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6 Fontes de Financiamento da Educação

1.4 As contrarreformas educacionais, no Brasil, na década de 1990

As reformas educacionais ocorridas nesse período podem ser comparadas às transformações que aconteceram na década de 1960, quando a educação era vista como mecanismo de redução das desigualdades sociais. As reformas de 1990 traziam em seu

âmago a ideia de educação como equidade social. A esse respeito, vejamos o que nos diz Oliveira (2004, p. 1129):

As reformas educacionais dos anos de 1960, que ampliaram o acesso à escolaridade, assentavam-se no argumento da educação como meio mais seguro para a mobilidade social individual ou de grupos. Apesar de serem orientadas pela necessidade de políticas redistributivas, essas reformas compreendiam a educação como mecanismo de redução das desigualdades sociais. Já as reformas educacionais dos anos de 1990 tiveram como principal eixo a educação para a equidade social.

Assim, na década de 1990, é desfeita a promessa de que a educação deveria servir como instrumento de ascensão social, uma vez que esta não é capaz de resolver o problema da má distribuição de renda. O consenso passou a ser o de que os sistemas escolares têm como função principal formar os indivíduos para a empregabilidade.

Passa a ser um imperativo dos sistemas escolares formar os indivíduos para a empregabilidade, já que a educação geral é tomada como requisito indispensável ao emprego formal e regulamentado, ao mesmo tempo em que deveria desempenhar o papel preponderante na condução de políticas sociais de cunho compensatório, que visem a contenção de pobreza. (OLIVEIRA, 2004, p. 1129).

Entendemos, como Oliveira (2000), que o ―pacote‖ das reformas assentou-se no eixo descentralização/centralização. Enquanto são descentralizados a gestão e o financiamento, centralizam-se em outro polo, a avaliação e o controle do sistema.

Os temas pertinentes à descentralização/centralização incorporaram termos que procuram alinhar essas transformações à ideia de modernidade, inovação e melhoria do sistema público de ensino.

[...] dentro da primeira parte dessa perspectiva, o da descentralização, ganham força expressões e termos como ―autonomia‖, ―participação‖, ―controle da comunidade‖, ―novo padrão de gestão‖, ―racionalização administrativa‖, ―repasso direto de recursos para a escola‖, ―indução ao estabelecimento de parceria‖ e ―municipalização‖. Entre os da segunda, o da centralidade, estão os termos ―difusão de uma cultura de avaliação‖, ―padrão de qualidade‖, ―avaliação de sistema‖ e ―competição‖ (OLIVEIRA, 2000, p. 81).

A temática da descentralização reduziu-se, conforme nos demonstra o autor mencionado, somente à municipalização39. A execução dos ideais de municipalização não ocorreu de forma linear em todo o país, sendo o Nordeste a região que mais absorveu essa concepção e o Sudeste a que menos influência recebeu.

A década de 1980 tem grande importância no trajeto da municipalização da educação no Brasil. Foi nesse período que os municípios receberam vários incentivos para que a adesão ao processo em curso se materializasse, a saber: convênios entre

39 O discurso da municipalização é antigo. Está presente desde a Lei nº 5692/71. Esta Lei reformou o ensino fundamental e médio, no período da ditadura militar.

estados e municípios, auxílio ao transporte de alunos, merenda escolar e reformas de escolas.

Somente com o alvorecer da década de 1990, no entanto, é que a municipalização viria a encontrar seu mais forte indutor, o Fundo de Manutenção e Desenvolvimento do Ensino Fundamental e de Valorização do Magistério - FUNDEF40.

Sobre o FUNDEF, é válido mencionar a asserção de Oliveira (2000, p. 85): ―em termos gerais, o FUNDEF é o que se poderia chamar de ―joia cara‖ das medidas de políticas educacionais difundidas nesta década e, particularmente, nos Governos de Fernando Henrique Cardoso‖.

Ao comparar o FUNDEF a uma ―joia cara‖, Oliveira nos leva a refletir sobre o processo que culminou com a Emenda Constitucional nº 14. Havia a latente necessidade de criação dessa emenda, considerando que a União precisava resolver o problema do não-cumprimento do artigo 60 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias- ADCT41.

O artigo referia-se ao uso de até 50% dos recursos para o ensino fundamental e para erradicar o analfabetismo, porém, o que ficou definido foi que esse texto se referia a cada esfera da administração de forma separada, reduzindo consideravelmente o aporte financeiro da União que, depois da alteração da EC nº14, passaria a ter função ―redistributiva e supletiva‖. A partir de então, apareceria apenas como coadjuvante em relação a estados e municípios.

No polo oposto do processo, encontramos a centralização, cuja expressão mais contundente se traduz no sistema de avaliação, mediante um padrão novo de controle que, conforme Oliveira (2000, p. 88), é:

[...] realizado por meio de uma estrutura hierárquica, formada por órgãos intermediários compostos por funcionários de ―inspeção‖ e ―supervisão‖, por

40Criado pela Emenda Constitucional nº 14, de 12 de setembro de 1996, e regulamentado pela Lei nº 9.424, de 24 de dezembro de 1996, e pelo Decreto nº 2.264, de 27 de junho de 1997. Vigorou de janeiro de 1998 a dezembro de 2006. A partir de então, foi substituído pelo Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação – FUNDEB, criado pela lei 11.494/2007 e com vigência prevista até 2.012. A principal diferença entre o FUNDEF e o FUNDEB é que este inclui no seu financiamento a educação infantil, ensino fundamental, ensino médio e a educação de jovens e adultos, além da educação especial. No FUNDEB há, também, a ideia de um piso salarial dos profissionais da educação.

41 Esse artigo indicava: ―Até o 14º (décimo quarto) ano a partir da promulgação desta Emenda Constitucional, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios destinarão parte dos recursos a que se refere o caput do art. 212 da Constituição Federal à manutenção e desenvolvimento da educação básica e à remuneração condigna dos trabalhadores da educação, respeitadas as seguintes disposições: (Alterado pela EC-000.053-2006).

mecanismos de aferição do controle do ―produto‖, ou seja, os exames padronizados.

Primeiramente, tratou-se de propagar uma ―cultura de avaliação‖. Surgem, nesse período, diversos mecanismos de avaliação: Sistema de Avaliação da Educação Básica - SAEB42, Exame Nacional do Ensino Médio - ENEM43 e o Exame Nacional de Cursos - ENC44. Essa cultura avaliativa de que nos fala Oliveira (2000) tem como objetivo induzir a comunidade a compreender que a aplicação de provas e a consequente divulgação desses resultados fortalecem a comunidade para que essa possa pressionar as escolas ou sistemas escolares por melhores dividendos.

Ao que nos parece, há um perigo visível nessa proposição: enfatizar por demais a avaliação, chegando a considerá-la como fator de indução da melhoria de qualidade, além de espalhar a crença que os instrumentos de avaliação ―teriam o poder de induzir aperfeiçoamentos pelo simples fato de existirem‖ (OLIVEIRA, 2000, p. 88).

Em consonância com essa visão, há pelo menos duas consequências do ponto de vista da gestão do sistema: os órgãos centrais passam a monitorar a qualidade do sistema e a transferir a responsabilidade da gestão e de seu fracasso, quando houver, para os sujeitos que estão na escola. Outra questão é o eventual desaparecimento de órgãos intermediários destinados à inspeção e supervisão, que, diante dessa nova fase da gestão, tendem a se tornar obsoletos (Idem, 2000, p.88).

A tarefa de transferir os recursos diretamente para a escola, para que ela escolha quais as dificuldades mais urgentes que precisam ser sanadas e encontre parceiros para financiar as outras dificuldades que, certamente, não serão cobertas por esses recursos, não chega a ser um evento novo, mas é preocupante porque aumenta a responsabilidade da escola e, em contrapartida, exime os órgãos centrais. ―A educação passa a ser responsabilidade da escola, cabendo a administração pública garantir um mínimo de recursos e divulgar os resultados alcançados [...]‖ (Idem, 2000, p. 89).

42 O Saeb é aplicado a cada dois anos, desde 1990 e avalia o desempenho dos alunos brasileiros da quarta e da oitava séries do ensino fundamental e da terceira série do ensino médio, nas disciplinas Língua Portuguesa (Foco: Leitura) e Matemática (Foco: Resolução de problemas).

43 Criado em 1998, o ENEM, segundo o MEC, ―é um exame individual, de caráter voluntário, oferecido anualmente aos estudantes que estão concluindo ou que já concluíram o ensino médio em anos anteriores. Seu objetivo principal é possibilitar uma referência para auto-avaliação, a partir das competências e habilidades que estruturam o Exame‖.

44

―O Exame Nacional de Cursos (ENC - Provão) foi um exame aplicado aos formandos, no período de 1996 a 2003, com o objetivo de avaliar os cursos de graduação da Educação Superior, no que tange aos resultados do processo de ensino-aprendizagem‖.

São os riscos decorrentes desse tipo de avaliação e gestão muitos e diversos. Ao se premiar os melhores, excluem-se ainda mais aqueles que não tiveram as mesmas oportunidades, abrindo-se um fosso entre os ―eficientes‖ e os ―ineficientes‖.

No próximo capítulo, trabalharemos os desdobramentos da contrarreforma do Estado na política de formação de professores.

2 AS POLÍTICAS DE FORMAÇÃO DE PROFESSORES DA EDUCAÇÃO

BÁSICA: UM EXAME DAS DIRETRIZES PROPOSTAS PELOS

ORGANISMOS INTERNACIONAIS