detalhar a complexidade interpretativa do que se pode compreender como ―Texto‖ e também porque essa definição está de acordo com os pressupostos da Análise do Discurso de linha francesa que guia a metodologia desta monografia.

vegetação, calor, ar, explosões tênues de ruídos, gritos agudos de pássaros, vozes de crianças do outro lado do vale, passagens, gestos, trajes de habitantes aqui perto ou lá longe [...]‖ (BARTHES, 1988, p. 75).

Tendo em mente essa tessitura, voltamos ao primeiro capítulo desta monografia, quando dissemos que é na seção que aparecem, de forma mais transparente, os fatos noticiosos, além de ideias pessoais do jornalista, piadas, reflexões etc. Há lugar para tudo dentro do texto de Millôr. Numa mesma frase, várias orações, cada qual parecendo abordar tema diferente, sem correlação entre elas, embora acabem se harmonizando. O texto de Millôr Fernandes é realmente um tecido: heterogêneo, intertextual: ―[...] todos esses incidentes são parcialmente identificáveis: provém de códigos conhecidos, mas a sua combinatória é a única, fundamenta o passeio em diferença que nunca poderá repetir-se senão como diferença‖ (BARTHES, 1988, p. 75). À primeira vista, os textos da seção Em resumo me levam a compreender o que Barthes (1988) dizia sobre o conceito de texto. A mescla de enunciados, como numa fiação de tecidos, marca lugar sem fechar-se, possui sua identidade, embora não se limita ao que está posto. A cada nova leitura, um olhar.