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4 EDUCAÇÃO E CONSCIENTIZAÇÃO FISCAL: ANÁLISE DAS

4.5 A promoção da cidadania fiscal no Brasil e na América Latina

Os programas de educação fiscal, ao contrário do que se possa imaginar, já existem há pelo menos quarenta e cinco anos, principalmente com o desenvolvimento de projetos para jovens e crianças. Silva (2007, p. 75) destaca que em 1969 surgiu um programa denominado Operação Bandeirante, de iniciativa da Receita Federal do Brasil. A operação consistia na apresentação dos tributos e de sua função socioeconômica pelos agentes do fisco. No ano seguinte, a Receita Federal lançou um novo programa, chamada Operação Brasil do Futuro, destacando-se a publicação da revista Dona Formiga, Mestre Tatu e o Imposto de Renda, distribuída entre crianças do Ensino Fundamental, a fim de que estas tivessem os primeiros contatos com elementos básicos da fundamentação dos tributos, como a sua indispensabilidade para a manutenção do Estado e para a garantia de direitos.

A experi ncia durou dois anos, sendo suspensa em parte, em razão do imediatismo

reinante, que ense ou descontentamento pela perspectiva de que os resultados só

aconteceriam anos depois. Em 1977, outra promoção foi veiculada pela Receita Federal: Programa Contribuinte do Futuro, entretanto, havia uma preocupação muito

evidente de aumento de arrecadação (SILVA, 2007, p. 75-76).

A Portaria n.° 35, de 27 de fevereiro de 1998, do Ministério da Fazenda, criou outro instrumento muito importante, qual seja, o Grupo de Trabalho Educação Tributária ou Grupo de Educação Fiscal (GEF), que reúne representantes das secretarias de todos os Estados brasileiros e do Distrito Federal, membros do Ministério da Fazenda e da Escola de Administração Fazendária, além de gestores da educação fiscal. Já com a participação de representantes das secretarias de Educação, elaborou-se o documento para implementação da educação fiscal como tema transversal nas escolas de ensino fundamental. Posteriormente, porém, o CONFAZ alterou o nome para Programa Nacional de Educação Fiscal (PNEF), tendo em vista que o programa abrangia não somente questões referentes a tributos, mas também a gestão dos recursos públicos (SILVA, 2007, passim).

O programa tem como ob eto-síntese promover e disseminar o entendimento da função social do tributo e a aplicação correta dos recursos públicos por parte dos governantes,

incentivando o controle social e a harmonia na relação contribuinte-Estado (SILVA, 2007, p. 79) e como missão “compartilhar conhecimentos e interagir com a sociedade sobre a origem, aplicação e controle dos recursos públicos, favorecendo a participação social” (ESAF, 2015, p. 12).

Insta ressaltar que, nessa época, a expressão utilizada para designar essa área de programas era educação tributária, No entanto, na década de 90, o termo “tributário” foi substituído, pois acabava por ser restrito à arrecadação mediante o pagamento das obrigações dos contribuintes. O termo que passo a ser utilizado, então, foi “educação fiscal”, o qual abrange a aplicação dos recursos públicos arrecadados e é mais compatível com a ideia de harmonização do dever do cidadão de recolher tributos com a obrigação do Estado de oferecer serviços públicos de qualidade (SILVA, 2007, p. 68).

No caso do Estado do Ceará, o Programa era chamado, até maio de 2007, de Educação Tributária, em virtude de o material didático ter sido produzido com essa denominação desde o início das atividades. Sempre foi ponto pacífico, porém, o fato de que a filosofia é compreender as duas vertentes: arrecadação e aplicação dos

recursos. Isso está presente em todo o conteúdo didático elaborado para professores

e alunos. A correção não foi realizada até 2007 para não desperdiçar recursos públicos em publicar mais material educativo por conta da denominação

diferenciada (SILVA, 2007, p. 68).

Dentre os projetos que podem contribuir para a efetivação da cidadania fiscal estão a consolidação de um estatuto dos direitos do contribuinte, bem como a promoção de programas de educação fiscal.

A ideia de um estatuto do contribuinte, o qual traga um conjunto de direitos e garantias, já foi implementada em diversos ordenamentos, constituindo-se em códigos de defesa que são, em grande parte, consequências de reclames oriundos das tensões existentes entre as administrações tributárias e os cidadãos-contribuintes.

El conjunto de derechos y garantias reconocidos al contribuyente puede estar contenido explícita o implícitamente en el plano constitucional o haber sido enunciado sistemáticamente a través de uma ley dicta da al efecto como está comenzando a acontecer, frente a um reclamo sostenido com insistência, em diversos países de Europa y América (CASÁS, 2002, p. 133).

Segundo Lapatza (apud CASÁS, 2002, p. 142), a necessidade de códigos de defesa dos contribuintes está relacionada ao fato de que a relação entre estes e o Fisco hoje tem voltado a aparecer como uma relação de poder, afirmando ainda que nem o processo político nem o burocrático encontraram em sua frente uma doutrina jurídico-tributária sólida, firme na ideia de que o cidadão, no Estado Democrático de Direito, está unido ao Estado, como contribuinte, por uma relação de igualdade, estando ainda ambos submetidos à

legalidade.

Outro fator de relevo para a instituição da sistemática de normas legais codificadas está na dificuldade enfrentada pelos contribuintes para que possa ter acesso a uma consolidação clara e coerente das principais regras relativas à relação jurídico-tributária com o Fisco. Por outro lado, Faveiro (2002, p. 127) leciona no sentido de que, atualmente, tem-se uma valorização da pessoa do contribuinte:

Enquanto, na concepção clássica de índole soberano-financeira, e na estrutura do direito fiscal e dos sistemas tributários nela baseados, era no Estado e no seu poder soberano de criar impostos e de aplicar sobre as realidades dos cidadãos as leis emanadas de tal soberania, que assentava todo o complexo da fiscalidade - e de que partiam, em linha descendente, todos os efeitos e a projeção destes sobre o contribuinte, na nova concepção da fiscalidade, de base sócio-personalista, é da pessoa humana como ser social, que parte toda a ordem tributária, e se legitima e delimita o poder estatal de criar impostos através de leis, e de as aplicar, mediante actos administrativos definidores das situações de obrigação jurídica individual.

Ressalte-se, porém, que um estatuto não somente deve conter direitos e garantias, mas também trazer deveres dos sujeitos envolvidos na relação tributária (Casás, 2002, p. 140), principalmente no que concerne aos deveres de transparência na tributação e na fiscalização e de urbanidade entre administração e cidadãos-contribuintes.

Lapatza (apud CASÁS, 2002, p. 141) afirma que, quando se reclama um estatuto do contribuinte, pede-se um conjunto de normas inteligíveis que fixem os direitos e deveres, de forma certa e compreensível para a maioria dos cidadãos, que lhe incubem enquanto contribuintes, recriando-se um equilíbrio entre os direitos e deveres do Estado credor dos tributos.

No que concerne ao desenvolvimento de programas, na América Latina de forma geral, e em especial em países como Argentina, Uruguai e Peru, as Administrações Tributárias vêm tentando promover, como afirmam Rívillas, Vilardebó e Mota (2010), medidas que promovam uma maior consciência cívico-tributária, reservando recursos humanos e materiais para essas atividades.

Desde meados dos anos 1990, ainda que com diferença de intensidade, todas as administrações tributárias da América Latina empreenderam iniciativas relacionadas à educação fiscal, conquistando um especial dinamismo em países como Argentina, Brasil, Peru, Guatemala, Chile, México, República Dominicana, e mais recentemente, em Honduras, El Salvador e Uruguai. Em países como Argentina e Brasil, as ações são sistematizadas por meio de programas institucionais, sendo assim mais bem disseminadas e eficientes (RIVILLAS; VILARDEBÓ; MOTA, 2010, p. 24).

fiscal ainda são extremamente recentes, haja vista, dentre outros fatores, o contexto de regimes autoritários pelos quais a maioria dos países latino-americanos passaram nas décadas anteriores.

São exemplos de programas de sucesso os espaços criados para crianças em museus argentinos, demonstrando, pois, a utilidade que pode haver na criação de parcerias com o setor privado. Consoante Rivillas, Vilardebó e Mota (2010, p. 27), “na Argentina, a Administração Federal de Receitas Públicas [...] conta com seções específicas sobre educação fiscal em museus para crianças situados no shopping de Abasto, em Buenos Aires, e no Alto do Rosario neste mesmo município”. A administração fazendária argentina conta ainda com diversos jogos virtuais sobre cidadania fiscal em seu sítio eletrônico. Já no Uruguai, foi criado um espaço na Ciudad de los Chicos, situada em um importante centro comercial de Montevideo, enquanto no Chile há um programa de televisão denominado Ivo.

No Brasil, como já abordado, um dos principais programas de promoção da cidadania e da educação fiscal é o Programa Nacional de Educação Fiscal (PNEF), o qual vem sendo implementado pela Administração Fazendária brasileira desde o início da década passada.

Esses programas almejam estimular os cidadãos ao cumprimento de suas obrigações tributárias, “conhecendo o destino dos recursos do Estado em benefício dos bens públicos [...], de forma progressiva, começam a abordar elementos relacionados à qualidade dos gastos e à transparência na gestão dos recursos públicos, educando sobre a importância da vigil ncia social” (RIVILLAS; VILADERBÓ; MOTA, 2010, p. 28).

Insta destacar ainda que o fortalecimento da educação fiscal na América Latina deve-se à cooperação entre os diversos países , bem como o apoio de diversos organismos internacionais, como a Comissão Europeia (EuropeAid- EuroSocial Fiscalidad), o Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID) e o Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD).

Nota-se, pois, que a Administração Fazendária já está caminhando, através de seus projetos, para o desenvolvimento da cidadania fiscal, mas ainda há muito a se desenvolver para que esta alcance uma maior parte da população e realmente se efetive.

Em suma, a educação voltada para uma cidadania fiscal pretende democratizar as informações acerca do processo tributário-orçamentário, mas seu desenvolvimento só é possível se houver políticas públicas que garantam os valores democráticos, bem como se

existir investimento em consciência individual sobre a atuação fiscal.