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A privação emocional e as consequências para a criança acolhida

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2 – A CRIANÇA ACOLHIDA: PRIVAÇÃO EMOCIONAL E ESTRESSE

2.1 A privação emocional e as consequências para a criança acolhida

Para seu adequado desenvolvimento, a criança precisa receber cuidados essenciais, com alimentação, abrigo, cuidados físicos, vestuário adequado, etc. Precisa também viver num ambiente que ofereça além dos cuidados físicos necessários à sua sobrevivência, cuidados emocionais, que se traduzem em demonstração de afeto, amor, carinho, respeito, interação. Cuidados estes, tão fundamentais quanto os físicos, porém negligenciados em muitas esferas, como na própria família, instituições de acolhimento, escolas, creches, etc.

De acordo com Bowlby (1995), no início da vida do bebê, o ambiente é representado pela mãe que deveria lhe propiciar experiências afetuosas, cuidadosas e contínuas, fundamentais para a formação de uma personalidade saudável. Corroborando com este autor, Winnicott (1991) também ressalta a importância da relação sadia entre mãe/bebê, traduzida por uma série de atitudes maternas, como acolhimento, sustentação emocional, que se traduz por segurar o bebê tanto fisicamente como emocionalmente, propiciando assim, o holding.

Estes são processos importantíssimos que geram saúde mental. Deste modo, se tudo ocorrer bem, a criança seguirá seu desenvolvimento biopsicossocial, iniciando a vida com dependência total do ambiente, seguindo para a dependência parcial, e por fim, ao encontro da independência.

Infelizmente, em muitos casos, vemos que as crianças não experimentam este ambiente acolhedor, ao contrário, às vezes a família pode ser um lugar ameaçador e até perigoso, que em vez de promover bem estar e proteger gera a privação física e emocional com conseqüências negativas ao desenvolvimento saudável da criança.

Segundo Bowlby (1995), a privação pode ocorrer em diferentes situações, no lar ou fora dele. Isto significa que o fato de a criança estar no lar, tendo os pais como responsáveis não lhe garante cuidados, proteção e saúde mental. Os pais podem ter atitudes prejudiciais para o desenvolvimento da criança. Porém, este mesmo autor ressalta que mesmo a relação pais e filhos sendo negativa destacam que as crianças privadas no seu lar, ainda denotam estados emocionais melhores do que crianças criadas em instituições de acolhimento.

A privação pode ocorrer também com crianças institucionalizadas, isto é, quando estão sob a guarda de uma instituição de acolhimento, pois geralmente as instituições não dispõem de cuidador único e fixo para a criança acolhida. Outra situação de privação pode ocorrer, conforme Bowlby (1995) quando há separações constantes da mãe ou substituta, prejudicando a formação de vínculos mais duradouros. Aponta desta forma, a importância da família como núcleo social, como berço da educação e afeto,

proteção e estímulo e o quanto é necessário para a criança viver com uma família. A criança prefere a sua família a nenhuma outra situação, e anseia por ter pais, ser filho e ter uma identidade familiar.

Para Bowlby (2006), existem casos em que mães apresentam insuficiência na interação com seus filhos e como conseqüência, estes desenvolverão perturbações emocionais sérias. A criança doente não consegue lidar de forma satisfatória com os conflitos, age impulsivamente, perde o controle emocional e sofre com a ansiedade.

Ainda Bowlby (1995) discorre sobre várias situações nas quais uma criança pode sofrer privação, tais como: a ausência da mãe como figura central, sendo a criança cuidada por várias pessoas, sem uma relação afetiva significativa entre criança e a cuidadora; existência de várias cuidadoras que cuidam até satisfatoriamente, mas a relação estabelecida é quebrada constantemente. Neste sentido, esclarece que a privação não ocorre apenas no aspecto físico, mas também no âmbito emocional.

Descreve diversas formas de privação, como a total, quase total ou parcial, sendo que um ambiente com privação total reflete-se em prejuízos à capacidade da criança de relacionar-se com o outro, pois são abandonadas à sua própria sorte, correndo sérios riscos à sua integridade física e mental; já a privação quase total ocorre mais frequentemente em instituições de acolhimento, pois as crianças recebem os cuidados físicos necessários, mas são abandonadas afetivamente pela família sendo que, muitas vezes, os pais não visitam os filhos e não é raro a criança não conseguir ter uma família substituta, devido à preferência dos futuros pais por crianças pequenas ou bebês.

Já a criança que sofre de privação parcial revela excessiva carência afetiva, sentimentos de

vingança e como conseqüência, culpa e a depressão, podendo desenvolver uma personalidade instável e nervosa. Neste tipo de privação a criança pode estar até sob os cuidados de seus pais, mas a mãe ou o ambiente não propicia afeto e cuidados, causando danos psíquicos.

A privação emocional por parte da mãe e da família pode propiciar como conseqüência o desenvolvimento de características nas crianças como:

(...) relacionamento superficial; nenhuma capacidade de se interessar pelas pessoas ou de fazer amizades profundas; inacessibilidade exasperante para os que tentam ajudá-la; nenhuma reação emocional em situações em que isto seria normal – uma estranha falta de preocupação; falsidade e evasivas, frequentemente sem motivo; furtos e falta de concentração na escola. (BOWLBY, 1995, p. 36).

Carvalho (2002) aponta que aspectos como alta rotatividade de funcionários e falta de

atividades planejadas e apoio afetivo, podem trazer prejuízos aos jovens que se desenvolvem em instituições. Justamente esta questão referente aos cuidados emocionais, foi esquecida na nova lei da adoção e acolhimento (lei nº 12.010/09), isto é, a capacitação da educadora que lida diretamente com

crianças e adolescentes no âmbito afetivo-relacional, ou seja, a compreensão de que este papel é importantíssimo porque de alguma forma ela está no lugar materno.

Neste sentido, Siqueira e Dell’Aglio (2006) apontam aspectos importantes que se não forem trabalhados adequadamente podem gerar consequências negativas para o desenvolvimento das crianças acolhidas, lembrando que os técnicos precisam ficar atentos a fatores de risco, como por exemplo: o acolhimento inadequado no momento que a criança vai para a instituição; a hostilidade entre crianças e monitores, as práticas educativas coercitivas, a rotatividade de funcionários, o alto índice de criança por cuidador, a falta de atividades planejadas, a fragilidade das redes de apoio social e afetivo e a não disponibilidade de investimento emocional, podem ser considerados fatores de risco presentes no cotidiano das instituições de acolhimento.

Observa-se, portanto, que a institucionalização pode se constituir tanto como fator de risco quanto de proteção, não havendo um consenso. Este desfecho dependerá dos mecanismos através dos quais os processos de risco operarão seus efeitos negativos sobre os acolhidos.

Conforme Winnicott (2005), a criança privada ficará doente e dará indícios de resgate de sua saúde mental quando conseguir enfurecer-se diante de sua condição de vida, isto é, de sua privação emocional. Diz este autor que é preciso vivenciar esta fúria para voltar a ter saúde, pois tal enfurecimento quer dizer que a criança volta a ter esperança de que o ambiente pode proporcionar algo bom, restituir-lhe o que lhe foi roubado.

Outros sinais indicativos de que ainda há esperança é o surgimento da depressão, atos deliquênciais (furto ou mentiras) ou através de sintomas no corpo, como encoprese e enurese. Comumente, os pais e a instituição de acolhimento não compreendem este movimento, passando a julgar e rotular a criança como difícil, com índole má, legitimando o uso da ameaça, violência física e psicológica para “educar” a criança.

Falta o conhecimento e entendimento do ECA (lei nº 8.069/90) para muitos que trabalham com acolhimento de crianças e também para os pais e a sociedade civil. É preciso um trabalho de conscientização com relação à formação dos cuidadores (seja em casa ou em instituições de acolhimento), destacando a importância deste papel social para a saúde mental das crianças. Muitas vezes, os destinos da vida das crianças estão na mão das instituições de acolhimento e do poder judiciário, e não raras vezes são decididos de forma não responsável. Mas na família isto também acontece.

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