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2 CIDADANIA FISCAL E PARTICIPAÇÃO POPULAR

2.1 Cidadania: cotejo histórico

2.1.3 Cidadania contemporânea

Marshall (2003, p. 63) ressalta a relação entre a ascensão do capitalismo e o novo ideal de cidadania moderno, o qual é composto por direitos civis, políticos e sociais. Como diferença primordial entre a cidadania moderna e a que se conhecia na Antiguidade, Arendt (2010, p. 74-75) destaca que o cidadão moderno vê agora o espaço público como local para fazer negócios e ganhar dinheiro, e não como lugar onde o homem poderia se realizar enquanto ser, o que acaba por comprometer a própria política. No entanto, em essência, a cidadania ainda guarda diversas de suas características:

A cidadania exige um elo de natureza diferente, um sentimento direto de participação numa comunidade baseado numa lealdade a uma civilização que é um patrimônio comum. Compreende a lealdade de homens livres, imbuídos de direitos e protegidos por uma lei comum (MARSHALL, 2003, p. 84).

Não se pode olvidar da importância dos direitos civis e políticos, os quais têm por titular o indivíduo e possuem status negativo, na concepção de Jellinek, ou seja, têm caráter de abstenção e limitam a atuação estatal, constituindo garantias em oposição ao poder público. Bonavides (2004, p. 563), por exemplo, ressalta sua imprescindibilidade ensinando que não há constituição digna desse nome que não os reconheça.

O conceito liberal de cidadania, contudo, caracterizou-se por ser excludente, diferenciando cidadãos de acordo com suas posses. Ocorre que após se consolidar no poder, a burguesia não mais se interessou em garantir os direitos individuais e os anseios sociais, mas em assegurar apenas uma liberdade formal, o que ensejou insatisfação por parte da população. Fazia-se necessária, pois, não apenas uma abstenção, mas uma atuação do Estado.

O impacto da industrialização e os graves problemas sociais e econômicos que a acompanharam, as doutrinas socialistas e a constatação de que a consagração formal de liberdade e igualdade não gerava a garantia do seu efetivo gozo acabaram, já no decorrer do Século XIX, gerando amplos movimentos reivindicatórios e o reconhecimento progressivo de direitos, atribuindo ao Estado comportamento ativo na realização da justiça social. (SARLET, 2007, p. 56).

Insta ressaltar a relação existente entre Estado, Direito e Cidadania, haja vista que esta última surge a partir das garantias de liberdade, justiça e ordem, as quais só podem ser asseguradas através do Estado e do Direito. Senão vejamos:

No primeiro caso a cidadania só surge historicamente, na medida em que os indivíduos vão se investindo de direitos. - mais precisamente direitos e obrigações que vão constituir o Direito. No segundo, o Estado é o resultado de uma escolha ou de um contrato, que, a rigor, já se pressupõe a existência do cidadão: um cidadão detentor de direitos – direitos naturais ou valores morais básicos – que ele cede

parcialmente ao Estado para garantir a ordem social. […] Nos dois casos, Estado,

Direito e cidadania são termos intrinsecamente interdependentes. Estado e Direito são duas instituições básicas da sociedade através da qual esta estabelece a ordem, garante a liberdade para seus membros, e manifesta sua aspiração de justiça. A cidadania surge da interação dessas três conquistas sociais. Nesse processo, conforme enfatiza Habermas, a moral não tem precedência sobre o Direito, como querem os jusnaturalistas, nem este é independente da moral, como pretenderia o positivismo: na verdade, são complementares (BRESSER-PEREIRA, 1997, p. 103).

A esfera da liberdade também é destacada por Arendt (2010, p. 40) como de extrema importância para o desenvolvimento da cidadania.

A esfera da polis, ao contrário, era a esfera da liberdade, e se havia uma relação entre essas duas esferas era que a vitória sobre as necessidades da vida em família constituía a condição natural para liberdade na polis. A política não podia, em circunstância alguma, ser apenas um meio de proteger a sociedade – uma sociedade de fiéis, como na Idade Média, ou uma sociedade de proprietários, como em Locke, ou uma sociedade inexoravelmente empenhada num processo de aquisição, como em Hobbes, ou uma sociedade de produtores, como em Marx, ou uma sociedade de empregados, como em nossa própria sociedade, ou uma sociedade de operários, como nos países socialistas e comunistas. Em todos estes casos, é a liberdade (e, em alguns casos, a pseudoliberdade) da sociedade que requer e justifica a limitação da autoridade política. A liberdade situa-se na esfera do social, e a força e a violência tornam-se monopólio do governo.

A luta pelos direitos da cidadania deve se dar de forma veemente, seja de maneira individual ou coletiva, afinal, estes são sempre conquistas resultantes de um processo histórico através do qual se luta para não apenas adquiri-los, mas também efetivá-los (BRESSER-PEREIRA, 1997, p. 105), pois, “como viram os liberais e em seguida os

democratas modernos, que têm sua origem no contratualismo, a defesa da cidadania depende da permanente luta pela garantia dos Direitos civis e políticos” (BRESSER-PEREIRA, 1997, p. 108).

[…] a cidadania é uma prática. Por isso sociólogos e antropólogos salientaram a

importância crescente dos movimentos sociais para a construção da cidadania através da afirmação de direitos sociais. Esta prática, entretanto, pode se realizar através da defesa de direitos civis, particularmente da afirmação do direito do consumidor. Através da sua defesa o consumidor assume o caráter de cidadão (BRESSER-PEREIRA, 1997, p. 105-106).

A luta pela afirmação da cidadania manifestou-se, no final do século XVIII, através da luta da burguesia por afirmação social. O que, no entanto, era restrito a uma classe, tornou-se uma batalha muito mais ampla a partir do século XX, na tentativa de transformar as classes mais baixas em cidadãos, não apenas no aspecto formal, com o exercício da sua cidadania restrito ao sufrágio, mas também no aspecto material. Isso só foi possível em virtude da educação e da informação, através de uma imprensa livre (BRESSER-PEREIRA, 1997, p. 105-106).

Para a contínua evolução da concepção de cidadania, notadamente no seu aspecto de cidadania solidária, imprescindíveis são as políticas públicas voltadas para educação, não somente em seu aspecto formal, e para o acesso à informação. Cônscios de seus direitos, mas também de seus deveres, os membros da sociedade poderão exercer plenamente a cidadania e contribuir para esse ciclo solidário, em que os cidadãos-contribuintes arcam com a manutenção da máquina estatal e cobram a correta aplicação para que esses recursos retornem sob a forma de direitos e de bem-estar para a coletividade.