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A problemática envolvida na concessão da prisão domiciliar

É cediço que o direito penal, e suas leis, são discussões que fogem do plano acadêmico e jurídico do país, e como o apelo populacional transforma a esfera penal. Prontamente, parte da sociedade crê que a prisão domiciliar pode ser mecanismo de má fé, sendo capaz a detenta mulher de arquitetar uma gravidez na visita íntima para ter sua pena preventiva de liberdade substituída por domiciliar, o discurso corriqueiro da população é muitas vezes de que “é só engravidar que fica em casa”.

Para desmistificar esse posicionamento passa-se a análise de alguns gráficos a seguir:

Fonte: Levantamento Nacional de Informações Penitenciárias - Infopen, Junho/2016.

Em análise ao gráfico, nota-se que 40% (quarenta por cento) das pessoas presas no Brasil aguardam julgamento. Vale notar que esse número de presos provisórios gera superlotação nos presídios, além do mais, autores alegam que a prisão preventiva configura uma punição antecipada da pena.

No mesmo sentido é a opinião de Junior Delmanto (1998, p. 165): “a prisão preventiva perde seu caráter cautelar de tutela da efetividade do processo transformando-se em meio de prevenção especial e geral, fins exclusivos da sanção penal, configurando verdadeira punição antecipada”.

Para tanto, o princípio da presunção de inocência é violado, pois ignoram a excepcionalidade da decretação da medida cautelar ou antecipam a culpabilidade do acusado. Os dados são claros, tendo em vista que 40% (quarenta por cento) dos presos são provisórios, vale ainda, mencionar que há entendimentos na doutrina que o prazo máximo na instrução é de 81 (oitenta e um) dias, porém a legislação penal não estabelece um prazo máximo de prisão. Inclusive, no ordenamento jurídico brasileiro há vários pedidos de Habeas Corpus pelo excesso de tempo.

No que concerne aos filhos, verifica-se que 53% (cinquenta e três por cento) dos homens presos não possuem filho, já as mulheres, somente 26% (vinte e seis por cento), assim resta 74% (setenta e quatro por cento) das presas femininas com no mínimo 1 (um) filho, tendo-se como base de reflexão o esquema seguinte:

Fonte: Levantamento Nacional de Informações Penitenciárias - Infopen, Junho/2016.

Outro dado relevante é que 62% (sessenta e dois por cento) das mulheres são presas por crime de tráfico, conforme imagem a seguir:

Tráfico Quadrilha ou bando Roubo Furto Receptação Homicídio Latrocínio Desarmamento Violência doméstica Outros 6% 1% 9% 12%0%%6% Mulheres 11% 2% 62% 11% 1% 5% 3% 26% 11% Homens 2% 3% 12% 26%

Fonte: Levantamento Nacional de Informações Penitenciárias - Infopen, Junho/2016.

Destarte, o crime de tráfico de entorpecentes é o grande responsável pelo aprisionamento feminino, sendo desnecessária a prisão preventiva, consoante narra Lewandowski (2018, p 10-11)

Outro dado de fundamental interesse diz respeito ao fato de que 68% das mulheres estão presas por crimes relacionados ao tráfico de entorpecentes, delitos que, na grande maioria dos casos, não envolvem violência nem grave ameaça a pessoas, e cuja repressão recai, não raro, sobre a parcela mais vulnerável da população, em especial sobre os pequenos traficantes, quase sempre mulheres, vulgarmente denominadas de “mulas do tráfico” (SOARES, B. M. e ILGENFRITZ, I. Prisioneiras: vida e violência atrás das grades. Rio de Janeiro: Garamond, 2002);

Segundo o Instituto Terra, Trabalho e Cidadania (BRASIL, 2019) o Departamento Penitenciário Nacional informou ao STF que havia 10.693 mulheres para a concessão da prisão domiciliar, porém ressalta que somente 426 mulheres tiveram a prisão domiciliar concedida até então, o que equivale a cerca de 4% do total. Ainda, esse número representa 1% do total de mulheres encarceradas no Brasil, que é de 42.355, e cerca de 2,2% do total de presas provisórias no Brasil, que são 19.223.

Fonte: Instituto Terra, Trabalho e Cidadania - ITCC, 2019.

Desta forma podemos concluir que a Lei 13.769/18, bem como o Habeas Corpus Coletivo 143.641/SP, apesar de criticados por grande parte da população, não influenciaram de maneira significativa na população carcerária feminina, apenas resolutamente influenciou de forma positiva na luta contra as desigualdades sociais e na ampliação dos direitos defendidos pelo Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA).

CONCLUSÃO

É inerente a natureza humana buscar o meio social e faz parte do indivíduo a vontade de viver em comunidade, sendo assim, privar a criança do convívio familiar desencadeia diversos traumas psicológicos que se destacam até a vida adulta.

A decisão do Supremo Tribunal Federal, atribuiu maior efetividade à tutela de direitos fundamentais das gestantes e mães, assim como concedeu maior materialidade às garantias constitucionais asseguradas as crianças, mesmo que a efetividade da medida seja limitada a condenações sem caráter definitivo.

Destarte, o Habeas Corpus 143.641/SP resguardou os direitos das crianças e das mães presas, assim a aplicou no plano fático os dispositivos legais que já estavam já estavam previstos para a possibilidade da prisão domiciliar. Porém o sistema penal é ineficaz muitas vezes, nota-se que o Habeas Corpus deixou lacunas na parte da denegação do benefício, pois deixou como critério para a opção de situações excepcionalíssimas, as quais os juízes poderiam fundamentar e rejeitar o benefício.

Diante da situação narrada, foi necessária a criação da Lei nº 13.769/2018 para concretizar o entendimento firmando pelo ministro Ricardo Lewandowski, assim acabou com o impasse de interpretação errônea, deixando de maneira clara que a denegação para as mulheres é permitida somente em duas situações.

Ademais, apesar da doutrina e das leis brasileiras beneficiarem as mulheres e conferir a elas a prisão domiciliar para cuidarem de seus filhos menores, a realidade enfrentada pela maioria ainda é totalmente diferente da utopia apresentada em lei.

Assim os gráficos demonstram que o habeas corpus apesar de abranger todas as mulheres com as condições previstas, não teve toda a dimensão esperada.

Constata-se que o cárcere foi planejado diretamente e especificamente para o homem, assim sendo, as prisões não possuem condições humanas e cuidados específicos para alojar mulheres e crianças. É importante ressaltar que as mulheres continuam com direitos violados que são de difícil reparação, pois a medida geralmente é abrangida somente para caráter provisório.

Dados da INFOPEN demonstram que 62% (sessenta e dois por cento) das mulheres presas estão fadadas a condição do cárcere pelo crime de tráfico de entorpecentes, porém esse crime, na maioria das vezes, não envolve violência. É cediço que essa punição criminal recai sobre pessoas vulneráveis, como as mulheres que são conhecidas como “mulas do tráfico”, também em muitos casos assumem o crime para marido, filho, não ser preso.

O sistema penal continua com alguns pontos negativos em vista das mulheres e crianças, pois a medida geralmente é cedida somente para as presas em caráter provisório e as definitivas permanecem na mesma situação, sendo que o crime cometido pela maioria sem violação, os índices demonstram que é de 1% os delitos cometidos de homicídio e latrocínio. Outra situação, é que o sistema penal é cheio de mazelas, já havia alteração na lei para a concessão da prisão domiciliar, todavia foi preciso o julgamento do Habeas corpus coletivo, e ainda, uma lei para harmonizar o entendimento já previsto.

Por fim, o Habeas Corpus Coletivo sanou a seletividade das decisões, sendo um remédio constitucional para toda as acusadas em situação similar, garantiu acesso a justiço para grupos pobres e vulneráveis, já que anteriormente, não possuíam condições de postular por benefícios judiciários, mas o sistema penal ainda precisa ser melhorado.

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