• Nenhum resultado encontrado

A propósito da “decadência” do teatro nacional

Capítulo 1: A crítica teatral e o projeto de teatro nacional na República

1.3 A propósito da “decadência” do teatro nacional

O português Pinheiro Chagas (1842-1895), num artigo publicado a 2 de janeiro de 1891, intitulado “Circos e Teatros”, n’O País, argumentava que o teatro de seu país encontrava-se numa situação bastante caótica à época. No texto, o romancista concentrava- se na discussão sobre a concorrência acirrada entre os circos e os principais teatros de Lisboa. Chagas manifestava-se contra a atitude dos empresários teatrais e tradutores de clamarem providências ao governo quanto aos frequentes espetáculos circenses, já que estes, por atraírem público e deixarem os teatros vazios, eram, segundo eles, os maiores responsáveis pelos prejuízos das empresas dramáticas. Para tanto, o autor da famosa A

morgadinha de Val Flor comparava a qualidade dos espetáculos circenses com a dos

espetáculos exibidos na maior parte dos teatros portugueses e, lançando mão do velho bom senso, concluía que os espetáculos circenses apresentavam mais “arte” do que as peças do repertório das companhias lusas e encenadas nos palcos:

Qual é a arte que se quer proteger contra a ginástica dos clowns?

É a arte que nos dá nos teatros as operetas obscenas e as peças de mulheres? E a arte que transporta a polícia para o teatro, e sem, elevação, sem convicção, sem gosto, procura derrancar no espírito do povo todos os ideais severos, quebrar todos os laços da disciplina moral, aviltar todas as tradições honrosas? [...]

É essa arte corruptora e corrompida, sem grandeza moral nem intuitos sérios, essa arte que visa apenas aos cobres dos espectadores, que emprega estes meios revolucionários, porque supôs que, no período de agitação que atravessamos, assim atrairia a curiosidade da turba e arranjaria concorrência, mas que logo abandonaria tudo, bandeiras e hinos, assim que a autoridade policial ameaçasse fechar-lhe o teatro e estancar-lhe a receita, é essa arte a que pede ao governo que proteja e que a defenda?

Chagas, defensor do teatro “nobre” e “elevado” (dramas e comédias), aproveitou a revista de Arthur Azevedo. Campinas, SP: Editora da Unicamp/Centro de Pesquisa em História Social da Cultura, 1999, p.63-64).

ocasião para abrir fogo contra as empresas de operetas, vaudevilles e revistas, gêneros considerados inferiores pela plêiade de intelectuais, que diziam prezar pela arte e pela tradição classicista. O romancista demonstrava toda a sua indignação com relação aos empresários, que cada vez mais contribuíam para transformar o teatro em um negócio lucrativo e distante de qualquer compromisso com a verdadeira “arte” erudita. Nesse sentido, posicionava-se em defesa dos circos, os quais, ao menos, exibiam espetáculos que, na sua ótica, não infrigiam a moralidade e os limites do bom senso tal como as operetas e as revistas cheias de obscenidades e pornografia.

No circo ao menos a plástica apresentada é em geral correta, e os corpos que se veem desenhados pela malha, desenvolvidos pelos exercícios físicos, apresentam às vezes a pureza e a correção de linhas da estatuária, e lembram os ginásios gregos e as formas atléticas e perfeitas dos antigos helenos. Têm quase a castidade da nudez escultural, e não a semi-nudez provocadora da libertinagem cancanista, e, sinceramente, a ter de optar para a moralidade dos costumes, e para a beleza física, entre as coristas da rua dos Condes e os elefantes do Coliseu dos Recreios, prefiro os elefantes.

Em um outro artigo publicado no mesmo jornal, Pinheiro Chagas relata o desprezo do governo português para com o Teatro D. Maria, suposto teatro normal66 de Lisboa. Para ele, o teatro funcionava como um elemento de essencial importância para manter viva e fortalecida a história de um país como Portugal, que deixou vestígios de sua nacionalidade em vários cantos do mundo. O jornalista não entendia a razão pela qual o teatro, refúgio da arte e da cultura de um povo, vinha sofrendo um total abandono por parte das autoridades. Assim, Chagas transformava o seu artigo em um verdadeiro desabafo:

É uma coisa que realmente se não compreendo é este desprezo que se vota há muito tempo em Portugal ao teatro, não desprezo sistemático, mas desprezo filho simplesmente do desleixo.

[...] Ri-se alguém talvez por nos ouvir falar do teatro como de um assunto que tem certa seriedade e certo valor. Pois não sabem que o teatro é, como a epopeia, um dos laços mais poderosos que fortificam as nacionalidades? Não percebem que uma raça como a nossa, que ficou apertada em tão estreitos limites na Europa, mas que se dissemina pelo

66

mundo inteiro, que tem pela Ásia, pela África, pela América, pela Oceania os troços dispersos da sua nacionalidade, precisa de cuidar seriamente de todos os elementos que podem contribuir para que esses troços se unam e que um desses elementos é sem dúvida alguma, como o foi sempre, o teatro? 67

Em ambos os artigos, Pinheiro Chagas traçava um panorama pouco animador do contexto artístico-teatral português, o qual, por sua vez, assemelhava-se em vários aspectos com o brasileiro. Tal contexto também foi relatado pelo professor de teatro e escritor português Antonio Pinheiro (1867-1943), que, em 1909, publicou um livro reunindo uma série de artigos de sua autoria divulgados no jornal português Correio da Noite, no qual foi colaborador. Esses artigos apresentam um panorama detalhado da arte dramática portuguesa na virada do século XIX para o XX. Além de tratar dos principais aspectos da vida artística, como o árduo dia-a-dia do artista de teatro – o dom, a vocação, os estudos relacionados à arte de representar, o vestuário – e a relação complexa entre artista e empresário, traçava um balanço geral do teatro lusitano do período. Assim como Chagas, o autor não dispensou o tom de lamento em seus apontamentos e enfatizou a tese de que a arte dramática portuguesa caminhava rumo a um abismo sem volta:

Se o teatro de uma nacionalidade reflete e refletiu em todo o tempo e em todos os tempos, a vida do seu povo e a sociedade da sua época, não poderemos deixar de concordar em que o teatro português contemporâneo é o reflexo vivo da vida atual e da degenerescência moral e física da nacionalidade portuguesa. Sem vitalidade própria, sem escola, sem ideal artístico e literário, o teatro português arrasta uma existência lenta e efêmera, vivendo apenas de tradições embrionárias, que nunca atingiram a verdadeira estética, nem corresponderam ao alto fim moral e civilizador da arte por excelência. 68

O jornalista discute, atentamente, a situação da arte dramática em Portugal na última parte de seu livro, ao mesmo tempo em que se propõe a realizar um apuramento geral do teatro de seu país da virada do século XIX para o XX. Assegurava, sobretudo, que o domínio da influência francesa no decorrer do século XIX aniquilou a individualidade e a originalidade portuguesas, apesar dos incansáveis esforços de autores como Garrett (1799-1854), Mendes

67 CHAGAS, Pinheiro. “O teatro normal.” O País, 18 de março de 1891. 68

Leal (1818-1886), Marcelino Mesquita (1856-1919), entre outros, para conservar e preservar a qualidade da produção dramática do país. Sobre isso, questionava:

Qual é o repertório clássico do nosso teatro, digno de tal nome? O pouco que apareceu, nenhum tem resistido à ação das épocas e à evolução dos costumes e das sociedades.

E sem literatura dramática, como desenvolver e aperfeiçoar a parte

estética e plástica da arte teatral?! 69

No seu entender, eram quatro os fatores principais que contribuíam para o estado “decadente” do teatro português: as empresas, os artistas, a crítica e o público. No tocante às empresas, escrevia que não existia uma única que fosse especializada em um gênero; a maioria das companhias se aventurava à encenação de todos os gêneros de espetáculo (operetas, comédias, revistas, dramas), já que a ideia fixa dos empresários era satisfazer o gosto do público e, com isso, mais receita, mais cobres. Se não bastasse isso, Pinheiro acrescentava que esses empresários, visando apenas ao lucro, não se preocupavam em investir no estudo intelectual dos artistas, pensavam em explorá-los e escravizá-los, não havendo, por assim dizer, valorização alguma do trabalho do ator. Já os artistas, sem disporem de uma escola prática de declamação, mostravam estar indevidamente preparados para enfrentar o palco, pois só aprendiam imitar e não criar, como sustentava o professor português. Ao problema da defasagem intelectual do elenco das companhias, juntava-se a falta de união entre a classe de artistas, prevalecendo o egoísmo e os interesses pessoais. Com relação à crítica, Pinheiro, sem dispensar o rigor, afirmava que a ignorância e a falta de critérios analíticos imperavam nos julgamentos. A seu ver,

a crítica, a nossa bela crítica indígena, corrobora, confirma e sanciona todos os atentados e vandalismos, ou deturpa e corrói todos os bons intentos e todas as manifestações puramente artísticas.

[...] Umas vezes, é a louvaminha baixa e torpe, tudo é bom por sistema: outras é o azorrague cesarino, que fere e retalha; – tudo é mau por acinte. Conselhos, emendas, retoques, estímulos, verdades, sensatez e urbanidade, tudo é desconhecido.

A adjetivação crítica resume-se no seguinte: ator consciencioso, étoile

brilhante, futuro largo, novo esperançoso, artista correto, toilettes

69

rafinées, suprema elegância, conjunto harmonioso, savoir faire e mais

dois galicismos ou três neologismos.70

Antônio Pinheiro aproveitava para mencionar o desprezo dos críticos com relação às companhias nacionais, quando as comparavam com as estrangeiras; estas, na visão dos críticos, sempre se encontravam insuperáveis no quesito qualidade, recebiam os mais altos elogios, enquanto os artistas portugueses, em completa situação de abandono, eram considerados “sem cultura, sem escola, sem exteriorização, sem naturalidade.”71 O autor ainda lembrava que mesmo os artistas estrangeiros célebres, quando vinham mais de uma ou duas vezes a Portugal, passavam despercebidos pela crítica e não recebiam nenhum comentário que fosse proveitoso e relevante.

Ao se referir ao público, Pinheiro o denominava de elemento indecifrável, anônimo, que comparece ao teatro somente para se divertir e se entreter. Dessa maneira, concluía a sua exposição enfatizando que uma regeneração bem planejada e pensada seria a solução para a enfermidade que assolava o teatro português.

Eis os males gerais de que enferma o nosso teatro. Quais os meios profiláticos para os combater?

Uma regeneração forte, bem urdida e superiormente executada por parte de todos; proteção oficial para o teatro, regulamentando os serviços, os direitos os deveres entre empresas e artistas; criação do Teatro nacional e de uma literatura dramática portuguesa; um curso de arte dramática, inteligentemente organizado e superiormente lecionado; crítica sensata e educadora, professada por críticos abalizados; criação da associação de classe dos artistas dramáticos; fundação da associação dos autores dramáticos; reforma do Monte-pio dos atores portugueses, atinente a dar- lhes maior latitude de ação, de regalias e de refúgio aos seus consócios, etc. Só assim, com os esforços congregados, de todos por um e de um por todos, se poderia encaminhar o gosto e o sabor do público; só assim conseguiríamos uma obra de saneamento teatral,; só assim teríamos um

Teatro nacional, porque o que temos tido até hoje e continuaremos a ter,

não é Teatro português, mas sim, Teatro em Portugal! 72

A ideia de “regenerar” o teatro ecoava igualmente por todo o Brasil à época, em especial no Rio de Janeiro, considerado o maior centro de cultura do país e onde se

70 Idem, ibidem, p. 112-113. 71 Idem, ibidem, p. 113-114. 72

concentrava a grande maioria dos intelectuais, literatos e escritores de renome do país. Muitos dos “problemas” que assolavam o teatro português, mencionados por Antonio Pinheiro e Pinheiro Chagas, também foram apontados pelos intelectuais brasileiros, que, assim como os escritores do Além-mar, alegavam estar a arte dramática nacional sofrendo uma “crise” jamais vista em outras épocas. Dentre os pontos mais comuns que favoreciam a complexa situação teatral, conforme os autores brasileiros, destacavam-se o interesse comercial dos empresários, a exploração injusta sofrida pelos artistas e a difícil vida destes, a influência francesa, a ausência de autores dramáticos e de obras consagradas, o desleixo das autoridades governamentais para com a arte dramática do país. Todos esses itens eram repetidas vezes divulgados pelos escritores na imprensa jornalística como principais causas da “decadência” do teatro nacional, incluindo, segundo eles, a proliferação desenfreada do teatro musicado (operetas, revistas de ano, vaudevilles, mágicas) carregado de obscenidades e desprovido de literatura.

Henrique Marinho (1873-?), no início do século XX, traz à luz, em seu livro O teatro

brasileiro, um capítulo dedicado ao tão discutido tema e que merece uma leitura detalhada

e uma análise à parte. Esse livro, além de importantíssimo documento, serviu de fonte básica e fundamental para os pesquisadores da história do teatro brasileiro ao longo do século XX. Henrique Marinho, na mesma linha dos escritores e literatos do período que consideravam a situação “decadente” do teatro nacional, inicia o capítulo apontando algumas das causas da decadência alegadas por outros intelectuais, escritores e artistas do final do século XIX e início do XX. Dentre os autores aludidos, destacam-se Eduardo Vitorino (1869-1949), Artur Azevedo, Aderbal de Carvalho (1872-1915), Clóvis Bevilácqua (1859-1944), João Caetano (1808-1863), Luís de Castro (1863-1920). Em seguida, o escritor analisa as causas assinaladas por tais intelectuais, concordando ou não com elas. 73 Para sustentar seus argumentos e suas observações, o autor se apoia em teóricos, críticos, escritores e artistas estrangeiros, inclusive franceses, como Daudet, M.

73

Como Antonio Pinheiro, Henrique Marinho reiterou que a crise do teatro era geral. Portugal e Brasil não eram os únicos países que reclamavam do problema; críticos de outras nacionalidades asseguravam que a arte dramática de seu país estava caminhando para um abismo: “A decadência teatral, porém, é geral. Os escritores de todos os países queixam-se de que o teatro da sua terra já não atravessa o período áureo da prosperidade.” (MARINHO, Henrique. O teatro brasileiro. Rio de Janeiro: Garnier, 1909, p.105).

Fonnelière, Grucker, Mme. Arnold Plessy, o ator Lafontaine, Clairon, Blunschli. A primeira causa analisada por Marinho refere-se à abordagem do cruzamento das três raças (índia, negra e portuguesa), assinalada, por sua vez, por Aderbal de Carvalho, em seu artigo “O teatro brasileiro de relance”, e da qual discorda inteiramente.74 A seu ver, se tal argumento fosse um fator que favorecesse a “falência” do teatro nacional, ele também deveria contribuir para o desfavorecimento dos demais ramos da literatura; seria, assim, uma incoerência atingir apenas o teatro, defendia o autor. Outro argumento aludido pelo escritor é a falta de escolas de dramatização, tese levantada por Artur Azevedo e Eduardo Vitorino, sobre a qual Marinho pensa ser ela um fator que contribuía de maneira indireta para a “decadência”. O escritor, a respeito da questão, esclarece ser necessária a existência de uma escola; porém, em primeiro lugar, era relevante compreender que não seria apenas por meio dela que o artista poderia aprender tudo sobre a arte de representar; outras técnicas são adquiridas, por exemplo, a partir da observação criteriosa do desempenho de artistas experientes e consagrados no palco. Ou seja, o artista, antes de tudo, deveria procurar, por si mesmo e por esforço próprio, aperfeiçoar e aprimorar seus conhecimentos de arte cênica. Com base em Daudet, M. Fonnelière, Grucker, Mme. Arnold Plessy, Lafontaine, Clairon, Marinho ressalta que “em síntese – a Escola é necessaríssima à formação do teatro brasileiro, porém a sua existência não é causa, pelo menos direta, da decadência do teatro brasileiro, pois que, em vários países, onde ela existe, está em decadência o teatro” 75. Portanto, a situação “decadente” não se devia exclusivamente à falta de uma escola de dramatização.

Continua o capítulo referindo-se às reprises em grande quantidade nos teatros brasileiros, causa também reiterada pelo cronista e teatrólogo Artur Azevedo. Marinho concorda com o crítico de A Notícia ao afirmar que as reprises seriam um fator que contribuiria de forma direta para a “crise” teatral e, por esse motivo, não compartilhava da concepção, sustentada por muitos empresários, de que uma peça, quando fazia sucesso uma vez, seria sempre bem sucedida em outras épocas.

Aludindo à questão da ausência de boas peças, ponto arrolado por Vitorino, o autor com

74 O artigo “O teatro brasileiro de relance” encontra-se reunido junto a outros escritos pelo mesmo autor no livro

Esboços Literários (Rio de Janeiro: H. Garnier, 1902).

75

ela concorda apenas em parte. Marinho alega que muitos escritores brasileiros, ainda recebendo uma ínfima remuneração, escreviam boas peças, as quais sempre eram rejeitadas pelas empresas dramáticas. Essas empresas, em geral com vistas ao lucro, pretendiam representar somente dramalhões, revistas, operetas e peças de seus “conhecidos”, autores estimados pelos empresários. Nesse contexto, Marinho, contrário à concepção de que os autores nacionais visavam a receber uma “gorda” remuneração, argumenta em defesa do escritor jovem e brasileiro, que, sem possuir “padrinhos” ou alguém que pudesse facilitar a inclusão de um de seus textos no repertório de alguma companhia, não media esforços para que um dia seu trabalho fosse ao menos lido por um empresário. Com o objetivo de polemizar a questão, o autor cita a preferência das empresas dramáticas nacionais pelos autores de outras nacionalidades, em especial portugueses. Henrique Marinho declara guerra aos estrangeiros, estabelecendo uma comparação com o que acontecia em Portugal: enquanto os autores brasileiros eram rejeitados em seu próprio país, em Portugal, ao contrário, os escritores lusitanos eram valorizados:

A guerra que sofre o autor brasileiro e a predileção que dão as nossas empresas (quase todas organizadas e dirigidas por estrangeiros) aos escritores de além-mar são manifestas. Só as negam os que não amam a verdade.

Não é, porém, somente no teatro que somos suplantados pelos estrangeiros, mas em quase todos os ramos da atividade humana. Isso não é um desabafo chauvenista é uma verdade incontestável.”

[...] As nossas companhias fenecem à míngua de espectadores, ao passo que as portuguesas que nos visitam têm repletos os seus teatros. São os seus patrícios que os enchem para protegê-las, o que não fazem às companhias nacionais. 76

Além disso, Marinho discorda, em parte, do argumento de que uma das possíveis causas seria a escassez de bons atores e, por consequência, do mau desempenho das companhas nacionais. Defende o autor que não se poderia atribuir a “crise” teatral aos atores, visto que, se estes eram ruins, a culpa era, sem dúvida, da ausência de montagem de peças “literárias” e de qualidade, e, sobretudo, da tolerância da imprensa e do público para com o trabalho artístico das companhias exibido no proscênio. Contudo, enfatiza que a

76

culpa maior viria mais por parte da imprensa do que do público: “Mas a imprensa, principalmente, a imprensa mais que o público, é de uma cegueira e de uma surdez terríveis...”.77 Esse argumento abordado por Henrique Marinho foi compartilhado pelo autor português Antonio Pinheiro, quando este buscou justificar os agentes responsáveis pelos problemas do teatro português. Pinheiro reclamava da falta de observações críticas e analíticas nos comentários divulgados nos periódicos.

Concordando com Dias Braga e Artur Azevedo, Marinho aponta o jogo, atividade de entretenimento em ascensão na virada do século XIX para o XX, como uma causa determinante. Já quanto ao luxo das montagens, ponto aludido por Vitorino, Marinho, apoiando-se no crítico francês Louis Becq de Fouquières (1831-1887), diz ser um fator indireto, embora reforçasse que a riqueza das exibições não contribuía em nada para a elevação da arte dramática. “Será, pois, uma causa indireta; porque a riqueza da encenação pode ocasionar a falência desta ou daquela empresa” 78.

Henrique Marinho considera a falta de disciplina dos artistas um fator determinante e exclusivo para a “crise”. Outra causa, segundo ele, seria a inexistência de contratos entre o empresário e os artistas, o que caracterizava a desorganização interna das relações de trabalho no meio artístico e a instabilidade da permanência fixa de um artista em uma empresa. As substituições repentinas de artistas (quando a representação de uma peça já corria) e de última hora eram constantes, sendo o ator, indicado para substituir o anterior, obrigado a subir ao palco sem estar devidamente preparado e ensaiado para representar o papel. O resultado da montagem só poderia ser desastroso, escrevia Marinho.

Além disso, o fato de as empresas cederem ao “mau gosto” da plateia, de modo a reforçar “a mania de popularidade”, com a intenção de obter o aplauso gratuito, era, por excelência, um outro item determinante, na visão do escritor. Segundo ele, o teatro decaía à medida que se transformava num verdadeiro parque de diversões, desprovido de qualquer manifestação artística – tudo era sacrificado em razão do sucesso, da obtenção de aplausos,

Documentos relacionados