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6 Fontes de Financiamento da Educação

3.2 A prioridade no discurso do Banco Mundial educação básica

Em 1974, o BM passou a priorizar o ensino das quatro primeiras séries, iniciando aí um ciclo de investimento na educação básica, defendendo a responsabilização do Estado apenas nessas quatro séries, apontando como saída a privatização dos demais níveis educacionais, ensejando, dessa forma, a mercantilização do ensino superior.

A análise aqui efetivada possibilita compreender que o ensino fundamental se tornou prioridade, de acordo com os documentos do BM, porque o verdadeiro objetivo do Banco é o ―alívio à pobreza‖, mediante a promoção de serviços sociais básicos para os pobres, como educação primária, saúde, planejamento familiar, entre outros.

As pesquisas realizadas por diversos estudiosos - Coraggio (1992), Fonseca (1996), Soares (1996), Oliveira (2000) e outros - nos informam que os esforços e investimentos do BM concentrados na área educacional têm como foco principal o ensino fundamental, por considerar esse nível de ensino suficiente para a manutenção da hegemonia do sistema capitalista.

Na década de 1980, o BM consolidou sua política neoliberal, aproveitando-se do endividamento dos países latino-americanos e das suas dificuldades em pagar suas

dívidas. Os traços mais fortes dessa empreitada evidenciam-se nos documentos direcionados às políticas educacionais, priorizando a educação básica em detrimento dos demais níveis, especialmente da educação superior, conforme atesta Carnoy (1992, p. 62): ―O ensino superior representa um nível de estudo muito dispendioso, enquanto a educação básica exige gastos relativamente menos elevados‖.

Não é sem motivos que o BM passou de instituição financeira para formuladora de políticas para a educação dos países subdesenvolvidos, vinculando-os cada vez mais aos seus interesses.

Conforme as orientações do Banco Mundial, a educação básica, entendida como ensino fundamental, deve ser fornecida gratuitamente. Essa gratuidade não alcança, porém, os outros níveis e modalidades, incluindo a educação superior e a educação profissional ―que deve ser deixada para provedores privados e para treinamento em serviço‖ (OLIVEIRA, 2000, p.111). Dessa perspectiva, a educação fica subordinada ao pagamento de valores que deverão ser estipulados pelas instituições fornecedores desse serviço.

A Educação Básica deve ser fornecida gratuitamente, mas a educação secundária e a superior devem estar sujeitas a pagamento de taxas. A prioridade é dada à escola formal; no entanto, no relatório tanto a escolarização não-formal quanto a formação profissional são relegadas em favor do estímulo ao investimento em Educação Básica. A prioridade no investimento em Educação Básica é justificada segundo argumentos que se referem à necessária justiça social e à educação como um direito humano (Idem, p. 112).

Reforçando a tese de que a educação superior deve ser paga, encontramos em Carnoy (2002, p. 63) o seguinte discurso:

O principal argumento em favor da privatização dos níveis de ensino superior é que, simplesmente, numerosos países não poderão financiar a expansão do ensino secundário e superior com fundos públicos, considerando o aumento previsível dessa demanda. Assim, para que o ensino possa se desenvolver nesses níveis, os países em desenvolvimento deverão contar com a contribuição das famílias para financiar, a título privado, uma grande parte dos gastos com a escolaridade.

A partir de então, a educação básica torna-se parâmetro de eficiência e equidade. Importa entender que, aos poucos, o Banco substitui o termo ―igualdade‖ por ―equidade‖.

Economistas reconhecem a importância da justiça distributiva e, tipicamente, juntam todos os seus aspectos sob o termo equidade. No entanto, a preocupação nuclear será o quão eficiente a educação fará uso dos escassos recursos, de forma a produzir resultados cognitivos, os quais, por sua vez, melhorarão a produtividade do trabalho (LAUGLO, 1997, p. 31).

Nessa perspectiva, equidade diz respeito à ação individual, depende da competência de cada um em conseguir ocupar seu espaço na sociedade, negando a importância da coletividade. Para este fim, nada mais propício do que o investimento em educação básica, uma vez que, segundo Carnoy (1992, p. 5), para o Banco Mundial, a educação básica

[...] cria famílias mais saudáveis que podem, por sua vez, educar melhor suas crianças. Uma educação de qualidade aumenta a produtividade econômica, desenvolve um moral social e psicológico mais elevado e proporciona um senso maior de participação social e política, à medida que a população conquista seus direitos. Essa participação gera um desenvolvimento mais profundo, abrindo caminhos para mudanças estruturais de longo prazo, sustentadas pela capacidade das pessoas de melhorar suas próprias vidas.

Ao discorrer sobre o ensino primário, Leher (1998, p. 209) assevera que este nível passou a ser visto como ―capaz de incrementar a produtividade do trabalhador, bem como a equidade social, com a vantagem de ser mais flexível e, portanto, de permitir futuras requalificações‖.

A preocupação com a erradicação da pobreza leva o Banco Mundial a recomendar uma política de focalização de investimentos na educação primária e primeiro ciclo da escola secundária. Para melhor equacionar os problemas de baixa taxa de escolaridade nos países que contam com recursos escassos, o documento citado propõe um planejamento participativo, descentralizado, onde haja menos administração por estruturas burocratizadas e centralizadas e mais por um gerenciamento com vistas a objetivos e resultados, além de encorajar a busca de financiamentos na iniciativa privada. (OLIVEIRA, 2000, p. 113).

Ancorado nessa perspectiva, o BM sustenta o argumento de que a educação é a principal fonte de desenvolvimento do mundo contemporâneo, sendo imprescindível ao homem saber ler, escrever e calcular, especialmente no mundo tecnológico. Por este prisma, a alfabetização teria valiosa importância, pois por meio desses saberes a humanidade poderia participar da cultura geral.

Considerando que o desenvolvimento e o bem-estar humano dependem mais do que nunca da acumulação, processamento e utilização de conhecimentos e que a educação básica é o principal veículo de comunicação da leitura, da escrita e do cálculo, de geração a geração, essa educação tornou-se um direito universal em todas as sociedades. As pessoas não podem integrar-se às instituições social e economicamente modernas, ao sistema mundial de informação e não podem desenvolver sua plena participação política e social sem saber ler, escrever e calcular. Atualmente, não se pode garantir os direitos humanos sem garantir também esse direito universal (CARNOY, 1992, p. 7).

Atesta-se que os organismos internacionais usam esse discurso de desenvolvimento para incentivar os governos a dispensarem cuidados especiais à educação básica, pois a esta poderia garantir a aquisição de conhecimentos básicos de

Leitura e Matemática e isso seria suficiente para os países não ficarem ―na contramão do desenvolvimento mundial‖ (OLIVEIRA, 2000, p. 114).

Além de todas as funções atribuídas à educação, ela se presta, também, segundo a fala dos organismos multilaterais, para melhorar as habilidades e competências dos indivíduos, discurso esse, hoje, amplamente divulgado pelas empresas e inscrito nos documentos que orientam as políticas educacionais brasileiras.

Exemplo concreto do que estamos falando pode ser visualizado em documentos da política educacional brasileira, como os Parâmetros Curriculares Nacionais - PCN89 e os Referenciais Curriculares Básicos - RCB90, definidores das competências e habilidades que devem ser adquiridas pelos alunos ao longo da educação básica, aquele em âmbito nacional e este no contexto estadual. Conforme se observa, esses documentos priorizam a definição de marcos, competências e habilidades, sem as quais não seria possível, segundo seus organizadores, alcançar uma educação plena. Para tanto, o discurso passa a excluir, progressivamente, a aquisição dos conteúdos historicamente formulados pelo coletivo da humanidade.

3.3 Documentos norteadores da política de educação básica e formação de