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A problemática da eficácia liberatória geral

O artigo 625-E da CLT em seu parágrafo único impõe que “o termo de conciliação é título executivo extrajudicial e terá eficácia liberatória geral, exceto quanto às parcelas expressamente ressalvadas.” Outro infortúnio da lei, visto que é muito fácil realizar a quitação geral de direitos e não apenas das parcelas componentes da composição.

Muitos magistrados estão argumentando suas decisões quanto a eficácia liberatória geral no sentido de que a comissão não serviria à finalidade para a qual foi criada caso fosse aberta a possibilidade de reclamar tais direitos tidos como

“resolvidos” pelo simples acordo feito entre as partes, e na maioria das vezes sem o suporte adequado para preservar os direitos do empregado.

Neste contexto, enquanto não há uma alteração específica dos artigos previstos no Título VI-A da CLT poderia ser aplicado sistemicamente o artigo 477, § 2.º, da CLT que diz:

§ 2.º - o instrumento de rescisão ou recibo de quitação, qualquer que seja a causa ou forma da dissolução do contrato, deve ter especificada a natureza de cada parcela paga ao empregado e discriminado o seu valor, sendo válida a quitação, apenas, relativamente às mesmas parcelas.

Além disso, a Súmula 330 do TST complementa o artigo 477 da CLT e diz que a quitação feita pelo empregado devidamente assistido, tem eficácia tão somente quanto às parcelas consignadas no recibo, salvo se houver ressalva expressa. Assim dispõe Súmula:

TST Enunciado nº 330: Quitação Passada pelo Empregado, com Assistência de Entidade Sindical de Sua Categoria, ao Empregador – Eficácia

A quitação passada pelo empregado, com assistência de entidade sindical de sua categoria, ao empregador, com observância dos requisitos exigidos nos parágrafos do art. 477 da CLT, tem eficácia liberatória em relação às parcelas expressamente consignadas no recibo, salvo se oposta ressalva expressa e especificada ao valor dado à parcela ou parcelas impugnadas. I - A quitação não abrange parcelas não consignadas no recibo de quitação e, consequentemente, seus reflexos em outras parcelas, ainda que estas constem desse recibo.

II - Quanto a direitos que deveriam ter sido satisfeitos durante a vigência do contrato de trabalho, a quitação é válida em relação ao período expressamente consignado no recibo de quitação.

No entanto, os Tribunais brasileiros não compreendem a aplicação paralela do artigo 477 da CLT em conjunto com a Súmula 330 do TST diante do parágrafo único do art. 425-E da CLT, em virtude da perda do objeto das CCPs, que se consubstancia nos princípios da celeridade, informalidade e auto-regulamentação.

Entretanto, entende-se que tal posicionamento não se sobrepõe aos direitos do empregado e que antes de tentar desafogar o judiciário, com uma solução rápida de resolução de conflitos e menores despesas, deve-se atentar aos princípios gerais do Direito do Trabalho como o princípio da proteção e da irrenunciabilidade de direitos.

Sobre o princípio da proteção, o doutrinador Martins Filho (2002, p. 10-11), elenca três modalidades existentes:

a) Regra do in dubio pro operario – escolher entre vários sentidos da norma aquele que seja mais favorável ao empregado (diferente do Direito Civil em que os casos duvidosos são resolvidos a favor do devedor) [...]

b) Regra da condição mais benéfica - a aplicação de norma nova não pode implicar a diminuição das conquistas alcançadas pelo trabalhador (incorporadas ao seu patrimônio jurídico) [...]

c) Regra da norma mais favorável - no caso de haver mais de uma aplicável (Constituição, lei, regulamento, convenção), utilizar a mais favorável ao empregado, quebrando a hierarquia das normas.

O que nos interessa no presente caso é a aplicação da norma mais favorável ao empregado, que no caso concreto seria a aplicação do § 2.º, do art. 477, da CLT, cominado com a súmula nº 330 do TST, em relação ao parágrafo único do art. 625-E da CLT.

Quanto ao princípio da irrenunciabilidade de direitos, se refere à impossibilidade do trabalhador em dispor de direitos inerentes a si próprio, conferidos pelo próprio direito do trabalho em consonância com o art. 9 da CLT que prescreve “Art. 9º - Serão nulos de pleno direito os atos praticados com o objetivo de desvirtuar, impedir ou fraudar a aplicação dos preceitos contidos na presente Consolidação.”, bem como o art. 468 da CLT que diz:

Art. 468 - Nos contratos individuais de trabalho só é lícita a alteração das respectivas condições por mútuo consentimento, e ainda assim desde que não resultem, direta ou indiretamente, prejuízos ao empregado, sob pena de nulidade da cláusula infringente desta garantia.

De acordo com Abud e Marques (2009, p. 11):

A regra geral é de que os direitos trabalhistas não podem ser renunciados pelo empregado, como determina o art. 9º da CLT, segundo o qual são nulos de pleno direito os atos praticados para desvirtuar, impedir ou fraudar a aplicação dos preceitos celetistas.

Nessa conjuntura, o empregado jamais poderia renunciar no termo de conciliação direitos como redução da multa de 40% do FGTS, bem como qualquer outro direito. Sendo assim, cabe citar trecho da decisão do Tribunal Regional da 4ª Região, onde diz que:

A conciliação extrajudicial não comporta a interpretação e eficácia a ela atribuídas pela sentença, sob pena de ferir a garantia constitucional do acesso à Justiça, que emana das normas do art. 5º, incisos XXXIV e XXXV, e art. 7º, inciso XXIX, todos da Constituição Federal. A quitação geral do contrato de trabalho em razão de termo de transação extrajudicial não tem validade em face do princípio da irrenunciabilidade dos direitos por parte do empregado. A quitação dada por este sempre é restrita aos valores recebidos, já que não pode renunciar aos direitos que decorrem da relação de emprego e que por força legal fazem parte do direito mínimo devido ao trabalhador. Portanto, a quitação dada pelo autor no Termo de Conciliação da fl. 208 deve ser limitada aos valores efetivamente pagos, não havendo que falar ofensa à coisa julgada. De acordo com o previsto no art. 477, § 2º, da CLT, analogicamente aplicado ao caso, a quitação passada no instrumento de rescisão se refere, exclusivamente, aos valores pagos e discriminados, não obstando a postulação de eventuais diferenças, na exata consonância do consagrado no Enunciado nº 330 do TST. (RIO GRANDE DO SUL, 2007).

Portanto, não há dúvidas de que a eficácia liberatória geral não transmite segurança ao sistema adotado para a quitação das verbas trabalhistas perante as CCPs e, consequentemente, extrapola princípios constitucionais e trabalhistas, beneficiando principalmente o empregador e deixando o empregado juridicamente desamparado.

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